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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
em 16/03/2009 15:01:14 (18980 leituras)
Luís de Camões


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


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Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
em 14/03/2009 23:56:54 (15838 leituras)
Luís de Camões


Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?




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Elegia das Águas Negras para Che Guevara
em 09/03/2009 20:51:13 (6611 leituras)
Eugénio de Andrade

Elegia das Águas Negras para Che Guevara


Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes em prado procuram
O potro mais livre, a palmeira
mais alta sobre o lago, o barco talvez
Ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé;
cada palavra tua
faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.


de Eugénio de Andrade em Poemas a Guevara (selecção e tradução de Egito Gonçalves - colecção Os Olhos e a Memória - Editora Limiar - 1975)

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A viagem
em 04/03/2009 14:24:46 (11155 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Quem é alguém que caminha
Toda a manhã com tristeza
Dentro de minhas roupas, perdido
Além do sonho e da rua?

Das roupas que vão crescendo
Como se levassem nos bolsos
Doces geografias, pensamentos
De além do sonho e da rua?

Alguém a cada momento
Vem morrer no longe horizonte
Do meu quarto, onde esse alguém
É vento, barco, continente.

Alguém me diz toda a noite
Coisas em voz que não ouço.
- Falemos na viagem, eu lembro.
Alguém me fala na viagem.

In "O engenheiro", 1945.



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Intervalo
em 01/03/2009 22:16:00 (7639 leituras)
Fernando Pessoa

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.



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O aventureiro
em 28/02/2009 14:49:51 (6243 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Às primeiras palavras que ela gritou
Fomos precipitados na sombra.
A sombra era doce e tinha suas vantagens:
Sports, cinema e os sinais de tráfego sempre abertos.
As palavras seguintes não foram palavras de dicionário.
Nos tiraram de lá e nos deixaram
As emoções irremediavelmente desertas.




*Não encontrei a fonte, se alguém souber, queira informar.

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Remissão
em 28/02/2009 14:35:42 (20450 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?



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Eutanásia
em 15/02/2009 15:40:00 (23971 leituras)
Lord Byron

Eutanásia

Tradução de João Cardoso de Menezes e Souza
(Barão de Paranapiacaba).

Quando o tempo me houver trazido esse momento,
Do dormir, sem sonhar que, extremo, nos invade,
Em meu leito de morte ondule, Esquecimento,
De teu sutil adejo a langue suavidade!

Não quero ver ninguém ao pé de mim carpindo,
Herdeiros, espreitando o meu supremo anseio;
Mulher, que, por decoro, a coma desparzindo,
Sinta ou finja que a dor lhe estará rasgando o seio.

Desejo ir em silêncio ao fúnebre jazigo,
Sem luto oficial, sem préstito faustoso.
Receio a placidez quebrar de um peito amigo,
Ou furtar-lhe, sequer, um breve espaço ao gozo.

Só amor logrará (se nobre à dor se esquive,
E consiga, no lance, inúteis ais calar),
No que se vai finar, na que lhe sobrevive,
Pela vez derradeira, o seu poder mostrar.

Feliz se essas feições, gentis, sempre serenas,
Contemplasse, até vir a triste despedida!
Esquecendo, talvez, as infligidas penas,
Pudera a própria Dor sorrir-te, alma querida.

Ah! Se o alento vital se nos afrouxa, inerte,
A mulher para nós contrai o coração!
Iludem-nos na vida as lágrimas, que verte,
E agravam ao que expira a mágoa e enervação.

Praz-me que a sós me fira o golpe inevitável,
Sem que me siga adeus, ou ai desolador.
Muita vida há ceifado a morte inexorável
Com fugaz sofrimento, ou sem nenhuma dor.

Morrer! Alhures ir... Aonde? Ao paradeiro
Para o qual tudo foi e onde tudo irá ter!
Ser, outra vez, o nada; o que já fui, primeiro
Que abrolhasse à existência e ao vivo padecer!...

Contadas do viver as horas de ventura
E as que, isentas da dor, do mundo hajam corrido,
Em qualquer condição, a humana criatura
Dirá: "Melhor me fora o nunca haver nascido!"



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Ofício de Amar
em 14/02/2009 18:00:00 (8154 leituras)
Al Berto

Já não necessito de ti
Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
De outras galáxias, e o remorso.....

.....um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio.....
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.



Al Berto


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Vaidade
em 09/02/2009 15:10:00 (7214 leituras)
Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...



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Eu ontem tive a impressão
em 26/01/2009 13:00:00 (17835 leituras)
Paulo Leminski

eu ontem tive a impressão
que Deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos

quem sou eu para falar com Deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus


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Todos os dias agora acordo com alegria e pena
em 26/01/2009 12:40:00 (8644 leituras)
Fernando Pessoa

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações,
Não sei o que hei-de ser comigo.
Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.
Quem ama é diferente de quem é.
É a mesma pessoa sem ninguém.



por Alberto Caeiro

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Vida e Obra
em 19/01/2009 10:40:00 (12740 leituras)
Christina Rossetti

Apresentando mais uma autora consagrada:

Christina Georgina Rossetti – Pseudônimo: Ellen Alleyne

Uma das mais importantes poetas inglesas, que era irmã do pintor, poeta Dante Gabriel Rossetti, e um membro da Pre-Raphaelite arte movimento. "Um Aniversário", "Quando Eu Morrer", e o "Up-Hill 'são provavelmente as obras mais conhecidas de Rossetti. Depois de uma doença grave, em 1874, ela recebeu visitantes ou raramente passou fora de casa. Seus temas favoritos estavam descontentes sobre o amor, a morte, e de demissão prematura. Especialmente depois ela trabalhava lidar com sentimentos religiosos sombrios.

Será que o caminho do vento cima todo o caminho?
Sim, para o fim.
Será que o dia da viagem ter todo o longo dia?
De manhã à noite, o meu amigo.
(a partir de "Up-Hill ', 1861)

Christina Rossetti nasceu em Londres, uma dos quatro filhos de pais italianos. Seu pai era o poeta Gabriele Rossetti (1783-1854), professor de italiano no King's College de 1831. Resignou-se em 1845 por causa de cegueira. Todas as quatro crianças da família se tornaram escritores, Dante Gabriel também ganhou fama como um pintor. Christina foi educada em casa com sua mãe, Francisca Polidori, uma antiga governanta, uma anglicana evangélica devota. Christina compartilhou aos seus pais o interesse pela poesia e foi retratada nas pinturas e desenhos do Pre-Raphaelites. Christina foi o modelo para seu irmão no “Girlhood”. A imagem da Virgem Maria de (1849), que foi a primeira imagem a ser assinada PRB Jan Marsh tem proposto na sua biografia Christina Rossetti: A Writer's Life (1995). Christina foi abusada sexualmente por seu pai, mas "talvez como muitos abusos vítimas ela afastou os conhecimentos a partir da memória consciente". No entanto, este tipo de créditos tornam-se altamente especulativa em biografias populares na década de 1990.

Os primeiros versos foram escritos em 1842 e impresso na imprensa privada de seu avô. Em 1850, sob o pseudônimo de Ellen Alleyne, ela contribuiu para os sete poemas de curta duração Pré-Raphaelite do jornal “O Germe”, que foi fundada por seu irmão William Michael e seus amigos. Quando sua família ficou em dificuldade financeira, ela ajudou a mãe a manter uma escola em Frome, Somerset. A escola não foi um sucesso, e ela retornou a Londres em 1854. Exceto por duas breves visitas no exterior, ela viveu com a mãe por toda sua vida.

Christina Rossetti tinha temperamento profundamente religioso deixou as suas marcas em sua escrita. Ela era uma devota Alto Anglicana, muito influenciada pela Tractarian, ou Oxford Movimento. Rossetti rompeu laços com o artista James Collison, um original membro da Irmandade Pré-Rafaelita, quando ele ingressou na Igreja Católica Romana. Ela também rejeitou Charles Bagot Cayley por motivos religiosos.

Até a década de 1880, recorrentes boatos de Doença grave, por um distúrbio da tiróide, tinha feito Christina Rossetti inválida, e terminou o seu trabalho como uma tentativa de lidar com este mal. Restringiu a sua vida social, mas ela continuou a escrever sonetos e baladas. Especialmente ela estava interessada em temas de livros apocalípticos, escritores e religiosos, tais como Agostinho e Thomas à Kempis. Ela também admirava George Herbert e John Donne. Entre suas obras estão mais tarde Um PAGEANT E OUTROS POEMAS (1881), e a face da DEEP (1892). Ela era considerada uma possível sucessora do poeta Alfred Tennyson como laureado. Para aceitar o desafio, ela escreveu uma elegia royal. No entanto, Alfred Austin foi nomeado poeta laureado em 1896. Rossetti desenvolveu um cancro mortal em 1891, e morreu em Londres em 29 de dezembro de 1894.

Rossetti e o irmão de William Michael completam obras editadas em 1904. Ele disse uma vez que Christina tinha hábitos de compor e eram eminentemente espontânea da espécie: “Eu lhe perguntei uma vez que já deliberou-se ou não com ela, iria escrever alguma coisa ou outra e, em seguida, depois de pensar, depois de ter procedido a tratá-la em inspirações regular de trabalho. Ao invés de presente, algo impulsionado pelos sentimentos dela, ou "entrou em sua cabeça", e sua mão obedecia o ditado. Suponho que ela escreveu algo, linhas fora rapidamente o suficiente, e depois tomou qualquer que seja a quantidade de dores que ela considera necessárias para a manutenção – ela em forma direita e de expressão. " Rossetti por seu trabalho sofreu redutora de interpretações, mas ela é cada vez mais a ser reconsiderada como um grande poeta vitoriano. Típico para ela era poemas canções e usar palavras e versos curtos, irregularmente em rimadas linhas.

