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114

 
-manuel fernando gonçalves-


. façam de conta que eu não estive cá .





"Morrer, sim, se morte houver,
mas nunca mais!"
Manuel Fernando Gonçalves



trouxeram-me da morte a primavera, manuel, e eu não sei que fazer, nem flores tenho que cheguem para a vestir bela. vê, emprestei as tuas palavras a outro coração, coração que pensa, desses corações onde podes parir um mundo novo, placenta onde o abrigar. vê, dizem alguns que sabem, que entendem, que é deles a água, a seiva, a lenha, a silva, a flora, a fauna. se soubessem de ti não o diziam, que outra geografia descobriste nos tentáculos da pele, labirinto. queria, manuel, que te lessem antes de dormir, como eu quando a tristeza me aflige e os pensamentos se invocam no semi-círculo da derrota. que entendessem com que matéria se faz o semi-círculo. que entendessem que os semi-círculos são como nuvens, que vão e vêm. sonhar é crescer mais depressa, esticar os braços, até doer as axilas, os músculos, os ossos, pegar na lua e enfiá-la na copa de um pinheiro tosco, vê-la minguar, crescer, saber que dela se fazem as madrugadas fora do coração, tê-la. vê, manuel, emprestei as tuas palavras a um coração, diz-lhe delas o afago, o afecto, o gesto,o amor, conta-lhe como se constróem casas de sonhos semi-destruídos.












 
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Margarete
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Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 22/03/2010 22:33  Atualizado: 22/03/2010 22:33
Membro de honra
Usuário desde: 24/07/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: 114
gosto de te ler em voz alta, só para mim e faço-o num murmurio egoista, para mais ninguém ouvir, só eu e a placidez errática para onde me transportas.

Beijo nesse Mar


Enviado por Tópico
Moreno
Publicado: 23/03/2010 00:23  Atualizado: 23/03/2010 00:23
Colaborador
Usuário desde: 09/01/2009
Localidade:
Mensagens: 3482
 Re: 114 à mar
Citando:
sonhar é crescer mais depressa, esticar os braços, até doer as axilas, os músculos, os ossos, pegar na lua e enfiá-la na copa de um pinheiro tosco, vê-la minguar, crescer, saber que dela se fazem as madrugadas fora do coração, tê-la.


fica dentro da pele esta expressão

um beijo

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 23/03/2010 08:13  Atualizado: 23/03/2010 08:14
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: 114
“Volver as nove musas em noventa viúvas/ é aliás tão fácil tão fácil que arrepia/ Basta acender um zero depois de cada uma/ e mergulhar os braços num poço de neblina”

david mourão-ferreira

tal como tu,mar...sempre o amor-morte em acção...pelos labirintos da alma.
às vezes penso que te entendo bem ,de certa forma, porque és o meu oposto.eu estou para a vida como tu para a morte.eu "luto" com uma, tu "lutas" com outra.rs.
mas ambas as sabemos amar,aceitar,à nossa maneira.

beijos
alex

Enviado por Tópico
Maria Verde
Publicado: 23/03/2010 18:18  Atualizado: 23/03/2010 18:18
Colaborador
Usuário desde: 20/01/2008
Localidade: SP
Mensagens: 3489
 Re: 114
amei todo, mas destaco esse fragmento Margarete,
"...que entendessem que os semi-círculos são como nuvens, que vão e vêm. sonhar é crescer mais depressa, esticar os braços, até doer as axilas..."
bj

Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 24/03/2010 23:34  Atualizado: 24/03/2010 23:34
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 primavera surda de manuel fernando gonçalves
Cinquenta estrelas brilhantes explodiram
quinhentas contra a minha cabeça, cinco
mil ideias desfeitas de encontro ao frio
que o meu corpo transporta, inimigo evidente
dos dias internacionais, da paródia beata
da poesia. Hoje é o dia mais internacional
de todos: é o dia da falta de água, dia de guerra
total com pevs à mistura, bandeiras e missa
cantada. Nem um milímetro de emoção
turvou a minha vontade de viver à beira
do naufrágio imaginado, nas margens
de uma viagem só de fantasia: abominável
sobra de abandono, como mais ou menos
dizia o manoel de barros, era o que faltava
pôr-me a crocitar na estepe sem fim.
Bem ouço as estrelas a rebentar, lá em cima,
à distância de um gesto que ouso
para te tocar, para te abrir o corpo voraz,
para trocar a ordem dos teus elementos.
Ouço e sinto a lógica desmedida das mãos,
a sensibilidade repetida do caos, o fogo
intenso da distância. Insisto: na minha mota
levarei uma bandeira insensata, vou
acelerar até ao desejo infinito e, depois,
quando os olhos se inundarem de cinco
mil estrelas pálidas, bruxuleantes, indecisas,
hei-de acordar do pesadelo com o estrondo
do motor a ser igual a uma ideia desfeita,
reduzida ao monte de latas em que te cortas,
concepção desigual do mundo, áspide
capaz de paralisar o mal de escrever.
Não te vou confundir com o amor,
não te direi palavras amáveis, promessas,
sequer vou colher flores de ouro, pedras
singulares do caminho por onde desatino.
Quero, apenas, vestir a minha armadura
de couro, usar luvas de cetim, mascarilha
bordada e um grande, grande emblema
de nada. Conto as gotas de água. Meço
as palavras da poesia. Dou-te o meu corpo:
assim me confundas no firmamento,
pedaços.

manuel fernando gonçalves