Não sei a quem escrevo. Se a alguém que não nasceu.
Se a um silêncio que levou tudo.
Se à vida que me deu um presente e depois o arrancou.
Só sei que preciso falar, mesmo que ninguém me ouça.Não entendo. Não aceito. Não perdoo.
Por que fizeram sonhar com o impossível, imaginar o sorriso, o cheiro, a risada,
para depois deixar as mãos vazias?
Por que deram esperança para depois cuspir no peito?
Entre tantos sonhos, por que foi esse que escapa,
o único capaz de reconstruir o que foi quebrado?Queria ter sentido o calor, o peso, o toque.
Queria ter ouvido o choro que seria música.
Queria saber se havia semelhanças, gestos, jeitos tortos.
Queria ter sido porto seguro, refúgio, amor sem condições.Mas ficou o buraco.
Um vazio no peito, um berço ausente, um eco que repete, noite após noite:
“Por quê? Por quê? Por quê?”Falam de propósito.
Mas que propósito conforta quem chora no escuro, segurando um nome que não pode chamar?
Que propósito acalenta quem carrega um corpo sem rastro, sem futuro?Rasga a raiva, a dor, o desamparo.
Cada lágrima é uma faca, cada oração um soco no ar, cada noite um naufrágio.
A fé escapa como areia que se desfaz nas mãos,
o sentido se esconde além de muros inalcançáveis.
Se existe um Deus, parece cruel.
Se existe sentido, não é para todos.Mesmo assim, a busca permanece —
um cheiro no vento, uma mão no escuro,
qualquer sinal de que não foi em vão.
Mas o que vem é silêncio.
Silêncio, e um amor impossível que rasga e mantém de pé,
mesmo quando tudo parece desmoronar.Não sei se um dia haverá perdão.
Não sei se haverá entendimento.
Só sei que enquanto houver respirar, haverá memória, existência, presença.
Nem que seja só aqui, dentro.
Com raiva, dor e amor,
quem escreve com amor seu pai[...]
Re: Deus, por quê?
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