Poemas, frases e mensagens de MarioRevisited

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de MarioRevisited

Roteiros Andaluzes - I - Córdoba

 
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chegaste já no final do entardecer, quando
o sol queimava a ponte romana sobre o Guadalquivir
(sempre turvo), e atravessaste as ruelas
junto à mesquita-catedral – na magistral gonzalez frances,
onde a sombra te aliviou por um momento
a fé;

pelo bairro judeu caminhas às avessas,
tens todo o tempo para perder no Sepharad antigo
e o tetramorfo bíblico de Ezequiel arde-te
no estômago com um Cava Freixenet Extra perigosíssimo:

Marcos, o Leão
Mateus, o Cordeiro
João, a Águia
Lucas, o Touro

tu viste-o na mesquita, adivinhaste-o depois junto da
estátua de maimónides, onde a sabedoria se une ao caminhante
pela magia simpática de um simples toque;

agora anoitece,
os luzeiros descem no horizonte e inflamam de escarlate
as fachadas tão antigas como o sonho visigótico;

tudo o que foste até chegares a esta cidade dos califas
é tão etéreo como um bilhete esquecido
e agora podes interromper o fluxo das galáxias que se expandem
junto a este Guadalquivir (sempre turvo)
e sabes o segredo
porque é o segredo o instante
é onde tudo é panta rei do tempo curvo;

e tu agora sabes o segredo

não se deve, jamais, olhar atrás

ou o tetramorfo fará de ti mulher de Lot;

castigada impura,

petrificada em estátua de sal.

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Roteiros Andaluzes - I - Córdoba

[Considerações sobre a minha obra]

 
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A minha obra é linda.
A minha obra, no fundo, não presta.
A minha obra quero emigrá-la longe porque me pesa imenso.
A minha obra devia já ter sido publicada na Albânia e na Nicarágua.
A minha obra é um alfinete e uma aranha a massacrarem o espantalho-pop.
A minha obra dizem que tem referências a mais e ninguém a entende direito.
A minha obra nunca está a par de mim: ou vai à frente ou atrás como um cão.
A minha obra é assim tipo Cesariny-Leminski-Frost - só que muito melhor.
A minha obra só tem um leitor, que sou eu próprio, e perco a paciência com ela com frequência.]
A minha obra nenhum dos meus amores gostou dela.
A minha obra, por sua vez, não gosta de mim.
A minha obra não tem nada por acaso, é esotérica benemérita e planetérica.
A minha obra, se eu a lesse sem saber o que era, vomitava de asco.
A minha obra tem as minhas mãos, que envelheceram desde os vinte anos.
A minha obra, na versão sua sintética, é o pim-pão-pum.
A minha obra é tão adulta que obriga-me a uma infantilidade completa.
A minha obra só existe porque sou fumador.
A minha obra define à partida quem escrever uma só palavra sobre ela.
A minha obra tem profunda weltanschauung, mas apenas às quintas-feiras depois das onze.]
A minha obra é e não é (lembrar o grego).
A minha obra chegou ao ponto de não ter vaidade alguma em ser uma obra.
A minha obra tem colarinhos finos e toma rapé.
Deixou o resto a uma bailarina por amor.

E na conversa, algures, citou Diógenes e Séneca

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[Considerações sobre a minha obra]

Qualquer Coisa Sobre Rita

 
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Qualquer Coisa Sobre Rita
Seria de Modo a Limitá-la ao Espaço
Onde o Ângulo Que Vai do Lábio ao Braço
De Quem Olha Não se Evita.

Esses Dois Mil Rapazes Confusamente Idênticos

Esse Jeito Certo de Queda Livre Ostentada Em Série

Qualquer Coisa Sobre Rita
Me Ficou Nesse Banco de Jardim na Madrugada
Fornicação e Romance Dupla Parada
De Sentinela Na Minha Escrita.

Para Que Só Tu Passes Quando Eu Sem Vírgula

Rita

Rita

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Qualquer Coisa Sobre Rita

Maja Vestida

 
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teu suave passo vermelho & negro (Stendhal), o perfume
que o ar absorve lento (em francês, Hans Castorp
no monólogo a Clavdia Chauchat) e o dorso e a anca
movimento calculado para a cadeira busca (Proust
e outros) quando as pernas se cruzam e a saia
sobe três centímetros (Bataille?) as mãos
pousam na mesa (as mãos são suas) e o olhar
vago pelo espaço se detém (Joyce e o «Ulisses»,
no fim, yes yes yes) em mim (Mário Osório,
poeta do século, tarde au café).

