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o grande caderno azul XI

 


XI

Manha na oficina do terceiro dia do ano - Esperando Nha Pu com a chapa para fazer a tampa da cisterna. Um belo sol de inverno. Pela manhã cedo quando vinha para cá,uma ponta de inveja me abateu ao ver os casais felizes abraçados depois de uma boa noite de amor caminhando pra as paradas. Eu infeliz em tudo andando só, sem ninguém e nem esperança. Oswaldo, o sapateiro vem da casa da amante e assim caminha a vida dos outros. E eu sempre nessa, com um caderno na mão ou um livro para amenizar a minha triste solidão. Não há felicidade sem amor. Coço a cabeça, penso nos sortudos que ganharam no super-premio da Mega-Sena no final do ano. Seis números mágicos que mudaram a vida de 23 pessoas - sendo três individuais que ficarão cada um com cinquenta e pouco milhões ( dois do Paraná e um de Alagoas) e um grupo de vinte funcionários municipais lotados num hospital no interior da Bahia.Cada um vai levar dois milhões. Que beleza! Desta vez Deus foi justo. Um pai fardado com a roupa de uma empreiteira, arrastando o filhinho pelo braço. A minha vizinha gostosa da frente chegando da academia num shortinho colado deixando amostra os seus belos predicados. Assobio uma velha canção que ouvia na Boate Maracanã que ficava bem em frente lá em casa na Rua Afonso Pena no Desterro quando criança. A bela da manhã distribuindo charme ao passar ou melhor desfilar pela calçada da avenida de shortinho de malha indo pra academia. O que me falta é dinheiro e saúde.
09:3) - (Acredito que seja). O sol desapareceu, escondeu-se por trás das espessas nuvens plúmbeas que encobrem o céu. Virei as bordas da tampa de cisterna de Na Pu ou Seu Apolonio. A irmãzinha maluquinha apareceu e conversou muito contando as suas agruras.O corpo, a velha dor ciática. Sem um tostão para um remédio, vou ver se Seu Apolo me arranja dois reais para tomar uma 'pura', no final do expediente. O dedo de vez enquanto lateja, o outro duro - é u sofrimento só. A garganta também dar a sua parcela de culpa. O vendedor de redes com elas nos ombros oferecendo de porta em porta. Vou ler Zola "Naná' em francês
Quase onze - A filha de Seu Azul passa discretamente, vem dizer-me que dará o dinheiro no dia 15. Ok! - Minha esperança é Nha Pu, vou ferra-lo, mas como já o conheço, vai dizer que não tem. Lembrando-me de Dickens e os arredores londrinos,as atrapalhadas de Sr. Pickwick e seus atrapalhados parceiros, o engraçado Sr. Weller e o seu pai cocheiro.. Acho que lerei eles - Perdi a chance de adquirir 'Dave Copperfield' - e o drama de Raskolnikov, o matador da velhinha usurária e da irmã feia dela LIsavieta. Não me canso de relê-lo. E a triste historia da pequena judia holandesa Anne trancada com sete pessoas de índoles diferente, sem poder sair para lugar nenhum. - Livros divinos livros, os salvadores da minha conturbada e triste alma, a parceira para os meus desencantos existenciais - Ai de mim sem vocês, como seria o meu triste mundo?


 
Autor
r.n.rodrigues
 
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