Trabalhos selecionados:


• GOBLIN MARKET AND OTHER POEMS, 1862
• PRINCE'S PROGRESS AND OTHER POEMS, 1866
• COMMONPLACE AND OTHER SHORT STORIES, 1870
• SING-SONG: A NURSERY RHYME BOOK, 1872
• SEEK AND FIND, 1879
• A PAGEANT AND OTHER POEMS, 1881
• CALLED TO BE SAINTS: THE MINOR FESTIVALS, 1881
• TIME FLIES, 1888
• THE FACE OF THE DEEP, 1892
• VERSES, 1893
• NEW POEMS, 1896
• POETICAL WORKS, 1904 (ed. by W.M. Rossetti)
• FAMILY LETTERS, 1908
• THE FAMILY LETTERS OF CHRISTINA GEORGINA ROSSETTI, 1969
• SELECTED POEMS, 1970
• COMPLETE POEMS, 1979
• LETTERS OF CHRISTINA ROSETTI: 1843-1873, 1997
• SELECTED PROSE OF CHRISTINA ROSSETTI, 1998
• LETTERS OF CHRISTINA ROSSETTI: 1874-1881, 1999
Christina Georgina Rossetti (1830-1891)


"Remember"

(Tradução de Manuel Bandeira)

Recorda-te de mim quando eu embora
for para o chão silente e desolado;
quando não te tiver mais ao meu lado
e sombra vá chorar por quem me chora.

Quando não mais puderes, hora a hora,
falar-me no futuro que hás sonhado,
ah! de mim te recorda e do passado,
delícia do presente por agora.

No entanto, se algum dia me olvidares
e depois te lembrares novamente,
não chores: que, se em meio aos meus pesares,

um resto houver do afeto que em mim viste,
- melhor é me esqueceres, mas contente,
que me lembrares e ficares triste.




*pesquisa realizada em sites da internet.
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XVIII - Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
em 13/01/2009 14:10:00 (5767 leituras)
Fernando Pessoa

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena ...


Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XVIII"
Heterónimo de Fernando Pessoa


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Poderes
em 10/01/2009 19:50:00 (6691 leituras)
Pablo Neruda

Talvez o amor restitua um cristal quebrado no fundo
do ser, um sal esparzido e perdido
e apareça entre o sangue e o silêncio como a criatura
o poder que não impera se não dentro do gozo e da alma
e assim neste equilíbrio poderia fundar-se uma abelha
ou encerrar as conquistas de todos os tempos numa papoula,
porque assim de infinito é não amar e esperar na margem de um rio redondo
e assim transmutados os vínculos no mínimo reino recém-descoberto.

(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)



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O futuro é espaço
em 10/01/2009 19:30:00 (8911 leituras)
Pablo Neruda

O futuro é espaço,
espaço da cor da terra,
da cor da nuvem,
da cor da água, do ar,
espaço negro para muitos sonhos,
espaço branco para toda a neve,
e para toda a música.

Atrás ficou o amor desesperado
que não tinha lugar para o beijo,
tem lugar para todos no bosque,
em plena rua, em casa,
tem sítio subterrâneo e submarino,
que prazer é achar, por fim,
subindo
um planeta vazio,
grandes estrelas claras como a vodca
tão transparentes e desabitadas,
chegar com o primeiro telefone
para que falem mais tarde outros homens
de suas enfermidades.

O importante é apenas perceber-se,
gritar desde uma dura cordilheira
e ver numa outra ponta
os pés de uma mulher recém-chegada.

Adiante, vamos sair
do rio sufocante
em que com outros peixes navegamos
desde a manhã à noite migratória
e agora neste espaço descoberto
vamos voar para a pura solidão.

(In "Memoria de Isla Negra". Brasil: P&Pm, 2007)



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A tristeza
em 10/01/2009 19:10:00 (10560 leituras)
Pablo Neruda

Quando abri meus olhos para este mundo
e recebi sua luz, o movimento,
a comida, o amor, e toda palavra,
quem me diria que em todos os lugares
quebra o homem os acordos com a luz
constrói e continua com castigos.
A minha América à pedra do pesar
aprisionou turvamente os seus filhos
e sem cessar atormentou sua estirpe.

(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)



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Desejo
em 05/01/2009 18:20:00 (12428 leituras)
Casimiro de Abreu

DESEJO

Se eu soubesse que no mundo
Existia um coração,
Que só por mim palpitasse
De amor em terna expansão;
Do peito calara as mágoas,
Bem feliz eu era então!

Se essa mulher fosse linda
Como os anjos lindos são,
Se tivesse quinze anos,
Se fosse rosa em botão,
Se inda brincasse inocente
Descuidosa no gazão;

Se tivesse a tez morena,
Os olhos com expressão,
Negros, negros, que matassem,
Que morressem de paixão,
Impondo sempre tiranos
Um jugo de sedução;

Se as tranças fossem escuras,
Lá castanhas é que não,
E que caíssem formosas
Ao sopro da viração,
Sobre uns ombros torneados,
Em amável confusão;

Se a fronte pura e serena
Brilhasse d'inspiração,
Se o tronco fosse flexível
Como a rama do chorão,
Se tivesse os lábios rubros,
Pé pequeno e linda mão;

Se a voz fosse harmoniosa
Como d'harpa a vibração,
Suave como a da rola
Que geme na solidão,
Apaixonada e sentida
Como do bardo a canção;

E se o peito lhe ondulasse
Em suave ondulação,
Ocultando em brancas vestes
Na mais branda comoção
Tesouros de seios virgens,
Dois pomos de tentação;

E se essa mulher formosa
Que me aparece em visão,
Possuísse uma alma ardente,
Fosse de amor um vulcão;
Por ela tudo daria...
— A vida, o céu, a razão!



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Nel mezzo del camim...
em 14/12/2008 22:50:00 (11648 leituras)
Olavo Bilac

Nel mezzo del camim...

Olavo Bilac


Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.



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Leituras Machadianas
em 13/12/2008 21:30:00 (5130 leituras)
Machado de Assis

Gazeta do Povo, Curitiba, PR
26 de Abril de 1999

por Wilson Martins


Na imensa bibliografia machadiana, são raros e, por isso mesmo, tanto mais valiosos, os estudos críticos dignos de Machado de Assis. Situando-se entre os melhores e mais estimulantes, os de Alfredo Bosi (Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999) abrem, de fato, novas avenidas de compreensão e análise do adjetivo "machadiano", sobre o qual, escreve com evidente ironia, "as interpretações variam", embora todos acreditem saber "mais ou menos" o que significa. Antes menos que mais, acrescento desde logo, a julgar pelo que andamos lendo nestes dias. É um pouco como o bom-senso, a coisa deste mundo mais bem distribuída, dizia Descartes com ironia não menor, porque ninguém jamais se queixou de não tê-lo em quantidade suficiente.

Mas, justamente: incontáveis leitores de Machado de Assis acreditam que basta o bom-senso para julgá-lo, reduzindo-o ao nível intelectual da humanidade comum, treslendo-o com entusiasmo e retórica veemência, acrescentando-lhe glosas fantasistas e sugerindo que, afinal de contas, não foi ele quem escreveu as suas obras, mas sim a talentosa Dona Carolina. Os espíritos geométricos não se conformam com a ambigüidade, que era a sua maneira própria de afirmar, enquanto as almas sensíveis repudiam o darwinismo social que constituía o fundo do seu pensamento e visão do mundo.

Alfredo Bosi observa, com agudeza, existir "algo de darwiniano" na sua concepção da existência humana: "é o universal animalesco que estaria dentro de cada um de nós, daí o embate contínuo pela preservação moldado sobre a luta biológica: quem não pode ser leão, seja raposa" (alusão a uma passagem clássica de maquiavel, "fundador da ciência política moderna;). A famosa filosofia do Humanitismo, na qual os leitores superficiais viram apenas a sátira do positivismo republicano então triunfante, é, na verdade, a transcrição machadiana do darwinismo social: os vencedores ficam com as batatas por serem os mais fortes, os mais qualificados para garantir a perpetuação da espécie.

Não se limitou a essa exposição didática o pensamento machadiano. Nas palavras de Alfredo Bosi, "há no Memorial desses momentos que se abrem para aquelas vertigens de neatividade que nos acometem lendo as Memórias póstumas: Ronda Aires, como rondava Brás Cubas, a tentação impaciente, a tentação violenta de se identificar com a Sociedade e a Natureza tal como as figurava a ideologia terrível do 'darwinismo social'. Para esta, o morto é apenas matéria morta, e seu único destino é o esquecimento." Tudo isso em dois livros escritos sob o signo da memória, mas também sob o signo da Natureza indiferente, personagem emblemática em outros dois textos: o delírio de Brás Cubas e o poema "Uma criatura".

O que tem faltado aos intérpretes fragmentários de sua obra (como os que se obstinam no inexistente "enigma de Capitu") é a leitura orgânica e remissiva da obra inteira, cuja coerência interior chega a ser surpreendente. Até a organicidade textual dos romances costuma passar despercebida. Assim, toma-se por declaração de misantropia a última linha do Brás Cubas (cap. CLX), quando ela apenas reflete o despeito e a nostalgia da paternidade do personagem que se encantara com a notícia da falsa gravidez de Virgìnia, chegando, como todos os pais putativos, a imaginar futuros brilhantes e vitoriosos para a criança que ia nascer. Só se pode realmente compreender essa página de um capítulo intitulado "Das negativas, [sic] se a lermos no contexto de quatro capítulos anteriores: "O mistério; (LXXXVI), "O velho colóquio de Adão e Caim, (XC), "A causa secreta; (XCIV) e "Flores de antanho; (XCV).