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Maja Vestida

Roteiros do Início da Europa (II)

 
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quando chegares a cork city deixa-te levar
pela alegria do velho irlandês que entoa o «get on bord!»
ao partir do ballygarvan enquanto tu
o cruzas ainda confuso pelo antigo gaélico segredo;

esta viagem deves fazer sozinho;
atravessarás a winthrop street até a contornares e entrares
na contemporânea phonehouse - não deves esquecer os teus
amigos, longe na solarenga Mostar ainda;

no Ryan’s pub junto das docas, uma fresca guiness de espuma tão leve,]
que o rapaz encherá três vezes, esperando um minuto e meio
entre cada gesto, far-te-á compreender como o mundo
não é mais do que aquilo que tu trazes contigo;
e tu não trazes nada, tu és o começo de tudo,
neste aroma céltico.

um texano hippie, de longa cabeleira, notará como trazes
a aliança do anarquismo no fio do teu pescoço; e quando ele
te perguntar «you’re one?», dir-lhe-ás simplesmente
«I just pretend so», porque queres conhecer;
tu queres desaprender tudo o que europa de te ensinou tão mal
sobre si própria, afinal

na outra margem, deves passear ao longo do river lee;
tu sabes bem como te poderias perder nele para sempre
naquelas águas tão escarpadas e miúdas ao mesmo tempo
onde duendes e gnomos banhavam
os seus arcanos mistérios

nem deste por isso, mas entraste já no countryside
onde tudo é tão verde
tão verde e tão espontâneo, que só o lee
te acompanha agora, à tua direita

sente o sangue a circular pelo teu corpo
consegues escutá-lo, correndo;
agora entendes tudo pela tua pele e não pelo pensamento
que é como se deve saber das coisas com amor

a noite começa e acaba cedo aqui,
com belas raparigas tão loiras e de sorriso tão perfeito;
também aqui a europa em copos de plástico pelo centro da
cidade, que morre pelas onze horas logo e
estranhamente

mas tens ainda tempo
e trazes Mostar ainda no coração, sorris orgulhoso,
porque o amor nos torna orgulhosos

e quando pela noite encontrares o ritual celta nos lábios
saberás que tudo fará sentido daqui a muitos anos, que a juventude]
é essa meia consciência;
mas não agora

não agora, em cork city

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Roteiros do Início da Europa (II)

linda girl

 
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à elsa

linda girl,
linda girl,
fica comigo, nesse vestido blue

teus olhos carvões,
linda girl

tua pólvora d amor,
fica comigo, fica comigo

fica comigo,
nesse vestido blue

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linda girl

[Poema]

 
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que o poeta não morreu, apenas vive
____disfarçado;
ao que a época obriga e, digamos, uma assinalável
_______________________falta de dinheiro.

às duas por três, seu olhar cintilante de quiosque,
já não chega para o tabaco; que isto de escrever muito
amo-te__________amo-te__________amo-te
não beneficia o avançado estado de coisas; ou essa imediata,
__________precisa__________obscena
noção de que já foi tudo dito, há muito, há tanto,
_que o café do poeta traz punhais
_______e alçapões na chávena morna

ou, em Resumo - muitos anos depois (tendência biógrafa de
_______donas de casa da Literatura)
apenas estava triste; e ei-lo labareda e vagão direito à Cintura-Abaixo,

_________________por simples falta de Tânia.

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[Poema]

Meu tio inglês

 
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meu tio inglês morreu a semana passada
- dizem que era velho como a Invencível Armada –
e na conversa citava Diógenes e Séneca.

três fortunas gastou nos clubs e dancings londrinos
- dizem que tomava rapé e usava colarinhos finos –
e na conversa citava Diógenes e Séneca.

privou com a rainha (a única mulher a quem obedeceu)
- dizem que a única família de quem gostava era eu –
e na conversa citava Diógenes e Séneca.

deixou-me uma caixa de charutos e um humidificador
- dizem que o resto deixou a uma bailarina por amor –
e na conversa citava Diógenes e Séneca.

meu tio inglês morreu a semana passada
privou com a rainha (a única mulher a quem obedeceu)
era velho como a Invencível Armada
a única família de quem gostava era eu
três fortunas gastou nos clubs e dancings londrinos
deixou-me uma caixa de charutos e um humidificador
tomava rapé e usava colarinhos finos
deixou o resto a uma bailarina por amor

e na conversa citava Diógenes e Séneca.

