Crónicas : 

AINDA O SERTÃO

 
AINDA O SERTÃO...
(Ivone Carvalho)


Ganhei o Oscar da Literatura! É assim que estou me sentindo! O texto que escrevi na madrugada passada, sobre a saudade que senti do sertão, após ler o artigo do querido poeta Jairo Nunes Bezerra, foi lido por ele! Que coisa boa, gente! Ser lida por alguém como ele é, para mim, realmente, um premio. Ele ficou sabendo o quanto seu artigo mexeu comigo e como me levou à infância, a dias que marcaram minha vida e que jamais se apagarão da memória.

Como premio maior, ele citou mais detalhes sobre o sertão onde está, reportando-me a detalhes que eu não havia mencionado no texto que escrevi ontem.

Realmente, deixei de citar que foi ali, no sitio da vovó Antonia, na cidade de São Geraldo, nas Minas Gerais, que vi, pela vez primeira, as galinhas poedeiras, as vacas leiteiras, os lampiões e lamparinas, as lavadeiras à margem do riacho, o ferro a carvão, o piso de tijolos.

Não contei que os lampiões, lamparinas e ferro a carvão passaram a fazer parte da minha vida, tempos depois, quando mudamos para o bairro de Vila Medeiros, onde, por alguns anos, não tínhamos energia elétrica, pois o bairro estava apenas começando. Lembro-me que o ferro a carvão era mais pesado do que eu, mas era com ele que eu passava toda a roupa da casa enquanto minha mãe trabalhava para ajudar o meu pai no sustento da família, já que todas as economias haviam sido aplicadas na construção da tão sonhada casa própria.

Ah! se fosse possível ficar descrevendo sempre a nossa vida! Tanta coisa eu gostaria de registrar! Fatos que minhas filhas jamais viveram por terem nascido em outra época, em situação econômica melhor, num mundo mais moderno.

Fico aqui me perguntando como é possível, após viver mais de cinqüenta anos, ter na mente com tanta propriedade e nitidez lugares vistos e vividos em apenas duas ocasiões curtas, em situações e idades diferentes, mas que marcaram tanto.

Mencionei, no texto anterior, que ao ler os artigos do Jairo eu tenho a impressão de ter vivido uma vida inteira nos locais onde ele descreve. E é a mais pura verdade. Talvez isso justifique eu também não conseguir esquecer a emoção que eu sentia, que me levava às lágrimas, quando, no curso primário, aos sete e aos oito anos, participando do Canto Orfeônico da escola, eu cantava O Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense.

Cante comigo agora, e, quem sabe, você também chorará, porque eu, sempre, quando chego ao final da letra já estou, normalmente, soluçando. Será que já vivi no sertão, algum dia? Sou capaz de jurar que sim!

Luar do Sertão.
(Catulo da Paixão Cearense).

Oh! Que saudades
Do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão!
Este luar cá da cidade
Tão escuro não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão.

Não há, oh gente, oh! não,
Luar como esse do sertão!

Se a lua nasce
Por destrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a solidão.
E a gente pega na viola
Que ponteia, e a canção
É a lua cheia
A nos nascer no coração!

Não há, oh gente, oh! não,
Luar como esse do sertão!

Quando vermelha, no sertão
Desponta a lua dentro d`alma
Onde flutua
Também rubra nasce a dor!
E a lua sobe e o sangue muda
Em claridade
E a nossa dor muda em saudade
Branca... assim... da mesma cor.

Não há, oh gente, oh! não,
Luar como esse do sertão!

Ai!... Quem me dera
Que eu morresse lá na serra,
Abraçado à minha terra,e dormindo de uma vez!
Ser enterrado numa grota pequenina,
Onde à tarde, a sururina chora a sua viuvez!

Diz uma trova, que o sertão todo conhece,
Que se, à noite, o céu floresce,
Nos encanta, e nos seduz,
É porque rouba dos sertões as flores belas,
Com que faz essas estrelas lá do seu jardim de luz!!

Mas como é lindo ver, depois por entre o mato deslizar,
Calmo, o regato, transparente como um véu,
No leito azul das suas águas, murmurando, ir por sua vez,
Roubando as estrelas lá do céu!!

A gente fria desta terra, sem poesia,
Não se importa com esta lua, nem faz caso do luar!
Enquanto a onça, lá na verde capoeira,
Leva uma hora inteira,vendo a lua, a meditar!

Coisa mais bela neste mundo não existe,
Do que ouvir um galo triste, no sertão se faz luar!!
Parece até que a alma da lua é que descanta,
Escondida na garganta desse galo, a soluçar!

Se Deus me ouvisse com amor e caridade,
Me faria esta vontade, - o ideal do coração!
Era que a morte, a descantar me surpreendesse
E eu morresse numa noite de luar, no meu sertão!!




Jairo querido, mais uma vez muito obrigada por estes momentos de recordação e felicidade!
Se, mais uma vez, eu receber o premio de ser lida por você, aceite o meu beijo, com muito carinho e amor.


 
Autor
IVONE CARVALHO
 
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