Silêncio
Palavras ambíguas
Palavras calorosas
Palavras infames
Palavras gostosas
Palavras patéticas
Palavras saudosas
Palavras chulas
Palavras chorosas
Palavras manjadas
Tantas palavras
Tanta vontade
Tanto silêncio...
acaso
ACASO
Eu nem queria ter ido,
Mas fui
Eu nem queria ter te olhado,
Mas olhei
E foi como uma explosão
Como se estivesse aguardando esse brilho
Desde de muito antes de ser gerado
Você ali sentado e me olhando
Foi minha primeira imagem
A primeira criatura após o renascimento
Aquele olhar tímido e malicioso
Eu nem queria ter falado,
Mas falei
Eu nem queria ter escutado,
Mas escutei
E era veludo nos meus ouvidos
Belas e envolventes mensagens
Nós ali deitados, largados
Desprovidos de qualquer pudor
A primeira criatura ápós o renascimento
Aquela voz suave, firme e certeira
Eu nem queria ter jantado,
Mas jantei
Eu nem queria ter entrado,
Mas entrei
E as cartas se revelavam aos poucos
Algumas indagações desconfiadas
Seguidas de tórridos entrelaços
E os seus braços, ah seus braços...
A primeira criatura após o renascimento
Aqueles braços acolhedores e seguros
Eu nem queria ter me despedido,
Mas me despedi
Eu nem queria ter me envolvido,
Mas me envolvi
E a saudade se determinou cruel
Algumas vezes, dilacera meu humor
Outras, alivia em mensagens
A primeira criatura após o renascimento
Aquele púbis onde me perco e me acho
Umbral
Depois de tanto prometer, a felicidade fechou suas asas. Bastou apenas uma mensagem desencontrada, para ela partir para não sei onde. Desde então, apenas estou vivo, perambulando entre becos e procurando sentido, talvez encontre uma flor em meio ao asfalto... Tudo que encontrei, foram velhos ímpetos conhecidos. Aos quais abracei, como a velhos amigos por tempos afastados.
Aqui nessa estação habitada apenas por pobres diabos. Cada qual como eu, se esconde como pode. São médicos, poetas, Mauricios, Patricias, mendigos. Aparecem aos montes, de todos os cantos. Estão sujos, famintos, irados e auto-amaldiçoados. A dor rasteja sorridente e insaciável, alfinetando cada ferida exposta em carne viva, amiga-se ao medo e enveredam-se pro entre os diabos. Alguns estão sentados, mas por pouco tempo, alguns passam de lá para cá, alguns choram e nenhum deles pode dizer o que há.
Vários copos de água mineral enfeitam o lugar fétido, muitos sacos plásticos, cápsulas, pontas de cigarros, merda e urina. O breu noturno deixa ainda mais obscura a cena deplorável. Eu ali, em meio ao caos, esperando uma rede salvadora, quem sabe até um paraquedas. Um braço já servia... Alguém que dissesse: “Você não é isso. Quer um espelho?”. Mas como poderia se me tornei invisível, se me tornei mudo,cego e surdo? Sou apenas mais um pobre diabo...
Fui
Levantei e fui, só levantei e fui...
Os chamados não calavam a frase derradeira.
Cada passo deixava outras frases, talvez melhores.
Pegadas grenás marcaram um caminho sem volta.
Num dia lastimosamente ensolarado, chorei.
Levantei e fui, coração batendo oco, mas fui.
Certezas
Por mais que a carne peça
Que a cabeça enlouqueça
Que o coração implore
Que a alma me ignore
A angústia ainda me é grande...
Por mais que o amor exista
Que a saudade insista
Que a razão adormeça
Que o desejo cresça
A dor ainda me é forte...
Por mais que carne e amor
Que cabeça e saudade
Que coração e razão
Que alma e desejo
Eu não quero mais você...
Talvez ainda houvesse ternura
Talvez ainda houvesse ternura
Não fosse a infeliz convicção
Questionando a própria certeza
Não fosse a obrigação de engolir
O silêncio insalubre e covarde
E agora José?
As pedras continuam no caminho
Caminho que passava por praias
Passava por cavernas obscuras
Passava pelas mulheres de Chico
Passava pela verdadeira dor fingida do poeta
Caminho onde a verdade foi esquecida
Onde as pegadas nunca foram quatro
Caminho que nunca esteve no mapa
Mas não fosse todo esse dissabor
Talvez não saboreasse outros vinhos
Outras culinárias e outras imagens
Talvez não voltasse a enxerga
As verdadeiras almas inteligentes
Espera
Eu espero os dias passarem
Mas não sei se eu os somo ou diminuo
Eles simplesmente passam com seus desatinos
E nada acrescentam além dessa falta constante
Eu espero nos check-ins matinais
Alguma notícia do meu juízo imperfeito
Mas só me resta um sorriso oco para a felicidade alheia
E nada impede que uma pequena inveja me assombre
Eu espero por você, apesar de não saber ser só
Apesar da angústia de não poder mergulhar em ti
Apesar das investidas, a mim desinteressantes
Porque cada vez que se vai, me leva em seu bolso
Junto à qualquer objeto perdido
Eu espero por você... Não sei porque.
A você
Te desejo,
Amor, paz, saúde
te desejo vida!
Te desejo,
mato, pé descalço, vento
te desejo vida!
Te desejo,
chuva, sol, nuvem,
Te desejo vida!
te desejo,
lembranças, gargalhadas, abraços,
te desejo vida!
Te desejo,
família, amigos, crianças,
te desejo vida!
Te desejo,
fé, alma, resignação,
Te desejo muitos anos de vida!
Infortúnio
Infortúnio
A tarde infinita deu adeus
Deixando meus pés doídos e inchados
Não sinto cansaço nem fome, na verdade não sinto nada
Nada que valha apena, nada além dessa febre
Que me queima o juízo com lembranças distorcidas
São duas bolas negras e iluminadas
São idéias antes impregnadas e agora vagas
Uma fumaça que insiste em nublar
Uma garrafa de vinho pela metade
Uma gilete em cima do prato empoeirado
São diabos me zunindo aos ouvidos
Me fazendo perceber que nada que eu quis eu sou
E perfuram o meu peito com seus dedos afiados
Os mesmos que apontam minhas mazelas e culpas
Já não importa se as crianças estão brigando
Ou se a música está muito alta, ou se o cachorro sujou tudo
Já não importa se o que dizem é verdade
Ou se é uma mentira deslavada, ou se todos se calaram
Até as palavras fogem de minhas mãos trêmulas
Escondendo assim, o incorreto e o indecente
E todos os fantasmas, dessa forma, presos
Assombram sem piedade minha sucumbida mente
O tremer das carnes embaralham tua imagem entre sorrisos e lágrimas
E o medo entrelaça suas mãos em meu pescoço
Como se viesse o último suspiro, mas não existe passagem
Só uma alma decepcionada e presa
Deus, santos, orixás, oxalás
Todos ilusionistas com crédito na praça
Quase um
E quando o solado dos meus pés
Amaciarem esse chão em que tu pisas
Andarei sobre as plumas do teu ser
E minha alma sorrirá feliz e sossegada
Porquanto, as estrelas do além resplandecerão
Em conseqüência desse momento mágico
O brilho iluminará toda essa estrada
E você chegará
E o amor crescerá
E a vida se abrirá
Então deixaremos de ser dois!