Poemas, frases e mensagens de Almeida

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Almeida

Entrei agora

 
Entrei agora
onde nunca tinha estado
neste lugar que nao tem hora
mas de tudo um bocado

Bocado intemporal
Clareira aberta
Folha banal
Que a mente desperta.

Quem anda desse lado ?
Desconhecidos por certeza
Rostos de diferente fado
Almas na procura de beleza.
 
Entrei agora

Choverá?

 
No tempo que promete
Chuva lá esquecida
Ou em canto perdida
Espera-se o arremete

Enquanto não se mete
Nessa toada devida
Não pára a verde vida
Que madurar acomete

Eu entretanto vejo
Mudando de desejo
O que este tempo não faz

E a única chuva que cai
Nestas linhas rasa vai
Que a melhor nas nuvens jaz.
 
Choverá?

Lugar que toma tom de instante

 
Lugar que toma tom de instante
Na paleta interior das sensações
Quadro que mistura recordações
Decorado por certo viajante

Claro quase fero de brilhante
Riscos profundos nas direcções
Tornando-se várias pigmentações
De cores tão vivas como errantes

E de um momento para o seguinte
Escuro. Vazio cujo requinte
É de abrir os olhos da imaginação

Pintado por um silêncio leve
Desenha de tudo e de mais breve
A tela com o bater do coração
 
Lugar que toma tom de instante

instante

 
Trago guardado esse instante
Que de instante não parece
Que um instante só acontece
E num instante fica distante

Tão leve que flutua constante
E constante por cá me aparece
Constante que de soma desse
Constante e nada mais diante

E como cada instante cava
Mais distante que não encrava
Com o que resta me mantenho

E o resto não é assim tão escasso
Tem a presença de um abraço
O gosto de beijo que desenho
 
instante

Vindima

 
No tempo da vindima
Cada vinha enaltece
Verde que esmorece
Outro tom que ora arrima

O gosto que tem em cima
Esconde o que oferece
Ir ali quase em prece
Colher nesta estima

Aos cachos do meu cortar
Não os tiro do lugar
Ficam neste cantinho

Em que faço por ouvir
Na cepa do meu sentir
Correr tudo em vinho.
 
Vindima

Procissão

 
Pelas ruas da minha aldeia
Nesta noite em procissão
Há mistura de devoção
Com festividade na ideia

A noite de escuro cheia
Uma vela a cintilar na mão
Lento cair de cera no chão
Sumida nas pedras em teia

Promessas de muito lado
A encherem todo o espaço
Da vontade das precisões

Neste silencio presente
Cada passo segue ciente
Que o caminhar é de gerações
 
Procissão

Douro Jazz

 
Soa a jazz pela cidade
Em época de colheita
De tom já se enfeita
Que o Outono é verdade

Nasce em liberdade
Cada nota que aceita
Encher mais outra feita
Este espaço vontade

A mim leva-me pelas ruas
A esta hora de pedras nuas
Ou acaso de alguém passar

E sigo assim entretido
Entre interior batido
E uma melodia de teimar.
 
Douro Jazz

Na terra lavrada dos teus cabelos

 
Na terra lavrada dos teus cabelos
Onde sulcos são refeitos de dedos
A sementeira não passa de enredos
Feita por gestos tão breves e singelos

No ar que te rodeia de firmes castelos
Sopram leves e desprovidos de medos
Brisas assim misturadas com segredos
Quando andas e desfazes os novelos

Na ilha que te enleia de imaginação
És o mar onde navega meu coração
Que tem ancoradouro onde fundear

E assim exposta ao que me acontece
Passas como quem somente obedece
Ao desejo de por cá te demorar
 
Na terra lavrada dos teus cabelos

A obra

 
A obra é um acaso entre tantos
Que entretanto mais firme teima
Presente que estala e queima
Se aninha em recônditos cantos

Nascem então estranhos encantos
Não raro sabe a guloseima
Atinge píncaros de toleima
Vem do riso firma-se nos prantos

Eis pois ao siso do mundo a obra
Onde lhe sobressai cada dobra
Afastando-se já do criador

E o criador por si enganado
Que fiava-se assim escorado
Só lhe resta tentar-se noutra dor.
 
A obra

Aldeia

 
Terra adormecida a aldeia
Entregue a esta estação
De que ainda sendo verão
De muita gente não tem ideia

Certo que nas ruas vagueia
Não é frio nem fresca alusão
Também do sol não faz clarão
Este silêncio que rodeia

E está tempo de colheita
De acautelar coisa feita
De dar estima à labuta

Pois então se falta gente
Apenas isso de diferente
Que o fruto dá gosto à luta.
 
Aldeia

À procura...