Que Machado de Assis pertencia à família espiritual dos grandes moralistas fica documentado nos excertos que Alfredo Bosi teve a idéia tanto mais feliz de transcrever em apêndice quanto não será temerário supor que não são lidos entre nós com a assiduidade necessária. Entre eles o Matias Aires das Reflexões sobre a vaidade dos homens, de onde provém outra "camada" caracteristicamente machadiana, didaticamente representada no "mais célebre dos seus contos-teoria"; ("O espelho"): "Tirada a insígnia, o que fica é o homem simples; despida a toga consular, também fica o mesmo. Se tirarmos do capitão a lança, o casco de ferro, e o peito de aço, não havemos de achar mais do que um homem inútil, e sem defesa, e por isso tímido e covarde."

Ora, a mesma situação de "alma exterior" encontra-se em Dom Casmurro, quando Capitu, "em plena lua-de-mel, mostra-se impaciente e quer descer da Tijuca para a cidade". A causa da impaciência, comenta o narrador, "eram os sinais exteriores do novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também." Episódio corroborado por muitos outros, sem excluir a natureza de diversas figuras femininas, como Sofia e a Guiomar de A mão e a luva, novela em que se encontra o embrião de Dom Casmurro, além da "teoria matrimonial" do autor: temperamentos afirmativos (Luís Alves e Guiomar) fazem os casamentos felizes, o que não ocorre entre um temperamento afirmativo (Capitu) e um passivo (Bentinho). Daí o corolário do adultério: Capitu e Escobar viram-se atraídos um pelo outro, pelo tropismo irresistível das almas gêmeas. O próprio Bentinho se encarregou de esclarecê-lo: ela era mais mulher do que ele mesmo era homem.



Fonte: Jornal de Poesia
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Amor
em 09/12/2008 18:00:00 (15542 leituras)
Pablo Neruda


MULHER, teria sido teu filho por beber
o leite dos teus seios como um manancial,
por te olhar e te sentir ao meu lado e ter
tido em teu riso de ouro uma voz essencial.

Por te sentir em minhas veias um Deus no rio
e te adorar nos tristes ossos de pó e cal,
porque teu ser passou sem pena e sem ter vício
saindo na estrofe pura - limpo desse mal -.

Como eu saberia te amar, mulher, saberia
amar, e amar, ninguém amou assim jamais!
Morrer e no entanto
amar-te mais.
E no entanto
amar-te mais
e mais.



*- Pablo Neruda - do livro: Crepusculário - tradução: José Eduardo Degrazia May.

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IV - Esta tarde a trovoada caiu
em 05/12/2008 22:10:00 (5984 leituras)
Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

IV - Esta Tarde a Trovoada Caiu

Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair,
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos ...
Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém...

Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou...
Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranqüilamente, como o muro do quintal;
Tendo idéias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor...

Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara...
Ah, poder crer em Santa Bárbara!

(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)

(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós ...
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)

E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega.



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A timidez
em 04/12/2008 16:40:00 (10329 leituras)
Pablo Neruda

A timidez é uma condição alheia ao coração, uma categoria, uma dimensão que desemboca na solidão.


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Lua Adversa
em 29/11/2008 22:40:00 (6613 leituras)
Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolias
eu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


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Frases.
em 28/11/2008 22:46:04 (29902 leituras)
Mario Quintana

"O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você." [Mário Quintana]

"A amizade é um amor que nunca morre." [Mário Quintana]

"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente, e não a gente a ele." [Mário Quintana]

"Slogam para o ministério da saúde: o fumante é um retardado que ainda não conseguiu deixar de mamar." [Mário Quintana]

"Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?" [Mário Quintana]

"Nunca me dê o Céu... Quero é sonhar com ele na inquietação feliz do Purgatório." [Mário Quintana]

"Hoje é outro dia." [Mário Quintana]

"Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não." [Mário Quintana]

"As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho." [Mário Quintana]

"Amar é mudar a alma de casa." [Mário Quintana]

"A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer." [Mário Quintana]

"O grande consolo das velhas anedotas são os recém-nascidos." [Mário Quintana]

"Tudo o que acontece é natural - inclusive o sobrenatural." [Mário Quintana]

"O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente." [Mário Quintana]

"O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores." [Mário Quintana]

"Nunca desprezes os teus amigos, porque se um dia eles te esquecerem, só teus inimigos se lembrarão de ti." [Mário Quintana]

"Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem. " [Mário Quintana]

"Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros." [Mário Quintana]

"Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo." [Mário Quintana]

"O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente." [Mário Quintana]

"Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores." [Mário Quintana]

"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso." [Mário Quintana]

"O fantasma é um exibicionista póstumo." [Mário Quintana]

"O despertador é um acidente de tráfego de sono." [Mário Quintana]

"Datilografia: escrita por batuque." [Mário Quintana]

"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro." [Mário Quintana]

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Um dia.
em 28/11/2008 22:00:00 (26921 leituras)
Mario Quintana

Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.Você não só não esquece a outra como pensa muito mais nela...Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...Um dia percebemos que o comum não nos atrai...Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...Um dia perceberemos que a pessoa que não te liga é a que mais pensa em você...Um dia saberemos a importância da frase:"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém mas não damos valor a isso...Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...Enfim...um dia descobrimos que apesar de viver quase 100 anos, esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para dizer tudo o que tem de ser dito...O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação."


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O TEMPO.
em 28/11/2008 21:00:00 (6608 leituras)
Mario Quintana

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.



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Vinte poemas de amor - XX
em 23/11/2008 12:30:00 (12193 leituras)
Pablo Neruda

Vinte Poemas de Amor – XX

(tradução de Fernando Assis Pacheco)

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda


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O Oceano
em 20/11/2008 18:50:00 (14338 leituras)
Lord Byron

O Oceano

Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!
Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;
de ruínas o homem marca a terra, mas se evola
na praia o seu domínio. Na úmida extensão
só tu causas naufrágios; não, da destruição
feita pelo homem sombra alguma se mantém,
exceto se, gota de chuva, ele também
se afunda a borbulhar com seu gemido,
sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

Do passo do há traços em teus caminhos,
nem são presa teus campos. Ergues-te e o sacodes
de ti; desprezas os poderes tão mesquinhos
que usa para assolar a terra, já que podes
de teu seio atirá-lo aos céus; assim o lanças
tremendo uivando em teus borrifos escarninhos
rumo a seus deuses - nos quais firma as esperanças
de achar um porto angra próxima, talvez -
e o devolves á terra: - jaza aí, de vez.

Os armamentos que fulminam as muralhas
das cidades de pedra - e tremem as nações
ante eles, como os reis em suas capitais - ,
os leviatãs de roble, cujas proporções
levam o seu criador de barro a se apontar
como Senhor do Oceano e árbitro das batalhas,
fundem-se todos nessas ondas tão fatais
para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:
Grécia, Roma, Catargo, Assíria, onde é que estão?
Quando outrora eram livres tu as devastavas,
e tiranos copiaram-te, a partir de então;
manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;
reinos secaram-se em desertos, nesse espaço,
mas tu não mudas, salvo no florear da vaga;
em tua fronte azul o tempo não põe traço;
como és agora, viu-te a aurora da criação.

Tu, espelho glorioso, onde no temporal
reflete sua imagem Deus onipotente;
calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,
quer a gelar o polo, quer em cima ardente
a ondear sombrio, - tu és sublime e sem final,
cópia da eternidade, trono do Invisível;
os monstros dos abismos nascem do teu lodo;
insondável, sozinho avanças, és terrível.

Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis
ir levado em teu peito, como tua espuma,
era um prazer; desde meus tempos infantis
divertir-me com as ondas dava-me alegria;
quando, porém, ao refrescar-se o mar, alguma
de tuas vagas de causar pavor se erguia,
sendo eu teu filho esse pavor me seduzia
e era agradável: nessas ondas eu confiava
e, como agora, a tua juba eu alisava.




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A poesia
em 20/11/2008 18:30:00 (6361 leituras)
Pablo Neruda

E foi nessa idade... Chegou a poesia
para buscar-me. Não sei de onde
saiu, do inverno ou do rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não
palavras, nem silêncio,
mas desde uma rua que me chamava,
desde os ramos da note,
de súbito enre os outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.

Não sabia o que dizer, a minha boca
não sabia,
nomear,
meus olhos eram cegos,
algo me golpeava a alma,
febre ou asas perdidas,
fui me fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
brincadeira,
pura sabedoria
de quem não sabe nada,
e vi de súbito
o céu debulhado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
atravessada
por flechas, fogo e flores
a noite agasalhadora, o universo.

E eu, um mínimo ser,
ébrio do vazio enorme
constelado,
à semelhança, à imagem
do mistério,
senti-me parte pura
desse abismo,
girei as estrelas,
meu coração se desatou no vento.



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Círculo vicioso
em 16/03/2009 14:56:08 (20555 leituras)
Machado de Assis

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela
"Mas a lua, fitando o sol com azedume:

"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...


Machado de Assis


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Amor, que o gesto humano na alma escreve
em 14/03/2009 13:55:55 (11043 leituras)
Luís de Camões

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.





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O Ciúme
em 04/03/2009 14:25:22 (14478 leituras)
Bocage

Entre as tartáreas forjas, sempre acesas,
Jaz aos pés do tremendo, estígio nume (1),
O carrancudo, o rábido (2) Ciúme,
Ensanguentadas as corruptas presas.

Traçando o plano de cruéis empresas,
Fervendo em ondas de sulfúreo lume,
Vibra das fauces o letal cardume
De hórridos males, de hórridas tristezas.

Pelas terríveis Fúrias (3) instigado,
Lá sai do Inferno, e para mim se avança
O negro monstro, de áspides (4) toucado.

Olhos em brasa de revés me lança;
Oh dor! Oh raiva! Oh morte!... Ei-lo a meu lado
Ferrando as garras na vipérea (5) trança.

