Textos : 

Caderno verde de dezembro de 23 - II

 
Samedi, o9

Todas as manhãs ao acordar e quando o radinho tem pilhas o ligo para conectar-me com o mundo circundante, enrolo o lençol e o penduro no varal, ao lado da escapa e da velha mochila e umas camisas sociais. Levanto a cama-box deixando-a inclinada em frente a velha cômoda – Apanho a toalha e vou para o banheiro abluir-me.
As oito levei uns mantimentos para a pensão, voltei para o sujo atelier decrepito aboletei-me na cadeira abacial para deleitar-me com a agradável trama do mestre Chandler. Marlowe cada vez mais complicado.
As dez horas Val chegou de mansinho com se não quisesse nada e assim ficamos até-meia hora depois que lhe ofereci a primeira dose da bendita. E nessa brincadeira secamos duas vezes a gorotinha e trouxe um restinho para pensão.

Lundi, 11
Sabado a noite sequei o litro, trazendo o restinho que sobrou e me encharquei pesadamente, que ontem estava tremendamente fraco e debilitado, passei uma boa parte da manhã deitado e bebendo agua e as vezes forçando-me para vomitar – assisti o Globo Rural e o Reporter no You Tube e olhei o celebre quarto onde o casal Lennon compuseram o icônico “Dê uma chance para paz” num hotel em Quebec.
A manhã fluía monotonamente como todas as manhãs de segunda. Apanhei o café e pedi para Little Fat botar um pouco de leite, apesar que ontem almocei e jantei bem : arroz, feijão, carne de porco frita, torta de camarão fresco e uma salada de pepinos – a tarde filmes –“Fúria” com Nicolas Cage. “Chernobil”, “Até o fim”, “Falando com os mortos” e um filme baseado num romance do mestre alemão Hermann Hesse “Narciso e Goldmun” Sou admirador dele autor do clássico “Lobo das Estepes”. Cansado nem tive saco para assistir o “Fantástico”, preferi me enfurnar nos meus humildes aposentos para ouvir rádio, até dormir despertando as duas e meia para urinar e peidar – ouvir as vozes conhecidas dos bebuns noctívagos passando na rua discutindo trivialidades e a canção triste de Sergio Reis “Filho Adotivo” e os mosquitos zumbindo nos meus ouvidos.
“Reserva do Zito” uma cachaça genuinamente maranhense, reconhecida em Bruxelas, Bélgica com a melhor do mundo.

Terça-feira, 12
Mais uma noite mal dormida, compensada pelo odor doce do pão assando na padaria e os gorjeios saltitantes dos bem-te-vis equilibrando-se nas folhas das palmeiras da Praça que leva seu nome – A vista direita piorando a cada dia e ainda falta dois meses para a bendita cirurgia no da esquerda completamente cega. Pelo andar das carruagens, até fevereiro os exames estarão fora de validade e eu completamente cego. Que o bom Deus me dê uma boa morte. Para mim as coisas fáceis para os outros se tornam mais difíceis – é a vida!
Bem em vez de ficar lamentando as minhas molezas, deveria ver o lado bom ou seja valorizar as pequenas conquistas ( se é que conquistei alguma merda – estou sendo ingrato comigo mesmo). Claro, acumulei trezentos livros dos melhores escritores de todos os tempos – Grandes merdas – ironizaria o fulero do Val, dono de um mercadinho na entrada do mercado local. Não sei porque insisto nessa fuleragem de querer ser um escritor, quando aos sessenta e dois anos já queimei todas as pontes possíveis e pelo que vejo nenhuma janela abrirá para mim. Pobre coitado!
Todos que se diziam ‘amigos’ “se é que tive algum”, evitam falar comigo, se afastaram abruptamente, deve ser por causa do meu bafo fétido e dos perdigotos que solto involuntariamente sobre eles e sem falar no meu cheirinho de bacalhau azedo. Apenas um ainda me aguenta, Little Fat que todas as manhãs me dar o café com pão. Seu Jojo passou calado, no meio da rua, talvez pensasse que eu fosse ferra-lo, foi sorteado com mil e quinhentos reais na loteria clandestina dos colômbias de Bucaramanga no domingo passado. Meu cumpadre insiste no sonho do decimo-terceiro do auxilio. – a principio entrei na fantasia – mas consultei os órgãos competente e porra nenhuma. Meus débitos domésticos estão estratosféricos – as contas de luz se amontoam na gaveta da mesinha branca no fundo da oficina. Estou num verdadeiro circulo vicioso, gostaria de estanca-lo. O que me leva para luz é a sagrada literatura e a escrita – são os meus redentores que nunca me traíram ou me abandonaram – todos estão lá nos meus humildes aposentos – Cervantes, Defoe, Dickens, Miller, Joyce, Hemingway, Fitzgerald, Balzac, Dostoievski e outros.
E assim as onze terminei Chandler “Longo Adeus” – e a voz rouca do dublador de Harvey Pekar, o anti-herói americano ainda ecoa na minha singela mente.
A rã Golias é a maior de todas de sua espécie.