 
Vou-me pôr por aí à procura
Na rima deste cada dia
Do regalo que a fantasia
Tem até na forma mais dura

Das árvores a estrutura
Das folhas a verde sintonia
Dos frutos o gosto que mordia
De cada a certa altura

De um rio que vai até ao mar
Para somente desaguar
Todo o seu torto passado

E de mim dos outros de ti até
Desta coisa chamada fé
De saber ser deste lado.
 
À procura...

Andorinhas

 
Pela manhã reinava chilrear
Nos altos fios de postes vários
Estava fresco mas contrários
Eram bulícios pelo claro ar

Aqui uma andorinha a cofiar
Além duas como adversários
Uma a chegar sem saber horários
Outra a partir para regressar

Anda nestas voltas decidir
Qual o momento certo de seguir
Rumo à distância do destino

E a firme partida traz saudade
De ver pelos céus liberdade
Sentir nas ruas passar felino.
 
Andorinhas

Meu vibrar sem destino

 
Vibra todo o alcançar
Que o sentir descortina
Num maneira bonina
De leve vento passar

O rio cada margem a tocar
Nas pedras capa fina
No céu nuvem ladina
Que de tom teima mudar

A chuva que quando quer cai
A água que da fonte sai
A neve que voa sem tino

E de todo na certa água
Tenho por aperto mágoa
Meu vibrar sem destino.
 
Meu vibrar sem destino

Douro

 
Talhado curso em força bruta
O que o rio segue como destino
Faz descer ao leito afiado e fino
Subir encostas de forma abrupta

A água tendida esqueceu a luta
Tem barragem que lhe tira o tino
Espelha-se num sol vespertino
Fica sulco de quilha arguta

Pelas margens não indiferentes
Os socalcos são provas puras
De passadas e presentes amarguras

Não se nota, mas teve e tem gentes
De rosto sempre pregado no rio
Que nele a vida uniu no mesmo fio.
 
Douro

Dizem que neva

 
Dizem que neva
Tanto que nem se passa
Que no ar anda uma leva
Que pelo termo grassa

Anda o ar carregado
De nuvens de um frio presente
De um tom condenado
A cair em toda a gente

Pois que neve
Nem lhe vejo adversidade
Que sussurre leve
O branco que desce em liberdade
 
Dizem que neva

Enxertia

 
Dormiu aos embalos do inverno
A árvore de forma franzina
Um braço que ao alto afina
Num canto já para ela terno

Sentido que é este suave perno
Da estação de todas menina
Já no caule seiva imagina
Um fluxo firme para governo

E é quando lhe dou certo corte
Quase como tirando-lhe sorte
E lhe enfio o prumo eleito

Assim fica ela enxertada
Quase reduzida a um nada
E eu com ela atada ao peito
 
Enxertia

A António Feio, com admiração

 
Não deixes nada por dizer
Do que te vai nessa alma
E na mesma com certa calma
Não deixes nada por fazer

Não deixes nada por querer
Nem que não conheças palma
Segura tudo na xalma
De não deixares de crescer

Mas calma no que desejas
Ás tantas só tu almejas
Tanto ter nesse incerto

Não te percas e segue a luta
Que no interior labuta
E te traz o provento por perto.
 
A António Feio, com admiração

Sementeira

 
Nas mãos frescas letras misturadas
Uma consoante outra mesmo igual
Um acento encimando uma vogal
Combinações ao acaso votadas

Em frente sem linhas desenhadas
Claro de folha de papel normal
Um terreno gradado ou sinal
Para onde devem ser lançadas

Por embelgas vão traços de rima
Passos bem medidos para cima
A delimitarem certo o intento

E saem sementes da pena tão caras
Umas bastas outras por sorte raras
Lavras de verso em pensamento
 
Sementeira

Sou ou não sou

 
Não sou mais que verso desta terra
Uma frase que ondula nos montes
Cantar que corre junto ás fontes
Rima que uma estação encerra

Raiz que procura e se enterra
Tronco que separa horizontes
Ramo torcido pelos despontes
Flor que vê fruto e ainda erra

Rumo onde veio bater a vida
De tanta gente mais a esquecida
Um lugar com a forma de berço

E sou mais e mais a recordação
O constante bater do coração
Uma alma num natural terço
 
Sou ou não sou

Incêndio...

 
Anda um incêndio em mim
Que arde sem ter compaixão
Consome tudo num clarão
Parece não desejar fim

Fiquei revoltado assim
De ver o termo escuridão
Após um dia de devastação
De andar no ar fumo ruim

Que mão fraca e insensível
É capaz de louca vontade
Atear inferno de verdade?

E de negro fica o visível
Com a triste e crua certeza
Da vara da natureza
 
Incêndio...