Bocage



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(1) Plutão, deus dos infernos.
(2) Raivoso, furioso
(3) Demónios do mundo infernal.
(4) Serpentes venenosas.
(5) De víbora
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Eros e Psique
em 01/03/2009 22:20:12 (10065 leituras)
Fernando Pessoa

Eros e Psique

...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
(Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Na Ordem Templária De Portugal)

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.




*Nota

Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934. Acerca da epígrafe que encabeça este poema diz o próprio autor a uma interrogação levantada pelo crítico A. Casais Monteiro, em carta a este último:

A citação, epígrafe ao meu poema "Eros e Psique", de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica implesmente - o que é fato - que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho.




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VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera
em 28/02/2009 15:11:13 (8504 leituras)
Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
e eu levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
......................................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.....................................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?




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Conto de Fadas
em 28/02/2009 14:42:37 (16886 leituras)
Florbela Espanca

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Como que sarei a minha própria dor.

Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: "Era uma vez..."


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Carta-Poema
em 16/02/2009 17:57:55 (8617 leituras)
Manuel Bandeira

Excelentíssimo Prefeito
Senhor Hildebrando de Góis,
Permiti que, rendido o preito
A que fazeis jus por quem sois,

Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Na sua limpa solidão,

Peça vistoria e visita
A este pátio para onde dá
O apartamento que ele habita
No Castelo há dois anos já.

É um pátio, mas é via pública,
E estando ainda por calçar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!

Indiferentes ao capricho
Das posturas municipais,
A ele jogam todo o seu lixo
Os moradores sem quintais.

Que imundície! Tripas de peixe,
Cascas de fruta e ovo, papéis...
Não é natural que me queixe?
Meu Prefeito, vinde e vereis!

Quando chove, o chão vira lama:
São atoleiros, lodaçais,
Que disputam a palma à fama
Das velhas maremas letais!

A um distinto amigo europeu
Disse eu: — Não é no Paraguai
Que fica o Grande Chaco, este é o
Grande Chaco! Senão, olhai!

Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois!

Mandai calçar a via pública
Que, sendo um vasto lagamar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!


Poema extraído do livro "Manuel Bandeira - Antologia Poética", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 221.


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Clara
em 14/02/2009 20:38:05 (10790 leituras)
Casimiro de Abreu

Não sabes, Clara, que pena
eu teria se - morena
tu fosses em vez de clara!
Talvez... quem sabe... não digo...
mas refletindo comigo
talvez nem tanto te amara!

A tua cor é mimosa,
brilha mais da face a rosa
tem mais graça a boca breve.
O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!

A morena é predileta,
mas a clara é do poeta:
assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
mas a morena é da terra
enquanto a clara é dos anjos!

Mulher morena é ardente:
prende o amante demente
nos fios do seu cabelo;
- A clara é sempre mais fria,
mas dá-me licença um dia
que eu vou arder no teu gelo!

A cor morena é bonita,
mas nada, nada te imita
nem mesmo sequer de leve.
- O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!



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ARIANA
em 10/02/2009 19:00:00 (7333 leituras)
Augusto dos Anjos

Ariana

Ela é o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.

As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,

Enquanto o amante pálido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana



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Vida e Obra
em 27/01/2009 16:40:00 (8449 leituras)
Carlos Castañeda

Apresento-lhes mais um autor consagrado:

Carlos Castañeda ou Carlos Cesar Aranha Castañeda, nasceu no Brasil numa cidade do Vale do Paraíba em 25 de dezembro de 1935 e morreu em 27 de abril de 1998.

Foi um escritor e antropólogo formado pela Universidade da Califórnia (UCLA); notabilizou-se após a publicação, em 1968, de sua dissertação de mestrado intitulada The Teachings of Don Juan - a Yaqui way of knowledge, lançado no Brasil como A Erva do Diabo.

Em 1973 revê os conceitos apresentados na primeira obra em uma versão de sua tese de Phd intitulada Journey to Ixtlan - Lessons of Don Juan (Viagem a Ixtlan). Sua obra consiste em onze livros autobiográficos no qual relata as supostas experiências decorrentes de sua associação com o “brujo” conhecido por Don Juan Matus, índio da tribo Yaqui do deserto de Sonora, no México. Um 12° livro chamado Magical Passes (Passes Mágicos) foi lançado, mas destoa do conjunto da obra, se aproximando mais de um manual prático de aplicação de exercícios corporais.

A Erva do Diabo se tornou um best-seller entre os jovens do movimento hippie e da contracultura, que rapidamente elegeram Castañeda um guru da nova era e formaram legiões de admiradores que queriam, por conta própria, reviver as experiências descritas no livro.

Uma controvérsia se formou em torno de sua figura tanto por parte de admiradores, que queriam encontrar Don Juan pessoalmente e de alguma forma fazer parte do processo de aprendizado, quanto de céticos, que queriam encontrar motivos para desacreditá-lo academicamente, argumentando que o testemunho fornecido em seus escritos era ficional e apontando a escassez de fontes documentais sobre sua pesquisa de campo junto ao mestre indígena.

Em 1973, no auge de sua fama, a conhecida revista norte-americana TIME publicou uma extensa matéria de capa sobre o autor. Esta só foi conseguida depois de muita insistência junto aos agentes literários do autor que, inclusive, posou para fotos em ângulos parciais, o que sempre evitava a todo custo. A abrangente matéria notabilizou-se por publicar o resultado de uma suposta investigação envolvendo a biografia de Castañeda antes da fama, e tinha entre seus objetivos implícitos e explícitos, o propósito de retratá-lo como um mentiroso. A reportagem alega que Castañeda era peruano, nascido na andina cidade de Cajamarca, cuja origem remonta ao império inca. A reportagem cita amigos da terra natal e mesmo uma irmã de Castañeda falando sobre traços da personalidade de Castañeda, como alguém dono de imaginação fértil e entregue ao vício do jogo. Segundo ela, Castañeda seria filho de um relojoeiro e teria nascido no ano de 1925. Aos 24 anos, em 1951, teria decidido imigrar para os EUA após a traumática morte da mãe.

No livro de entrevistas Conversando com Carlos Castañeda, da jornalista Carmina Fort, Castañeda, décadas depois, lamenta a decisão da TIME de publicar estes dados, que teriam sido inseridos porque ela "precisava de uma história". O autor ironiza o esforço da matéria em situar sua ascendência junto a índios sul-americanos.

Segundo o próprio Castañeda, ele teria nascido no Brasil, em 1935, numa cidade do Vale do Paraíba, e passado a infância no município de Juqueri - atual Mairiporã, acidentalmente, no meio de uma família conhecida. Um parente - pelo lado paterno - era o famoso diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, presidente da ONU e embaixador em Washington por duas vezes. Seu pai, posteriormente um professor de literatura, tinha apenas 17 anos, e sua mãe, 15. Após a morte de sua mãe, quando tinha 6 anos, sua criação ficou a cargo dos avós maternos, pequenos proprietários rurais de uma granja. Episódios da sua infância no interior de São Paulo são descritos primeiramente em Viagem a Ixtlan e com mais detalhes em seu último livro, O Lado Ativo do Infinito. Semi-abandonado pelo pai, o autor guardou mágoa em relação a ele durante toda a vida, retratando-o algumas vezes como um homem fraco e sem propósito. Em um dos seminários que deu no final da vida, afirma que o pai havia se casado de novo e tido uma outra filha, e possuía uma grande biblioteca, tendo se tornado um notável leitor.

O jovem Castañeda foi enviado para um importante colégio de Buenos Aires, o Nicolas Avellaneda, onde permaneceu até os 15 anos estudando e onde provavelmente aprendeu o espanhol que mais tarde viria exercitar no México. Tornando-se um problema para a família pelo seu comportamento revoltoso, Oswaldo Aranha, seu tio famoso e patriarca da família, teria intercedido para que ele arrumasse um lar adotivo em Los Angeles, Califórnia, em 1951. Depois de se formar na Hollywood High School, tentou cursar Belas Artes em Milão, na Itália, mas abandonou o curso por falta de afinidade, voltando então para os EUA e matriculando-se no curso de Psicologia Social da UCLA, escolha que seria alterada posteriormente ao mudar o curso para antropologia.

Como relata em entrevista para Sam Keen, pensando em ir para o curso de antropologia, buscava a publicação de um paper para dar início à carreira acadêmica. Havia lido e escrito um pequeno ensaio sobre o livro de Aldous Huxley, As Portas da Percepção, que havia celebrizado no mundo ocidental os efeitos psicotrópicos da mescalina, alcalóide alucinógeno presente em grandes quantidades no botão do cacto de peiote, que era usado de forma ritual por vários povos indígenas americanos. Pesquisou o tema das plantas medicinais em livros como o de Weston La Barre, O ritual do peiote e partiu para o trabalho de campo. Foi então para o estado de Arizona, onde conheceu o índio “brujo” conhecido como Don Juan.
Este viria a ser seu guia, e é personagem central nos livros autobiográficos que escreveu. O encontro com o índio foi um episódio marcante, que é recontado várias vezes na sua obra. Numa estação rodoviária, indicado por um colega da faculdade, Castañeda aproximou-se e apresentou-se como especialista em peiote, convidando o índio a lhe conceder entrevista. Como não sabia virtualmente nada a respeito do cacto, segundo relata, Don Juan teria captado sua mentira e devolvido-a com um olhar. Este olhar foi bastante significativo, pois Castañeda, normalmente um homem falante e extrovertido, ficou sem ação e tímido ao ser perscrutado. Nas explanações posteriores, diz que Don Juan o havia capturado com o olhar mostrando-lhe o nagual, pois havia visto que Castañeda poderia ser o homem que ele procurava para lhe passar seu conhecimento.

Depois de mais alguns encontros, Don Juan lhe anuncia sua decisão e decide levá-lo a experimentar as plantas medicinais que Castañeda tanto pedia.

