A sombra escarlate
Irei contar uma história, não sombria, muito menos de fada; melancólica e triste talvez, mas uma história pantomímica que ao mesmo tempo têm tamanha altivez e pequinês.
É uma história de um duo, que é uno.
Pois um, não será, se o outro não for.
Vou mudar de tom, para você, prezado leitor, entender-me.
Era uma vez uma sombra.
Uma sombra viva, escarlate, na forma de uma pessoa.
Essa sombra, percorria as paredes, becos e redondezas dos lugares iluminados e tentava, em vão, encontrar sua luz. Retorcia-se de cá e acolá, mas atualmente disforme, sem saber onde se fixar. Sombra era, apenas, a amorfar.
Ela era uma sombra sem dono. Uma sombra vagante, viajante, que de dia escondia-se perdida em pequenos buracos e a noite, se misturava expandida, quase sem vida, em vários lugares e formas com a noite a passear.
Ela era sombra, você já percebeu, só não entendeu que por isso, vivia no escuro e carregava com ela mais e mais densidade com o passar das horas, onde quase se tornava etérea as vezes, palpável mesmo, mas com o passar dos anos mais pesada e mais morosa, cansada de subir pelas paredes ou de se transformar.
Cabe aqui uma ressalva temporal.
Como sombra as horas eram diferentes, mas os anos, há estes eram contundentes!
Também é valido dizer que ela era a figura fugaz de algo que um dia não era sombra. Mas deixe, estar.
Algumas vezes, dizem, que seu peso era tanto, mesmo para uma sombra, que quase virava piche, que se agarra no chão. Mas, ela não era física, e, aos poucos sumia, e se misturava na escuridão. Ao menos existia, fulgurando, perto de uma vela ou lamparina, de um led ou de luz do sol do meio dia.
Essa sombra foi criada de um coração partido, que sangrou, dias e noites até não poder mais. Isso dava seu nome, sombra escarlate, das gotas de sangue que marcaram seu chão. Poético! Patético! Uma sombra quase vermelha que não tinha lugar, como sombra ou centelha. Também não se sabe do coração partido. Contam alguns que já se consertou, se é que isso lá é possível.
Mas; essa sombra, era apenas a sombra daquilo que ela haveria de ter sido um dia.
Mas o que ela foi?
Não se sabe ao certo.
Uns dizem que eram parte de um grande amor que acabou, que seu dono, se matou, e ao esfaquear seu coração, cortou a ligação entre ele e a sombra. E claro, bem claro! Que isso teria sido ao sol do meio dia. Ele, brilhante, ela negra e altiva, espetaculares. Mas era miragem. E aquele sangue, caindo sobre ela, desesperada, fugiu antes do seu dono refastelar no chão!
Outros dizem que ela é fujona, que foi apenas um cortezinho de papel num coração apaixonado, mas que ela, medrosa de se machucar de novo correu, vermelha de vergonha!
Sabe-se com certeza que ela fugiu de um machucado. Daqueles que doem como se o mundo fosse acabar.
E que esses machucados, se não se curam, perduram, e aumentam a sombra que irá rouba-lhe a vida! Esse é o perigo da sombra escarlate! Esse é o terror!, o seu horror!
Alguns olham para ela, num joguete de luzes e a viam divertida, até como brincadeira. Outros, muito poucos, sabiam o quanto ela era perigosa, mas não para alguém, para ela mesma e aqueles que a alimentavam.
Algumas vezes ela se deslumbrava com olhos brilhantes. Saudosa de outrora felicidade luminosa. Diria até que era possível vislumbrar um brilho reflexo nos olhos da sombra encardida!
Mas era reflexo. Ela era sombra. E a luz, perdida... Assim estava.
Não sei se desejo contar a história da sombra, que corre de um lado para outro e se transforma nas figuras mais engraçadas ou nas mais sombrias, mas sempre furtiva, sem seu brilho. Sem achar seu dono, perdido, no tempo.
Dizem, que a sombra desliza a cada tentativa de ser capturada.
Não há falta de tentativa, mas ela só existe, porque há um pedacinho da sua luz perdida em algum lugar, mas ela, luz, se extingue dia-a-dia e a sombra cresce, vermelha, sozinha, corrida e fulgáz.
Vez ou outra, com o vento mais forte ou chuva, a sombra corre mais veloz, pq sente que irá sumir sem deixar vestígios. Outras e vezes ela apenas flutua, sombra de um sonho sem conclusão.
A única coisa que sabe-se ao certo, firme como concreto, é que a sombra procura uma luz para aquecê-la, pois depois que se perdeu, uma sombra sozinha, no sol não existe.