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Vivendo & Escrevendo

 
ESCANCARO AS FOLHAS DA JANELA para o sol entrar. Arrumo a minha cama, dobro o lenço e o penduro no varal ao lado de outras roupas. Na cozinha minha cunhada corta uma galinha sobre a pia, Larisinha lava as louças. Seu Pietro no banheiro. Ontem dei um passeio por trás do mercado, na Praça do Bacurizeiro onde Ademir preparava o jantar numa lata grande enegrecida pela fumaça da improvisada fogueira no chão próximo ao muro. A companheira Sena sentada calada numa das raízes da Barricudeira, um rapaz sentado num engradado fumava desesperadamente um cachimbo de crack. Contornando pela rua l8 bem no canto com avenida, encontrei meio-escondido o solitário Jack, um rapaz moreno com feições de índio peruano, cabelos lisos, mediano e que gosta também de Dostoievski, que sempre lhe empresto. Conversamos quase por uma hora assuntos variados de Hitler, Balzac, Hemingway (gostou de "Por que Os Sinos Dobram", mas não de "O Velho e o Mar" - Contou-me que está lendo Gilberto Freire, o sociólogo pernambucano, autor do antológico "Casa Grande e Senzala" - Seu Pietro vai a luta e tropeça na soleira da porta, fazendo um barulho esquisito. - O que foi isso? - espantou-se a minha espantada cunhada - Vocês são muito abusados saem do meu pé - Grita para os gatos que rodeia os seus pés.

A casa fica estranha e silenciosa sem a presença da minha irrequieta cunhada sempre marcando, falando, gritando, brigando seja com quer que fosse. Jack apareceu, trouxe os livros que lhe emprestei há alguns anos atrás e não conseguiu ler “Ilusões Perdidas” e outros ambos do grande Balzac”. Convide-o para entrar. Bruce o cão rosnou, levei-o a sala do computador, onde cair na asneira de pedir-lhe para ler um trecho de "Enquanto Escrevo" no site da editora. Ansioso para saber a sua opinião, a todo o momento o perturbava com a mesma pergunta enjoada “Tá gostando”? “Tá bom”? o que acabou irritando-o a paciência dele que parou imediatamente de ler. O entendi. Mostrei-lhe o meu humilde quarto, o meu canto, os meus livros - emprestei-lhe "As Aventuras de Nick Adams" de Hemingway e "O Grande Gatsby" do mestre Fitzgerald. Cozinhei uns ovos com caldo e verdura, qua almocei e guardei o resto para jantar e comecei a reler "Ilusões Perdida", estava com saudade de Pai Sechard, o forreta, ébrio de vinho, David, o filho e o belo poeta Luciano de Rubempré e a bela Senhora de Bargeton - de Angouleme - leio dois monstro sagrados da sagrada literatura o francês Balzac e o russo Dostoiévski. Assisti uma comédia de l956 - "Nunca fui santa" com a exuberante Marilyn Monroe.



MANHÃ ENSOLARADA na casa estranha sem a minha cunhada sentado no sofá grande o único na sala, além das três cadeiras de plástico; duas brancas e uma vermelha encostado ao lado da porta e a de macarrão de balanço. Uma estante de aglomerado com a televisão no meio e nas laterais com as portinholas de vidro escurecido onde repousa alguns livros. De um lado os grandes clássicos e outros livros em francês.


PROMETI A MIM MESMO não escrever as mesmas coisas que passei anos repetindo nesses cadernos sem fim. O Guarda impassível em pé no canto dos corredores e as funcionarias em jalecos brancos transitando de um lado para outro. Não consigo escrever como gostaria, as imagens misturam-se e a linguagem desaparece. Ontem estava tão desanimado que não digitei nada, apenas corrigir e ouvi Réquiem de Mozart - chateado sem forças para enfrentar uma depressão - ainda bem que tenho Balzac para me confortar, assim como Kerouac. O momento que vivo não é dos melhores, mas vou empurrando. Sonhando e jogando na Quina de um dia quem sabe não sai dessa lisura sem fim. Também não é dos piores, dá para viver, mesmo sem dinheiro, estou acostumado com essa vidinha, nunca tive dinheiro - ganhei apenas o necessário para as despesas básicas e comprar uns livros usados no sebo Poeme-se a preços módicos. Nunca serei um best-seller, meus livros nem meus conhecidos querem comprar, ou melhor, ao menos vê-lo no site, sou obrigado a mendigar esse favor - mas jurei não o fazer mais. Peguei a minha ração literária. Os três exemplares. Uma condensação da obra que iniciou o movimento realismo "Germinal" de Emilio Zola; "Sidarta" do mestre alemão Hesse, o mesmo autor de "O Lobo das Estepes" e uma biografia de um inglês Richard Burton (que confundi com o ator britânico) escrito por Ilia Trofanov - guardei Balzac e o drama de Lucien e viajo nessas novas vertentes.

Uma lua bonita clareia os meus enegrecidos sonhos. Encerrei a leitura de "Germinal". Todos dormindo. Um ônibus vazio passa na avenida deserta. Os latidos dos cães e a minha solidão arejada por um vento sutil. Minha adorável cunhada chegou, ainda não obteve o êxito desejado na sua missão, mas aos poucos vai desenrolando.

 
Autor
r.n.rodrigues
 
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