DOMUM SCRIPTA _ forma 
A semiesfera domo se poliedra:  
Treliçado Cristal de Luz! Por mossas  
Descarrega às colunas vigas grossas.  
Nos capitéis, volutas de vã hedra… 
Escrevêssemos obras, mas em pedra,  
Ao final as palavras, de tão nossas, 
Levantar-se-iam paredes insossas  
D’onde entre frestas poesia medra. 
Panóptica atalaia às elevadas  
Mirações de pontífugas verdades  
E ecos do Salão, onde cotejadas 
Em meio a literárias amizades.  
Parede vazada: Almas devassadas,  
Sincera comunhão de soledades. 
DOMUM SCRIPTA _ conteúdo 
Habito em meio às folhas que hei escrito.  
Escritura da qual se abstrai o costume: 
Pondo o texto aos rigores do volume 
Ao olvido foge o havido do interdito. 
Hei escrito em meio às folhas o que habito  
Na estrutura que faz passar o lume:  
O sol pelo translúcido do cume 
À existência do Ser dá veredito. 
A folha em branco aceita qualquer mundo.  
Contudo, mundos do mundo o olhar  
Percebe da Natura um plano oriundo: 
— “Mais mundos à Verdade estruturar,  
De abstractos e concretos ser fecundo, 
Onde mais escrever sobre o habitar.” 
* * * * 
DOMUM MOBILIS _ forma 
Pensa a estereometria que mais pura,  
Um mínimo de linhas faz regulares:  
Tripé, quadrado e círculo os traçares  
E ao partido inscrever cada figura. 
Eis-te d’estarte a trípode estrutura,  
Cujo sentido transcende seus lugares;  
E ao tetraedro gerado haja invulgares 
Abstracções geométricas da Natura. 
Penso então translúcidas e inclinadas  
As paredes, qual tronco de pirâmide,  
Ao pseudo-rés-do-chão bem elevadas 
Do vértice pender o elevador  
Havendo-lhe único e vertical trâmite  
Entre o espaço servido e o servidor. 
DOMUM MOBILIS _ conteúdo 
Há porém um sentido que, insuspeito,  
Defina tão abstracta geometria:  
Este trípode móvel rodar-se-ia  
À base circular por trilho feito. 
Onde pelo nortear mais-que-perfeito  
Por dinâmica ao entorno geraria  
Percepção de real cinestesia¹  
Ao escolher o mirante mais afeito. 
O domo móvel pelo eixo gerado: 
Sobre a plataforma térrea em vão livre; 
Sob o terraço assim desvão servido. 
Subsolo imóvel, bloco que enterrado  
Espaço servidor que a ver se prive  
Seu fundamento estático escondido. 
* * * * 
DOMUS GEMINI _ forma 
Houvesse ao sítio duas casas juntas  
D’uma parede insossa só geradas  
Fossem como siamesas irmanadas, 
Pois uma d’outra fossem sim transuntas. 
Expressassem as vidas lá conjuntas.  
D’ela brotassem mísulas ornadas  
Que pela simetria equilibradas,  
S’espelhassem amplas e ressuntas. 
Ter-se-ia, destarte, a plena equidade  
E ao irromper co’as lajes ortogonais,  
À maneira dos pratos da balança, 
Fundi-las, não obstante individuais,  
À casa una e dual na ambiguidade  
Do gérmen que por mitose se lança. 
DOMUS GEMINI _ conteúdo 
Coabitar a ser mais que constrangido  
Fazer por alheia razão pendente  
Ao apartamento do bloco e somente  
Ter por próximo algum desconhecido. 
Talvez se ligados pelo sentido  
De ir além da existência indiferente  
E à vida do Outro fazer-se presente  
N’ela te encontrarias insabido. 
Sê pleno, que a ver como é percebida:  
Contém a forma una à frente assumida  
E aos lados varandadas galerias. 
Mais que opor, diferenças somarias  
Que ao cômputo final de tua vida  
Em conviver te locupletarias. 
* * * * 
DOMUM HELIANTHUS _ forma 
Talvez por meio de sólidos platônicos —  
A saber, o tetraedro mais o cubo —  
As paredes de sonho que aqui subo,  
Gerassem dois volumes antagônicos. 
Suma em ideias e ideais arquitetônicos,  
A casa elevada sobre um tubo  
Recicla-se resíduos como adubo,  
Para nutrir jardins quase amazônicos. 
Os telhados pelo ângulo do Trópico,  
Se inclinando voltados para o sol,  
O seguem d’alvorada ao arrebol. 
Isso pelo desejo não utópico  
D’habitar a casa em movimento  
Que gira sobre os trilhos no cimento. 
* * * 
DOMUM HELIANTHUS _ conteúdo 
Tal-qual o girassol buscando a luz,  
A casa gira em torno de si mesma.  
Embora lentamente, feito lesma,  
Voltada para o zênite se induz. 
O quarto onde o nascente sol reluz,  
Roda para no poente ver o que esma.  
Na mesa, manuscritos vãos em resma  
Espelham a verdade em versos nus. 
Posto o sol, a estrutura continua  
O giro de seu trilho sob a lua  
Para tornar de novo até o início. 
Mudando assim a vista da janela  
Optimiza fachadas pois lhe atrela  
A energia e o conforto do edifício. 
Belo Horizonte — 09 06 1998 
                
Ubi caritas est vera
                                       Deus ibi est.