Poemas : 

guerra

 
o bebé morreu depois.
antes disso, a irmã de nove anos,
cabeça estilhaçada,
o sangue a escorrer em golfadas,
os braços em cruz, inúteis,
deitada no frio da loiça partida
da casa de banho.

fez anos em maio.
cantaram-lhe os parabéns.
corou.

o bebé não tinha celebrado nenhum aniversário.

a mãe, de vazios olhos abertos,
arrastada pelo sopro da explosão,
desfez-se em fragmentos pesados,
espalhada pelo quarto.

inexplicavelmente, a cama
ficou intacta.

foi no terceiro esquerdo,
num prédio antigo.
um trovão breve, seco,
um corte no ar,
um assobio violento.

o silêncio e o sangue colaram-se às paredes.

a guerra ainda não tinha chegado à cidade.
chegou naquele instante.

 
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Levant
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Enviado por Tópico
AlexandreCosta
Publicado: 01/09/2025 22:07  Atualizado: 01/09/2025 22:07
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 Re: guerra
essa malvada guerra... dentro de portas! :(


Enviado por Tópico
Beatrix
Publicado: 02/09/2025 06:37  Atualizado: 02/09/2025 06:37
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 Re: guerra / Levant
.

Olá, Levant.

Diria deste texto que é fotojornalismo premiado. É tão rico em imagens, nas imagens, que sentimos a guerra em todo o seu horror.
Digo foto para as partes mais sensíveis que um jornalista experiente se abstinha de descrever, mas uma foto não.
Descrever a guerra com crianças é arriscado. Não é para qualquer um. É preciso uma subtileza e, simultaneamente, uma frieza quase cruel para descrever o que se observa.
Conseguiste-o.
Porque escreves muitíssimo bem e de forma inteligente.
Parabéns.
Ainda bem que cá estás.


Ab
Beatrix


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 02/09/2025 10:22  Atualizado: 02/09/2025 10:22
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 Re: guerra\cheiramázedo
3. Hemofilia


Já lá estão, a bebé e a outra mais nova,
exangues e no mais puro vazio.
A morada de ambas é, agora, o frio,
já lá estão, no chão de pés prá cova.

A Mãe não aprova, nem desaprova,
fazem todas as três um triste trio.
Desfeitas em morada sem feitio,
num repente entraram nesta trova.

Corpos desmembrados, órgãos à vista,
menos um choro, menos uma birra,
há um pó que por todo lado assenta

e se acumula, nesta horrível lista
em que nada cresce, tudo mirra.
Jornada triste, de morte sangrenta.


In Dez Sonetos da Guerra na Crimeia por partes


Enviado por Tópico
MÁRIO52
Publicado: 02/09/2025 11:19  Atualizado: 02/09/2025 11:19
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Localidade: PORTO-PORTUGAL
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 Re: guerra
Uma triste realidade que nos entra todos os dias pela casa adentro.
Guerras cruéis e sanguinárias, que ceifam a vida de milhares de crianças...

Texto realista e sentido, que nos choca a todos pela sua verdade intrínseca...

Abraço fraterno.

Mário Margaride