Aos poucos o jovem ocidental e acadêmico foi sendo posto ao encontro de experiências cognitivas que desafiavam o poder de explicação de sua razão, sendo forçado finalmente a mudar toda a sua concepção de mundo em prol das novas explicações que o mestre lhe fornecia e que ia compreendendo, gradualmente. Como explica no sexto livro, O Presente da Águia, o sistema de interpretações e crenças que se dispôs a estudar terminou por engalfinhá-lo, ao se revelar tão ou mais complexo que o sistema "ocidental" de interpretações do mundo. Este é um ponto chave da obra, antes inédito na antropologia e uma das fontes das acusações difamadoras que foi recebendo aos poucos. Pela primeira vez um estudioso e intelectual ocidental admitia a inoperância das suas ferramentas teóricas para classificar o objeto de estudo. O jovem ocidental viu-se forçado a admitir sua fraqueza e sua vida desordenada e vazia e um indígena aparecia como um "caçador e um guerreiro", dono de um propósito inabalável e capaz de manipular e influenciar profundamente sua percepção e visão de mundo.

Em junho de 1998, foi divulgada, muito discretamente, a notícia da morte de Carlos Castañeda, ocorrida supostamente dois meses antes, em função de um câncer.

Obra:

•A Erva do Diabo (The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge - 1968)

•Uma Estranha Realidade (A Separate Reality: Further Conversations with Don Juan - 1971)

•Viagem a Ixtlan (Journey to Ixtlan: The Lessons of Don Juan - 1972) - Esse livro foi a tese de PhD de Castañeda na UCLA em 1973 com o título: "Sorcery: A Description of the World"

•Porta Para o Infinito (Tales of Power - 1975)

•O Segundo Círculo do Poder (The Second Ring of Power - 1977)

•O Presente da Águia (The Eagle's Gift - 1981)

•O Fogo Interior (The Fire from Within - 1984)

•O Poder do Silêncio (The Power of Silence: Further Lessons of Don Juan - 1987)

•A Arte do Sonhar (The Art of Dreaming - 1993)

•Readers of Infinity: A Journal of Applied Hermeneutics - 1996 - Diários do trabalho de Castañeda com suas discípulas ainda não traduzido.

•Passes Mágicos (Magical Passes: The Practical Wisdom of the Shamans of Ancient Mexico - 1998)

•O Lado Ativo do Infinito (The Active Side of Infinity - 1999)

•Roda do Tempo (The Wheel Of Time : The Shamans Of Mexico - 2000) - uma antologia de citações comentadas.

Outros Autores

•Conversando com Carlos Castañeda (Carmina Fort)
•Os Ensinamentos de Don Carlos (Víctor Sánchez)
•Sonhos Lúcidos: uma iniciação ao mundo dos feiticeiros (Florinda Donner)


*pesquisa realizada em sites da internet
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As Satrapias
em 26/01/2009 12:50:00 (9382 leituras)
Pablo Neruda

por Pablo Neruda

Nixon, Frei e Pinochet,
até hoje, até este amargo
mês de setembro
do ano de 1973,
com Bordaberry, Garrastazu
e Banzer, hienas vorazes
de nossa história, roedores
das bandeiras conquistadas
com tanto sangue e tanto fogo,
atolados em suas riquezas,
depredadores infernais,
sátrapas mil vezes vendidos
e vendedores, atiçados
pelos lobos de Nova York,
máquinas famintas de dores
manchadas no sacrifício
de seus povos martirizados,
prostituídos mercadores
do pão e do ar americano,
imundos, carrascos, manada
de prostibulários caciques,
sem outra lei que a tortura
e a fome continuada do povo.


*tradução de paulo monteiro
*trata-se do último poema escrito por Neruda


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Vida e Obra
em 25/01/2009 20:20:00 (15625 leituras)
Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe (1809-1849)

Escritor americano. Conhecido em todo o mundo sobretudo por seus contos de mistério e terror.

O gênio visionário de Poe, poeta de amplos recursos e contista conhecido sobretudo por suas histórias de mistério e horror, constituiu uma fonte de inspiração direta para a renovação literária européia no final do século XIX.
Edgar Allan Poe nasceu em 19 de janeiro de 1809 em Boston, Massachusetts. Filho de um casal de atores, ficou órfão aos dois anos e foi adotado por John Allan, rico comerciante de Richmond, Virgínia. Entre 1815 e 1820, recebeu esmerada educação clássica na Escócia e Inglaterra. No período em que freqüentou a Universidade da Virgínia, aderiu ao jogo e álcool. Rompeu relações com seu tutor e no mesmo ano publicou, em Boston, seu primeiro livro de poesia, Tamerlane, and Other Poems (1827; Tamerlão e outros poemas), ao qual se seguiu Al Aaraaf, Tamerlane, and Minor Poems (1829; Al Aaraaf, Tamerlão e poemas menores).
Expulso da Academia Militar de West Point, decidiu dedicar-se por completo à literatura e começou a publicar contos em revistas. No livro Poems (1831), mostra da maturidade de seu gênio e publicado numa época de situação financeira precária, a evocação de um mundo ideal e visionário era realçada pelo ritmo hipnótico dos versos e pela força perturbadora das imagens. Fixou-se então em Baltimore com uma tia e, em 1833, recebeu um prêmio em dinheiro por seu Manuscript Found in a Bottle (Manuscrito encontrado em uma garrafa). Tornou-se editor literário do Southern Literary Messenger, de Richmond, em 1835, e no mesmo ano casou-se com a prima Virginia Clemm, de 13 anos de idade.
Despedido do emprego, ao que parece por seus problemas com a bebida, que o perturbariam pela vida afora, mudou-se para Nova York e passou os anos seguintes envolvido com a febril criação de suas obras, ao mesmo tempo em que trabalhava, em geral brevemente, em vários periódicos de Filadélfia e Nova York. Em 1838 publicou uma novela de tema marinho, The Narrative of Arthur Gordon Pym. Posteriormente, apareceram coletâneas de seus textos de ficção: Tales of the Grotesque and Arabesque (1839; Contos do grotesco e arabesco), The Prose Romances of Edgar A. Poe (1843; Romances em prosa de Edgar A. Poe) e Tales (1845; Contos).
Em geral esses contos, como "The Fall of the House of Usher ("A queda da casa de Usher"), "The Cask of Amontillado" ("O barril de amontillado") ou "The Facts in the Case of M. Valdemar" ("A verdade no caso do sr. Valdemar"), abordavam temas como a morte, o horror sobrenatural e os desvarios da mente humana, expressos numa linguagem a um só tempo precisa e alucinada, que refletia os tormentos do autor. Poe, por outro lado, possuía grande capacidade analítica, e assim contos como "The Murders in the Rue Morgue" ("Os assassinatos da rua Morgue") assentaram as bases do gênero policial e de mistério que se difundiu no século XX.
Poe também deixou textos nos campos da estética, da crítica e teoria literária, como "Philosophy of Composition" (1845; "Filosofia da composição") e o "The Poetic Principle" (1850; "Princípio poético"), nos quais expôs sua concepção da elaboração racional do poema e o sentido estético da poesia. Entretanto, apesar da popularidade alcançada por Poe com The Raven and Other Poems (1845; O corvo e outros poemas), a aura de escândalo que o envolvia impediu que seu prestígio se consolidasse. Esquecido e incompreendido por seus compatriotas, foram os simbolistas franceses e, em particular, por Charles Baudelaire, que lhe reconheceram o gênio. O golpe representado pela morte da esposa, em 1847, aumentou ainda mais sua dependência do álcool. Após vários dias de excessos alcoólicos, Poe morreu em Baltimore, Maryland, em 7 de outubro de 1849.

©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809. Sua família paterna era de origem irlandesa, enraizada em Baltimore, onde conquistara postos entra as melhores famílias da região. Seu avô, David Poe, tinha feito a Guerra da Independência. Fora "Quartel-master-general" de Lafaiete, que lhe atribuiu mandatos importantes, dispensando-lhe estima e admiração. O filho mais velho também se chamou David e se fez herdeiro dos espírito de aventura, que conduzia seu pai às trincheiras, sob o comando do general francês. Apaixonando-se pela atriz inglesa Elizabeth Arnold, mulher de estonteante formosura, David rompera todos os laços de família, casando-se e fazendo-se ator também para percorrer todas as cidades norte-americanas com sua "troupe".

A vida errante não lhe concedeu nunca os indispensáveis recursos de vida. Breve o casal tinha dois filhos: Willian e Edgar. Pouco mais tarde o nascimento de Rosalie comprometerá a saúde materna, já comprometida pelos sacrifícios da existência incerta um pouco vagabunda, feita de imprevistos cruéis e de misérias implacáveis.

Com vinte e quatro anos apenas Elizabeth morre, então, deixando David enfermo. Tuberculoso e sem recursos imediatos, ele deveria acompanhá-la breve, deixando os três filhos em extrema penúria.

Mas os órfãos encontraram obrigo nas famílias de Richmond. Edgar fora adotado pelo rico casal John Allan e Frances Keeling Allan.

Edgar estudou na juventude na Inglaterra, no colégio Stoke-Newington, de Londres. Era um velho edifício sombrio e gótico. Mais tarde, de volta à Richmond, Poe continuaria seus estudos na Universidade de Charlotteville. Desde cedo, Poe se mostrara um rapaz extremamente inteligente e genioso, motivo esse que o levaria a ser expulso da Universidade. Edgar era filho da paixão sem disciplina e do espírito largo da aventura, explica Baudelaire, seu mais fiel entusiasta.

Edgar Allan Poe era um jovem aventureiro, romântico, orgulhoso e idealista. Aperfeiçoou seus estudos na Universidade de Virgínia, mas com não seguia os rígidos padrões da época, foi expulso da Universidade. Poe era um boêmio que se entregava à bebida, ao jogo e às mulheres. Homem de ação forte, também era um homem de devaneio.

