Poemas : 

A Razão de Manoel de Barros

 
Nunca pensei que alguém pudesse
Esticar as linhas do horizonte
Ou que se subisse em árvores daria
Para pegar o vento ou um cometa pelo rabo.

Também não sabia que formigas
Tinham braços que beijavam a Lua
Ou que um rio era uma serpente de cristal que circundava meu rancho. Sempre achei que era um riacho que sussurrava palavras para as pedras que sorriam para os peixes quando a água chorava.

Sempre achei que o fim do mundo
Era logo depois da lagoa que ficava no final da rua da minha casa e que "nunca mais" era apenas um eufemismo criado pelos astecas
Quando da aproximação com os descobridores espanhóis.

Sempre achei que o grito de um louco
Sempre era mais escuro do que o olhar sonoro de um surdo
E que o cheiro das pedras não se confundia com os vários tons do vermelho. Ou que a chuva de ontem pudesse molhar o futuro e o muro que servia de ponte entre mim e alguém e que servia, também, de morada para beija-flores abusarem das rosas virgens que brotavam na pele do silêncio.
Eu e meus enganos.

O poeta disse que abriu as pernas do amanhecer para que o Sol pudesse fecundar a aurora para parir o dia
E que poesia é pura invenção, não precisa ter sentido. Precisa ser sentida e não precisa ser entendida ou ter vínculo nenhum com a razão. Acho que o João-de-Barro e o Manoel tinham razão.




Gyl Ferrys

 
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Gyl
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2018 10:16  Atualizado: 28/05/2018 10:16
 Re: A Razão de Manoel de Barros
A poesia não
.....

Precisa ser sentida e não precisa ser entendida ou ter vínculo nenhum com a razão.
Também não sabia que formigas
Tinham braços que beijavam a Lua


um abraço Gyl


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 29/05/2018 07:48  Atualizado: 29/05/2018 07:55
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: A Razão de Manoel de Barros
"...Eu e meus enganos..."
Li a primeira estrofe e estive para parar, enganado pelas formas em que costumas ser tão fértil.
Puro logro.
Sei que vais voltar a essa tua zona de conforto. Afinal o desconforto não é humano. O capitalismo e o coisismo é, no fundo, uma desconfortável forma de procurar e obter conforto. Roupa mais cara e confortável, casa maior e mais equipada para mais conforto, carro com mais luxos para... exacto.
Neste teu desconforto, mostras a tua óbvia qualidade, atingindo níveis de profundidade assinaláveis, com rimas mascaradas a meio dos versos, um pouco ligado a um "eu" que se universaliza.
Esse teu "eu", na minha leitura, foi meu. Isso é difícil, quando não raro.

A penúltima estrofe é de transcrever, ler e reler. Linda.

Favoritei, pronto.
E ainda bem.


Enviado por Tópico
Upanhaca
Publicado: 29/05/2018 10:58  Atualizado: 29/05/2018 10:58
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 Re: A Razão de Manoel de Barros
No imaginário do poeta, tudo é possível, até ouvir a melódica canção do vento ou a gargalhada da lua.

Lindo o teu poema! Adorei, parabéns, Amigo.

Abraço!
upanhaca