Poemas : 

Ela era quente

 


Ela era quente, convinha que fosse quente e que os seus olhos fossem eléctricos como um fio da palavra no cume da montanha onde te vejo cair e na tua morte vejo a morte da cidade e a paixão dos homens da cidade e é plural a definição de homem com cidade. Ela era quente, toquei-lhe no ombro e vi que tinha as asas de um anjo e que atraia os homens e os esfaqueava com o caule das flores e que dormia nos táxis velhos e que vestia o sobretudo dos poetas e que sabia os poemas que cheiravam a cão e ás chaminés das fábricas de Nova York. Ela era quente e quando mexia as ancas as ervas dos muros e os velhos do jardim e as bichas e os paneleiros e os que tiram fotografias e abusam das crianças que posam nos postais e que choram de fome e são os senhores que os comem com a língua do dinheiro frio. E tu continuas quente com uma corda no pescoço e a Coreia não é um céu azul, nem Paris é um Cu. Ela era quente e por cima do seu ombro eu cantei a marcha dos pássaros e depois a sombra desmaiando nos muros era o cemitério dos mortos a voar e tu no teu discurso sublinhas-te que os mortos não podiam voar e eu disse-te que era o espírito que só existe nos livros dos poemas e nas cordas da guitarra dos subúrbios. Olhei por cima do teu ombro, vi o corpo imóvel pendurado no alto do arranha-céus e vi que os teus dedos telegrafavam e o sangue caia enquanto chupavas os dedos e a máquina de filmar trabalhava sozinha com o corpo a cair-lhe em cima. Um suicídio em directo. Uma flor em directo a pedir água no noticiário das oito.
A flor era mãe de um soldado um pobre sem destino e que havia de ser morto e não conhecer o destino de morrer e de se apaixonar. Olhei-te por cima do ombro e lá estava o rio e os pregos a boiar na água dos pneus e ele o homem do talho cortava o sexo porque uma vaca lhe fora infiel. Agora chora e não vende carne infiel e mijasse como um atrasado mental que dá o cérebro para o transplante dos hambúrgueres.
Uma vaca passeava de hambúrguer por nova york e por cima do teu ombro essa cicatriz esse dedo marca digital na revista. E nova york é dos cães e Paris é das vacas e os Árabes são os donos das pedras e dos muros e os capitalistas compraram as praias e alugam cronómetros para que o sexo se faça discreto e rápido como o copo de água que se bebe num gole. Olho-te por cima do ombro e a cidade é uma festa e os homens vão cinzentos subindo e descendo as escadas e choram e riem e um dia não o fazem e quando não se faz morresse. se não queres morrer ama e se queres amar mesmo morre, se não é mentira todos os dias, a mentira de nascer e acordar.
Abre as pernas mesmo que seja só um dia, uma borboleta desflorada estará comigo neste sonho de te ver em nova york a gemer.
Por cima do ombro onde o rio bebe o esperma da borboleta que acasalou com o poeta.
Lobo 05

 
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poetavoador
 
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Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 02/06/2009 14:31  Atualizado: 02/06/2009 14:31
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Usuário desde: 29/01/2008
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 Re: Ela era quente
Uma crônica urbana, quase irreal, um pouco difícil de entender para nós mortais, mas que o nosso inconsciente entende.

abraços