Vivia no luxo e cultivava o amor vadio. Seguindo os passos romanescos de Byron, mais tarde Poe foi para a Grécia e alistou-se no exército lutando contra os turcos. Como todos os jovens da época, Poe sonhava com as glórias militares. Mas aventura acabou saindo muito caro. Perdido nos Bálcãs, sofrendo ônus terríveis no percurso, acaba chegando na Rússia sem documentos e sem dinheiro. Acaba sendo repatriado pelo cônsul americano, mas em seu retorno, descobre que sua mãe adotiva a quem devera tudo, havia morrido.

Na volta aos Estados Unidos, alista-se num Batalhão de Artilharia e mais tarde matricula-se na Academia Militar de West Point. Era conhecido pelos colegas como aquele que "Embarcou para Grécia num baleeiro". É lógico que o ritmo de uma escola para Cadetes do Exército não seria compatível ao gênio de Edgar. Ele se concentrava muito mais em seus poemas do que nos estudos.

Com o lançamento de uma Compilação de Poemas (1831), o orgulhoso Edgar Allan Poe abandona West Point e rompe relações com o pai adotivo (que se casara recentemente e deixara Poe muito contrariado).

Com 22 anos, poeta de ofício, sujeito a devaneios, pobre e sem vontade inflexível, consola-se publicando: "Poemas". De regresso a Baltimore, em busca de seu irmão Willian, assiste à morte deste e entra nas relações de uma tia, viúva com duas filhas, também pobre e sem arrimo seguro. Vivendo em miséria profunda, durante 2 anos Edgar consegue um pouco de triunfo ao vencer dois concursos de poesias. Com uma certa fama, o editor Thomaz White entrega para Poe a direção do "Southern Literary Messenger" em 1833. Pouco depois, escreveria seu primeiro conto: "Uma Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaal". Fica na direção da revista por 2 anos, depois de ter escrito outros vários contos, poemas e resenhas. Edgar Allan Poe já tinha uma certa reputação e um bom número de leitores.

Suas críticas tiveram grande repercussão e os jornais, abrindo-lhes as portas e as colunas de honra, decretando-lhe dias melhores. Com 27 anos, em 1836, ele casa-se com a prima de apenas 13 anos. Virgínia Clemn, eis a mulher ideal que o destino lhe destinara para lhe ser a única. A tia aceita o casamento desigual. Era sua esposa e musa. Virgínia gostava de música, canto e poesia; o que deixava Edgar muito entusiasmando. Em 1838 trabalha com Editor da Button's Gentleman Magazine. Na companhia da Sra. Clemn o casal vivera na Filadélfia, Nova York, Fordham, até que, de novo, a penúria lhe bate à porta. A vida de intimidade conjugal será prolongada pela dedicação da tia. Mas, as amarguras de Edgar Allan Poe não tinham limites. Virgínia, indo cantar na casa de amigos, sofrera um acidente causando-lhe uma forte hemorragia interna que a faz cair doente sem nunca mais voltar. Em 1847, morre deixado o marido nas entranhas do luto e da miséria espiritual.

Em 1849. Poe reage e publica o célebre poema "O Corvo" que o coloca novamente no alto da literatura americana. Edgar não abandona a tia. Esta constitui a lembrança viva de Virgínia. A Sra Helen Whitman, de Boston, dar-lhe-á estímulos e apoio. Enfermo, ele encontrara amigos e admiradores amigos e admiradores. Mas foi preciso lutar. O álcool reduzira-o de modo estranho. A caça ao dinheiro completara as impaciências, que o acabrunhavam. Seu "Romance Cosmogônico" "Eureka" acaba por lhe atribuir um renome literário enorme. Sua conduta provoca censuras, acres da imprensa e da sociedade; mas o poeta cumpria as sentenças do destino...

A exemplos de outros, resolve fazer "leituras" de seus poemas e contos para um público de jornalistas e intelectuais antes de publicá-los. Seus trabalhos lhe renderam mais honras e prestígio. O trabalho fica cada vez mais cansativo e Poe se entrega mais e mais à bebida. Poe volta a Richmore por uma temporada, mas acaba deixando-a por Nova York na expectativa de deixar seu passado lúgubre para trás. Chegando a Baltimore, suas conseqüências o abateram. Antes de de seguir para a Filadélfia resolve entrar em Taverna à caça de estimulantes. Aí encontram velhos amigos demorando-se mais do que pretende, vencido, mal percebendo o andar do tempo. Na manhã seguinte, os transeuntes encontram um homem agonizante, em abandono, na sarjeta. Pouco depois descobrem que aquele homem sem documentos e dinheiro era Edgar Allan Poe. Conduzido ao hospital, pouco resistiu, morrendo aos 39 anos apenas, deixando uma obra opulenta, escrita através de sacrifícios espantosos, de desordens implacáveis, de desconcertos incríveis.

EDGAR ALLAN POE

Criador de histórias extraordinárias

por Eliane Robert Moraes

Vamos começar pelo final.

E, já que nosso tema é Edgar Allan Poe, vamos começar pelo mistério. A 27 de setembro de 1849, após jantar com alguns amigos em Richmond, Poe dirigiu-se ao cais da cidade. Por volta das quatro horas da madrugada, embarcou num navio para Baltimore e, ao que tudo indica, chegou a seu destino no dia seguinte. A viagem havia sido programada para ser bem rápida, pois ele estava de casamento marcado com a senhora Shelton, um antigo amor de juventude. Porém, de sua suposta chegada a Baltimore até o fatídico 7 de outubro, nada mais se pode afirmar com segurança.

Dizem alguns que ele teria seguido para a Filadélfia e de lá para Nova York, onde planejava buscar uma velha tia para assistir à cerimônia do casamento. Outros afirmam que ele permaneceu a semana inteira em Baltimore e, embriagado, caiu nas mãos de uma quadrilha de falsários, que lhe teriam oferecido algum licor com drogas que colaborasse numa fraude eleitoral. São meras hipóteses. A única coisa certa é que a 3 de outubro o dr.James E. Snodgrass, velho amigo de Poe em Baltimore, recebeu uma carta assinada por um tal Walker, que dizia: "Há um cavalheiro, um tanto descomposto nas vestimentas, na rua Ward Polls, dizendo atender pelo nome Edgar A.Poe, que parece estar muito atormentada e diz ter conhecimento com o senhor, e eu asseguro que ele precisa de assistência urgente".

Poe foi encontrado pelo amigo em estado de profundo desespero, largado numa taberna sórdida, de onde transportaram imediatamente para um hospital. Estava inconsciente e moribundo. Ali permaneceu, delirando e chamando repetidamente por um misterioso "Reynolds", até morrer, na manhã do domingo seguinte. Era 7 de outubro de 1849, e os Estados Unidos perdiam um de seus maiores escritores.

O que terá acontecido a Poe naqueles últimos dias de vida ? Por onde terá perambulado ? Teria sido vítima da doença que mais temia e que lhe causava tanta aflição nos outros, a loucura? Um ataque súbito? Ou motivado pela ingestão de álcool e drogas? Sabe-se que, meses antes de sua morte, ele havia voltado a beber e andava a vagar pelos becos da Filadélfia. Foi salvo da prisão e tirado das ruas por amigos fiéis, que o ajudaram a voltar para Richmond. Essa errância, contudo, não foi característica apenas desse período, mas marcou toda a sua vida. Pode-se mesmo dizer que Edgar Allan Poe foi um errante desde o seu nascimento em Boston, a 19 de janeiro de 1809.

Mais ainda: essa vida instável ele herdou de seus pais. David e Elizabeth Poe se conheceram no meio teatral, onde disputavam uma chance como atores.

Casaram-se em 1806 e passaram a representar juntos, mas a carreira incerta e de pouco êxito dificultava o sustento dos filhos pequenos, William e Edgar. A situação agravou-se quando David abandonou a mulher doente e grávida da filha Rosalie, que nasceria em 1810. Elizabeth não resistiu à vida miserável que levavam e, abatida por uma doença fatal, morreu no ano seguinte.

Edgar, então com dois anos, foi obrigado por um próspero negociante escocês que, embora casado, não tinha filhos. Nos primeiros anos de convivência com o sr. e a sra. John Allan - sobrenome que viria a adotar - , o menino teve um ambiente feliz e agradável. Viagens, boas escolas e carinho familiar marcaram essa convivência até aproximadamente seus quinze anos. Mas, por volta de 1824, começaram os primeiros conflitos, motivados pela constante irritabilidade do tutor.

Os problemas financeiros de Allan e a saúde precária da mulher foram os pretextos para os ataques contra Edgar, sempre ressaltando a situação de caridade do menino, que nunca fora oficialmente adotado. Clima tenso e difícil para um jovem poeta que sonhava com a carreira literária.

Entre o jornalismo e a literatura

Aos dezessete anos, Edgar matriculou-se na Universidade de Virgínia, onde, em pouco tempo, ficou conhecido por suas qualidades intelectuais e seu desempenho nos esportes. Mas não só por isso: nessa época, ele também descobriu a bebida e os jogos de azar, o que rapidamente resultou numa reputação duvidosa e em dívidas bem maiores do que poderia assumir. As relações com Allan se tornaram então mais tensas, obrigando Poe a deixar a universidade e a ausentar-se de casa constantemente, numa vida instável que se complicaria ainda mais com a morte da mãe de criação, em 1829. Allan morreu seis anos depois, excluindo Edgar de seu testamento.

Nada disso, contudo, parecia impedi-lo de escrever: mal completou vinte anos, publicou seu segundo livro de poemas; três anos mais tarde, ganhou o concurso de contos promovido pelo The Saturday Visitor, um jornal de Baltimore. "Manuscrito encontrado numa garrafa" foi seu primeiro êxito no mundo das letras, rendendo-lhe um cheque de cinqüenta dólares e um emprego no Southern Literary Messenger, periódico literário de Richmond. Ali trabalhou escrevendo todo tipo de texto, de poemas e resenhas de livros, de contos a notícias do mundo literário.

