Textos : 

O grande Caderno azul - XIX

 


XVIX

Manhã nublada de quarta-feira, no décimo sexto dia do ano - com céu fechado por nuvens plúmbeas que ameaça chover a qualquer momento. Converso um pouco com Seu Cardoso que vem do mercado,onde comprou uma carne para almoçar.
- São nove e quarenta - Respondeu-me olhando para o seu relógio de pulso - Vou botar uma carne para ferver, vê se até meio-dia tem alguma coisa para morder.
Preparo os ferrolhos e os gonzos, deixando para amanhã enrolar os olhás.. Je vais relire le maitre Balzac. Um sonoro peido barulhento rompe candidamente o silencio que outrora reinava na concentração e na leitura, antes porém a visita inesperada de Seu Riba, o irônico vendedor de camarão no mercado local, o mesmo que me apelidara de Moço Velho, que abrigava-se com receio de molhar-se no chuvisco que ameaçara cair. Educadamente oferece-lhe o banco que estava por trás do velho torno feito pelo mestre Bamba para executar um serviço na época áurea de sua oficina na Rua Afonso Pena - tirei os pedaços de ferros que estavam sobre o tampo e o trouxe para mais perto dele. Seu Riba sentou-se e começamos a conversar.Porém o meu pensamento estava na leitura do conto "Os Segredos da Princesa de Cardignan - e no estilo balzaquiano que difere muito do Dickens e mais ainda do meu amado mestre Dostoiévski,. Após quase meia-hora de conversa fútil o convidado retirou-se.
- Ei,irmãozinho - saudou-me a Irmãzinha negra baixinha de ancas largas, com o rosto simpático que toda vez que passa me cumprimenta efusivamente. O sol reapareceu. Volto a Balzac.
Seu Drácula, o pedreiro fichou-se na firma do empreiteiro Nazário. Pela manhã, não o reconheci quando o vi na Rua 21, vindo da casa de Papai Smurf, o bainho do sofá onde for apertar 'unzinho' para encarar a labuta no prédio da Caixa Econômica da Praça João Lisboa. estava fardado com uma camisa de pano grosso de manga comprida, típica das construtoras - uma calça jeans e de botas - foi preciso ouvi-lo para reconhece-lo. Ainda pouco esteve aqui e contou-me a boa nova.
Tarde
12:30 - Cheguei ainda pouco,banhei-me e coloquei o álcool 70 e a minha cismada cunhada com sempre pensou logo que fosse cheiro de cachaça ou de éter. (Ela já cismou que eu cheirava éter) Começou a chuviscar.
16:20 - Não me segurei e dormir até pouco. Chove. Um pouco de musica clássica para amenizar.
Noite
18:35 - Conclui com alegria a leitura do nono volume da Comédia Humana, tendo por final o conto interessante "Pedro Grassou" - Viva Balzac e o seu maravilhoso. mundo de Eugenia Grandet, de Luciano de Rubempré, da bela Duquesa de Marfrigneuse , a Princesa de Cardignan, a linda judia Ester, o velho avaro Pai Grandet, o esperto todo Jack Collins ou Vautrin ou Padre Herrera, o vilão mais inteligente que já conheci, o velho banqueiro safado Nuncigen - a bela Colaria e outros personagens que se interligam entre si em outros romances. Confesso que não conhecia muito bem a genialidade desse homem, um incansável operário da arte literária, perfeccionista, corrigia e recorrigia varias vezes seus textos. escrevia somente a noite.
Os gritos da minha cunhad ecoa por toda a vizinhança, enquanto os cães abusados latem pare recepcionar Sara e seus convidados. Esse é o pior horário.É Antenor falando em voz alto, é um amigo dele no computador - tudo me enerva.
- Liga pra ela - Disse minha cunhada pára a filha avisar tia Flor.
- Eh! Juan tu viu se a coisa baixou? Insisti e repete Antenor em saber, mas o tímido e educado Juanito lhe responde baixo, quase inaudível.É um entra e sai, minha cunhada serve-se da sobremesa, cortando em fatias uma manga sentada vendo a novela das seis e meia "Joia rara". Antenor postou-se em pé na soleira da porta e entra. - Ei, Sara quem esta na praça? -pergunta meio desconfiado - Francilene não deixou um material aqui a tarde?
Sarinha generosa convida as colegas para jantar.
- Oh! Porra - esbraveja zangada minha cunhada.
20:10 - retorno a leitura do "Diário de Anne Frank" que passei quase uma semana sem pega-lo. Mas os problemas continuam e me sinto altamente deprimido quando reflito nos perigos que corremos.Os dedos sempre inflamados,o que me mantém vivo é a leitura e a escrita. Vou banhar-me e ver o que faço para o jantar, talvez um sanduba de frango.
20:20 - Banhei-me com a agua um pouco fria, visto o meu calçãozinho azul sem elástico e a camiseta de dormir. Lia André Bitov "A Casa de Puchkin" - fazia quase uns dois meses que não o lia -pela data vejo que o comprei no dia do meu acidente, 31 de outubro do ano passado. Li até a metade, achei um pouco enjoado e o troquei por outro. Ainda pouco ouvia as pérolas do grande compositor Cole Porter.
23:30 - Todos deitados.O ronco de professor, o barulho suave do ventilador e um carro passando na avenida. Vou ditar-me.Obrigado Senhor por mais um dia.

 
Autor
r.n.rodrigues
 
Texto
Data
Leituras
506
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Branca
Publicado: 07/03/2016 11:51  Atualizado: 07/03/2016 11:51
Colaborador
Usuário desde: 05/05/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3024
 Re: O grande Caderno azul - XIX
Gosto de narrativas onde se descreve o ambiente e os personagens, me transporto para o texto, e as imagens aparecem.
Escreves bem, e claro, com tantos livros e autores que citou só pode mesmo!
Parabéns.
Meu abraço caro escritor.

Branca.