Quarta-feira, 13
Recebi uma noticia alvissareira, a promotoria telefonou para sinhorinha Vince informando que anteciparam (pasmem!) a cirurgia do olho esquerdo para o dia 15 deste mês. Era para mim pular de alegria, infelizmente entrei naquela de São Tomé – ainda não estou acreditando e aguardo a sinhorina para ligar a Clinica e confirmar a data. Também não disse nada a ninguém, pois comparo com o boato do meu cumpadre e seu pseudo APP da Caixa informando-lhe que o decimo terceiro está depositado na conta da minha comadre. Para mim as coisas não funcionam assim, sempre tem algo para atrapalhar.
Ainda não posso contar vitória, somente depois dos noventa minutos de tempo regulamentar – telefonei – confirmaram o agendamento para sexta-feira, as sete da manhã – mas a confirmação mesma será amanhã presencial na clinica na Cohab par ter certeza – Que Deus me abençoe!
Desta vez não farei planos ou metas – primeiro quero ver e passar por todas as etapas – sei lá o que me aguarda, principalmente com um histórico negativo como o meu, onde nem sempre acontece o obvio.

Quinta-feira,14
Sonhei que era o grande escritor policial Raymond Chandler, buscando inspiração nas sórdidas ruas de Los Angeles – a mesma cidade onde viveram e escreveram Jonh Fante o icônico da fuleragem pura Bukowski.
Na sala de espera da Clínica a aguardando a minha vez para confirmar ou não a cirurgia para amanhã. Ainda não posso afirmar nada, apenas depois dos tramites legais e do esperado procedimento cirúrgico para operar a catarata do olho esquerdo. Até que está tranquilo, poucos pacientes – ao meu lado duas cadeiras a frente um pixxixitinho acompanhando uma senhora franzina, talvez a mãe, uma copia escarrada do meu amado filhote -pasmem, igualzinho ao sacana, até nos modos de sentar-se e falar, a barba espessa, os óculos e a maneira de manusear o celular e até a voz. Um verdadeiro clone.
Nessas tardes tenho assistido filmes cult noir dos anos 40/50 . E como manda o figurino tradicional em black and white, som original, legendado – bom para mim aperfeiçoar a pronuncia do meu inglês fulero bons filmes com “Sindicato do Crime”, “Hora Violenta”, “Meia-luz” e outros.
Quase meio-dia, ‘ebenezer” – até aqui Deus tem nos ajudado e foi confirmado para amanhã as sete.. Receio acontecer o que ocorreu com Pére Cardin, quando foi operar os exames estavam inválidos. Estou cansado. Na volta da Clínica na Cohab, passei na Biblioteca Pública da Praça Deodoro – devolvi Chandler e trouxe o seu mestre inconteste Dashiel Hammett em “Continental Op”, antecessor do clássico detetive Sam Spade de “Falcão Maltês”. Estou nas alturas com a leitura magnifica desse grande escritor que revolucionou o gênero policial. Não aguentei a sede e fui perturbar o meu vizinho Andy para encher o meu litro com agua. Olhei um carro da CAEMA estacionado na praça e fiquei de orelha em pé e rezei. Ontem criei outro Email é o quinto. Vou desistir. Dona Ivan reclamando do calorão que está nos abrasando nesses últimos dias – o céu encobre de nuvens plúmbeas, mas não cai nenhuma gota para amenizar o nosso sofrimento e a tendência é esquentar cada vez mais.
Não quero pensar em nada e deixar tudo nas mãos do Senhor Deus, faz três dias que não ‘derrubo um barro’ e nessas últimas duas noites tenho acordado as duas e meia para urinar e peidar. Deixei o radinho ligado e as pilhas se foram. O homem da farinha e o carro de mão passam silenciosos vindo do mercado. Combinei com o filhote para amanhã cedo irmos para a Clínica. No final da tarde dei uma ‘barrigada’ miada.



 
Autor
efemero25
Autor
 
Texto
Data
Leituras
33
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.