Em 1837, quando decidiu abandonar o emprego, a circulação do jornal aumentara de setecentos para três mil e quinhentos exemplares, fazendo do Messenger o periódico mais influente do Sul.

Esse desempenho notável iria repetir-se nos outros jornais onde trabalharia: tendo assumido a editoria do Graham`s Magazine da Filadélfia em 1840, em pouco mais de um ano as assinaturas saltaram de cinco mil para quarenta mil! Apesar disso, Poe fracassou nas tentativas de montar e editar um jornal próprio. Um sonho que acalentou durante toda a vida, sendo, em parte, responsável por suas inúmeras mudanças de emprego e endereço.

É verdade que a saúde frágil de sua mulher também contribuiu para essa inconstância. Edgar casou-se com a prima Virgínia Clemm em 1835. A menina, então com apenas treze anos, passou a acompanhá-lo pelas andanças à procura de melhores oportunidades, até que os primeiros sinais de tuberculose se manifestaram. Daí para a frente, a saúde de Virgínia piorou na mesma proporção que as dificuldades financeiras do casal, e a freqüência das hemorragias veio a exigir constantes mudanças da cidade para o campo.

Faltavam recursos de todo o tipo para que ela pudesse tratar-se. O rigor do inverno, aliado à miséria da família, levou a sra. Poe à morte em 1847, deixando o marido desconsolado.

Suspense, terror e aventura

Certos fatos da vida de Poe, assim como o seu misterioso fim, parecem estabelecer um estranho nexo com sua obra. A morte, o medo e a dor sempre foram seus temas prediletos. Seus principais personagens são solitários, sensíveis, tristonhos e até beiram a loucura. Os cenários são os mais sombrios: cemitérios, subterrâneos, torres inacessíveis e navios fantasmas. Seus contos parecem concentrar uma força irracional e maligna à qual todo ser humano está condenado, como se o terror estivesse não só nos ambientes sinistros, mas dentro de cada um de nós.

Aficionado por esses temas, aos trinta anos já tinha publicado três livros de poemas, uma coletânea de vinte e cinco contos (entre eles obras-primas do terror como "A queda da Casa de Usher" e "Ligéia") e o romance de aventuras A narrativa de Arthur Gordon Pym. Foi nesse período que ele começou a se dedicar às histórias de raciocínio e dedução, escrevendo o famoso conto "Os crimes da rua Morgue"e outras narrativas policiais.

Estava fundando a moderna "novela de detetive".

Algumas dessas histórias têm como personagem principal o francês Auguste Dupin, um nobre falido e excêntrico cuja única diversão na vida é passar noites e noites elucubrando sobre assassinatos misteriosos. Graças a complicadíssimos raciocínios, ele consegue desvendar "crimes perfeitos", considerados insolúveis pelo comissário de polícia.

Tudo o que era misterioso atraía Edgar Allan Poe. Solucionar mistérios era, para ele, uma obsessão. Quando trabalhava no Graham`s Magazine, costumava desafiar os leitores a lhe enviarem criptogramas ( mensagens cifradas), que, por mais difíceis que fossem, jamais ficavam sem resolução. Nessa época, ele publicou "O escaravelho de ouro", história de mistério que gira em torno de um desses enigmas. O conto rendeu-lhe um prêmio de cem dólares e uma circulação de trezentos mil exemplares.

A partir daí, consolidou-se a fama de Poe como escritos de contos policiais e histórias arrepiantes. Alguns anos mais tarde, ele viria a ser reconhecido também como grande poeta: em 1845, a publicação do poema "O corvo" provocou furor no meio literário americano. Esse sucesso ecoou na Europa, encantando os franceses e merecendo especial atenção de Baudelaire. O poeta francês não poupou elogios ao americano: "Nenhum homem soube narrar com mais magia as exceções da vida humana e da própria natureza".

Contudo, a fama em nada facilitou a vida de Poe. Do ponto de vista financeiro, a literatura era péssimo negócio. Direitos autorais baixíssimos e ainda calculados sobre o preço desprezível dos livros. O escritor viveu sempre em condições muito precárias; com a morte de Virginia, parece que tudo se tornou ainda mais difícil. Sofreu um colapso físico e mental, passando a recorrer mais à bebida e, com certa freqüência, ao ópio. Meses após a publicação de seu décimo e último livro, Eureka, Poe chegou mesmo a tentar suicídio, ingerindo grande quantidade de láudano.
Se o envenenamento não o matou, teve conseqüências tristes, como um ataque de paralisia facial.

Segue-se a esses episódios uma fase extremamente atormentada, complicada por fracassos amorosos e profissionais. Quando enfim parecia ter encontrado um pouco de paz, ao voltar para Richmond e reatar com Sarah Shelton, acontecimentos nebulosos vieram desviá-lo do caminho. O resto da história já sabemos. Aos quarenta anos, morre Edgar Allan Poe, deixando-nos dezenas de histórias fantásticas e um único mistério sem solução.

Sua Obra e Influências

Se deve a POE a criação do gênero policial, com seus contos de raciocínio e dedução. Mas cabe-lhe também o mérito de haver renovado o conto de terror, mistério e morte; introduzindo-lhe o fator científico que o deixa mais verossímil e ao mesmo tempo mais assustador.

Não era um gênero novo e já haviam expoentes na Inglaterra, França e Alemanha antes de Poe. Em 1967, o romancista inglês Horace Walpole iniciava o gênero que se chamou "Romance Negro" ou "Romance Gótico". Clara Reeves seguiria seus passos. Mais tarde Anne Radcliffe enchia seus livros de cenas e personagens aterrorizantes, Lewis imprimia-lhe a marca do satanismo e o francês Maturin levava-o às raias da loucura e da fantasmagoria. Na Alemanha, se com João Paulo Ritcher prende-se ele pelo vago e pelo poético, com Hoffmann atinge os limites do maravilhoso e do fantástico. Na própria América do Norte, cuja literatura era ainda debutante, Charles Brocken Brown levava para as terras do Novo Mundo os horrores ectoplásmaticos dos romances de Anne Radcliffe, contemplando-os com as obsessões e os terrores íntimos de seus personagens.

O "Romance Negro" também influenciou famosos escritores como Walter Scott, Baudelaire, Byron, Mary Shelley (que escreveria o célebre "Frankenstein") e seu esposo. O romantismo iria capitalizar muito do gótico como fez Balzac, Victor Hugo, Jules Janin e outros que usariam os mesmo recursos do fantástico e do desconhecido em suas obras. Mas deve-se, na verdade, a Edgar Allan Poe o maior trabalho de renovação para o gênero transformando-o em obra de arte de alto teor lírico e não apenas leitura para "dar medo".

Incapaz por natureza e por motivos pessoais de escrever longos romances (escreveu apenas um romance: "Aventuras de Artur Godon Pym"), acabou se especializando em contos e em poemas. Mas o que o distingue os seus contos do clássico conto ou do romance de terror é a tônica de autenticidade e de realidade que predomina em suas histórias.

Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual e intruso, Poe se concentrava no terror interior, do íntimo, da alma, do ser. Seus personagens sofriam de um terror avassalador vindo de dentro do peito, de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Edgar que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escondido terror.

Sua atormentada mente começou a ser "construída" com a morte dos pais biológicos ainda muito criança. Adotado e mimado, teve que sofrer também a morte da mãe adotiva e presenciar o desafeto de John Allan, o pai adotivo. As mortes prematuras de seus outros familiares, a doença mental de irmã Rosalie que o deixa em pânico em imaginar o mesmo destino, a extrema penúria que o acompanhou grande parte da sua vida e seus traumas sexuais também ajudaram a destruir a alma de Poe. Consumido pela alcoolize hereditária do pai, o jogo, a boêmia e da trágica morte da sua jovem e amada Virginia Clemn, Poe não agüentaria muito mais tamanha infelicidade e morreria embriagado e drogado com ópio numa obscura sarjeta da Filadélfia.

Tudo ocorria para agitar-lhe a sensibilidade e povoar-lhe a mente com terrores intensos e alucinações. O medo, pois, que existe em seus contos é verdadeiro.

Mas em Poe, sempre houve a dicotomia psíquica. Sua inteligência aguda, racionalista, em que se juntavam a física e a metafísica, intuição poética e raciocínio matemático sempre o ajudaram a direcionar seus terrores e fobias para suas obras, mesmo quando os vivenciavam.

Essa dicotomia marca a personalidade de Poe. Era um homem destroçado pelo destino e sua alma se dividia numa matiz angelical e outra satânica. Poe sabia de seus vícios e defeitos e os retratava em seus personagens com pesar, lamento e dó. Nunca uma personagem perniciosa foi tratada com complacência. No seu conto "Willian Wilson" isso é retratado perfeitamente.

Os mistérios da mente e da morte constituem os principais temas de Poe. Os terrores que ele descreve com intensidade e impressionante realismo são terrores que se geram na própria mente do personagem e a realidade ambiente é vista através desse terror e por ele deformada. Jacques Cabou disse em um dos seus livros que a obra de Poe era o contrário do terror clássico: "Ele não coloca um indivíduo normal em um universo inquietante, Edgar Poe larga um indivíduo inquietante em um universo normal. Na acontece ao personagem, ele é que acontece ao mundo... o herói é medusado em sua própria visão. Uma vez que apanhado em seus próprios mecanismos da fascinação, é arrasto à engrenagens da obsessão".

Numa época em que começava a se desenvolver o magnetismo e o espiritismo na América do Norte, Poe se vale desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmice eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou quase em todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconsciente. Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.

Algumas obras do autor traduzidas para o português:

- Manuscrito encontrado em uma garrafa
- O corvo
- O gato preto
- A carta roubada
- Os assassinatos na rua Morgue e outras histórias
- O retrato oval
- A máscara da morte vermelha
- A carta roubada
- O coração revelador
- A máscara da morte rubra
- O corvo e outros poemas
- A narrativa de Arthur Gordon Pym
- O escaravelho de ouro
- A trilogia Dupin


Texto extraído do livro "Os melhores contos de loucura", Ediouro - 2007, pág. 175, organização de Flávio Moreira da Costa; tradução de Celina Portocarrero.




*pesquisa realizada em sites da internet.
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VI - Pensar em Deus
em 18/01/2009 00:20:00 (6375 leituras)
Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

VI - Pensar em Deus


Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...



* O Guardador de Rebanhos - VI

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O vento na ilha
em 10/01/2009 20:20:00 (9960 leituras)
Pablo Neruda

O Vento na Ilha

O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.

Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama calopando
para me levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopandanto eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite

descansarei, amor meu.

Pablo Neruda

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Os barcos
em 10/01/2009 19:40:00 (6771 leituras)
Pablo Neruda

Como no mercado se botam no saco carvão e cebolas,
álcool, parafina, batatas, cenouras, costelas, azeite, laranjas,
o barco é a vaga desordem onde caíram
melífluas robustas, famintos jogadores, padres, mercadores:
às vezes decidem olhar o oceano que se deteve
como um queijo azul que ameaça com olhos espessos
e o terror do imóvel penetra na face dos passageiros:
cada homem deseja gastar os sapatos, os pés e os ossos,
mover-se em seu terrível infinito até que já não exista.
Termina o perigo, a nave circula na água do círculo,
e longe aparecem as torres de prata de Montevidéu.

(In "Memorial de Isla Negra. Brasil: L&Pm, 2007)



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Aqui estou
em 10/01/2009 19:20:00 (11532 leituras)
Pablo Neruda

Limpo é o dia lavado pela areia
branca, e gelada no mar roda a espuma,
e nesta desmedida solidão
sustenta-se a luz do meu livre-arbítrio.

Mas este mundo não é o que eu quero.

(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)





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Homenagem a cesário verde
em 10/01/2009 19:00:00 (4108 leituras)
Mário Cesariny

Aos pés do burro que olhava o mar
depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas

Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

in "Pena Capital" de Mário Cesariny


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Receita de Ano Novo!
em 05/01/2009 17:20:00 (13830 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar
belíssimo Ano Novo cor do arco-íris,
ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior) novo,
espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come,
se passeia,
se ama,
se compreende,
se trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir
nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro,
tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você
que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.



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Soneto de Natal
em 14/12/2008 15:00:00 (5605 leituras)
Machado de Assis

Soneto de natal

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto . . . A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"


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O mapa.
em 10/12/2008 19:40:00 (7830 leituras)
Mario Quintana

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...


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V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada
em 06/12/2008 22:50:00 (5992 leituras)
Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada



O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.




* O Guardador de Rebanhos - V poema
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Um Amor
em 04/12/2008 17:00:00 (17899 leituras)
Pablo Neruda


UM AMOR

Por ti junto aos jardins recém-enflorados me doem os perfumes de primavera.
Esqueci teu rosto, não recordo de tuas mãos, de como beijavam teus lábios?
Por ti amo as brancas estátuas adormecidas nos parques, as brancas estátuas que não têm voz nem olhar.
Esqueci tua voz, tua voz alegre, esqueci de teus olhos.
Como uma flor a seu perfume, estou atado à tua lembrança imprecisa. Estou perto da dor como uma ferida, se me tocas me maltratarás irremediavelmente.
Tuas carícias me envolvem como as trepadeiras aos muros sombrios.
Esqueci teu amor e não obstante te adivinho atrás de todas as janelas.
Por ti me doem os pesados perfumes do estio: por ti volto a espreitar os signos que precipitam os desejos, as estrelas em fuga, os objetos que caem.

(Pablo Neruda - do livro: Para nascer nasci - tradução: Rolando Roque da Silva)


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É Urgente
em 29/11/2008 22:40:00 (7742 leituras)
Eugénio de Andrade

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.



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III - Ao Entardecer
em 28/11/2008 22:50:00 (16039 leituras)
Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

III - Ao Entardecer

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...





Observação:


O Guardador de Rebanhos é um poema constituído por 49 textos escritos pelo heterônimo Fernando Pessoa, Alberto Caeiro em 1914 e Fernando Pessoa atribuiu sua gêneses a uma única noite de insônia de Caeiro. Foram publicados em 1925 nas 4ª e 5ª edições da revista Athena, com exceção do 8º poema do conjunto que só viria a ser publicado em 1931, na revista Presença.

A obra contêm poemas "em que a personagem surge sob iluminações imprevistas, revelando aspectos que contradizem o seu ideal de Si-Mesmo e lhe conferem verossimilhança ficcional". Os poemas mostram a forma simples e natural de sentir e dizer de seu autor, voltado para a natureza e as coisas puras.

O Guardador de Rebanhos nos transmite ou propõe uma forte cosmovisão ao querer reintroduzir aparentemente um mundo pagão no século vinte de um ocidente cristianizado, mas também é certo que não possui uma ordem ou hierarquia de valores como é apanágio do poema épico. Pelo contrário, a sua forma modular permite que o poema se alongue com repetições de motivos que passam de texto para texto não resolvidos ou por resolver, numa recombinação sucessiva onde emerge uma insuspeita temporalidade. Assim, a natureza aleatória das séries (outra designação para o poema serial) sugere que estas são anárquicas, não porque acabem num tumulto de sentidos incompreensíveis, mas porque se recusam a impor uma ordem externa nos assuntos que tratam ou desenvolvem.

Por outro lado, se o poema de Caeiro oferece um texto final de adeus, este final é completamente arbitrário, não decorre de nenhuma progressão temática ou narrativa que o exija ou a venha coroar, nem, por outro lado, de uma finalidade ou intencionalidade, como acontece necessariamente com o poema épico. Além disso, a concatenação dos textos que se seguem uns aos outros não é subordinada, antes denuncia o seu acaso de inspiração.

O Guardador de Rebanhos guarda pensamentos, que são sensações. O símbolo do rebanho é a representação do limite da existência humana, onde reside a liberdade. O que possui rastros do religioso torna-se demoníaco. O símbolo rompe a angústia da separação e busca na dimensão do divino, o divino que se rompera.

Na obra há um aperfeiçoamento gradual neste sentido: os poemas finais – e sobretudo os quatro ou cinco que precedem os dois últimos – são de uma perfeita unidade ideo-emotiva.

Alberto Caeiro é o poeta voltado para a simplicidade e as coisas puras. Vive em contato com a natureza, extraindo dela os valores ingênuos com os quais alimenta a alma. Embora contrária às filosofias tradicionais, essa faceta de Fernando Pessoa segue ainda os princípios acadêmicos em seus versos. É o lírico que restaura o mundo em ruínas, quando se relaciona com os seres sensitivos, ou o bucólico que foge para o campo, onde encontra maneira poética de sentir e de viver. Em Caeiro há uma "ciência espontânea", um "misticismo materialista" e uma "simplicidade complexa" - "atributos paradoxais que servem para intensificar e tornar crível a sua extraordinária singularidade"

Fonte: www.passeiweb.com




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II - O Meu Olhar
em 28/11/2008 22:10:00 (9915 leituras)
Fernando Pessoa

(Alberto Caeiro)

II - O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...



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Soneto antigo
em 28/11/2008 21:50:00 (11395 leituras)
Cecília Meireles

Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.


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É proibido
em 23/11/2008 20:10:00 (36990 leituras)
Pablo Neruda

É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender os que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Pablo Neruda

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Chovem duas chuvas
em 23/11/2008 12:20:00 (7362 leituras)
Cecília Meireles

"Chovem duas chuvas"

Chovem duas chuvas:
de água e de jasmins
por estes jardins
de flores e de nuvens.

Sobem dois perfumes
por estes jardins:
de terra e jasmins,
de flores e chuvas.

E os jasmins são chuvas
e as chuvas, jasmins,
por estes jardins
de perfume e nuvens.



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A condição humana
em 20/11/2008 18:40:00 (10022 leituras)
Pablo Neruda

Por trás de mim até o Sul, o mar havia
rasgado os territórios com glacial martelo,
e desde a solidão arranhada o silêncio
converteu-se subitamente em arquipélago,
e verdes ilhas foram envolvendo a cintura
da minha pátria,
pólem ou pétalas de uma rosa marinha
e, ainda mais, eram profundos os bosques iluminados
por pirilampos, o lodo fosforescente,
deixavam cair as árvores grandes cordas secas
como num circo, e a luz andava gota a gota
como uma bailarina verde de espessura.

Eu cresci estimulado por raças caladas,
por penetrantes achas de fulgor madeira,
por fragrâncias secretas de terra, ubres, vinho:
a minha alma foi uma adega perdida entre os trens
onde foram esquecidos dormentes e barris,
arame, aveia, trigo, cochayuyo* e tábuas,
e o inverno com suas negras mercadorias.

Assim meu corpo foi se estendendo, de noite
meus braços eram neve,
meus pés o território furacão,
e cresci como rio num aguaceiro,
e fui fértil como tudo
o que caía em mim, germinações,
cantos de folha e folha, escaravelhos
que procriavam, novas
raízes que ascenderam
ao sereno,

tormentas que ainda sacodem
as torres do loureiro, o ramo rubro
da avelã, a paciência
sagrada do lariço,
assim a adolescência
foi território, tive
ilhas, silêncio, monte, crescimento,
luz vulcânica, barro dos caminhos,
fumaça bravia de paus queimados.

*Planta marinha comestível com mais de três metros de comprimento.



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Cansa sentir quando se pensa
em 14/11/2008 16:10:00 (9240 leituras)
Fernando Pessoa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.
Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim!)



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