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Meu tio inglês

O Mário Cesariny Era

 
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O Mário Cesariny Era
O Melhor Poeta Dos Que Não Esteve No Orpheu.
Aproveitou A Alguém? Aproveitei-O Eu.
De Rompante Pelo Vício E Na Quimera. O Mário Era
Um Heterónimo Meu.

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O Mário Cesariny Era

[Si quelqu'un demande après moi]

 
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Si quelqu'un demande après moi,
Sophie, tu lui diras,
Que je suis à la Nouvelle Orléans, pour écouter du Jazz.

Dit lui que je suis fatigué de n'être rien,
D'écrire sur les serviettes en papier.
D'oublier toujours mes hier,
Et de n'avoir d'avenir, que demain.

Et si personne ne me demande,
Sophie, ne trouve pas étrange un tel fait.
Car moi je sais,
Ne vivre que pour ma clarinette.

À la Nouvelle Orléans, où tout est fête,
Je peux être moi:
Jazz-être.

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[Si quelqu'un demande après moi]

História Sucinta da Antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.)

 
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Martelo
e
Foi-se

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História Sucinta da Antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.)

[poema 17]

 
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fazer-te o ARDIL extenuante da arte
quando se beijam nos OLHOS o tédio
querer-te_____querer-te_____fantasiar-te
espiar-te na porta do prédio

trazer-te NUA em retrato a três quartos
encher-me de fumo pelos olhos a contra-mão
amar-te_____curar-te_____desconfiar-te
seguir-te pelas NUVENS de balão

lamber-te________dobrar-te_______prender-te
____________________maravilhar-te

querer-te a tal ponto extremo IMENSO

apunhalar-te________caligrafar-te
________coroar-te

poema tela ou PANTERA e teu nome por extenso

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[poema 17]

Insensa Tez Revisited

 
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ninguém sabe porque escreve
ou porque o céu desflorou a virgem;
ou quanto sal nesse beijo nos foi
que a ampulheta virou rosa
pegou de assalto a velha locomotiva
e nesse instante tu sorriste;

chorem por mim que eu só quero
____________o que dói ou não existe

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Insensa Tez Revisited

Roteiros do Início da Europa (I)

 
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nas ruas de Mostar
podes caminhar de alma lavada e o sol
de toda a europa aquecer-te-á os dedos relaxados
quando tirares um belo cigarro do teu maço
e na ortodoxia do dia claro
o acenderes pronto

belas raparigas não te devem fazer esquecer
como é bom com os velhos amigos de sempre
descansar sob a ponte do Neretva
de toalha na doce erva e rir
de ti próprio e de como eras o mesmo
há tanto tempo;

cortarás um bom queijo, com pão, maravilhosas azeitonas]
que só o mediterrâneo te dá
e o laranja pôr-do-sol fará encantar os olhares
das virgens de Medugorje
sobre ti

tranquilo, deixa que a noite caia
que a europa não seja mais
do que aquela rapariga que veio agora ter contigo

e segue-a como se segue

a um deus

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Roteiros do Início da Europa (I)

[Bleasby's Street]

 
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Céus cinzentos onde desce a cotovia
_Sobre as velhas antenas dos prédios gastos
Poemas de poetas há muito fartos
_Loiça por lavar, a senhora Robinson
________________________e o seu novo marido.]

duzentos dólares pagam a tua renda
_em Bleasby’s Street.

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[Bleasby's Street]

Cesariana Revisited

 
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Quem escreveu versos depois dos trinta falhou a vida.
Quem não escreveu versos depois dos trinta é um idiota.
Quem já fez em grupo é imensamente suspeito.
Quem não fez em grupo não sabe o que perde.
O António não escreveu versos depois dos trinta.
O Pedro não sabe o que perde.
A Joana já fez em grupo.
O Rodrigo é imensamente suspeito.
O Álvaro é um idiota.

Eu escrevo alegre depois dos trinta.

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Cesariana Revisited

Poema dos três cachimbos

 
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essa intercalar voz rouca de telefonista
o meu nipónico desejo por às terças a rodos cintilante
e aquele propício segurança do parque de estacionamento
em aceradas e concretas suspeitas de

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Poema dos três cachimbos

Bel Canto

 
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uma paisagem em extremo distinta
_de outra paisagem, passagem essa imensa
engolindo diversas, outras,
_paisagens a montante extremas;

o problema: a inevitável paisagem carregada
_de instintos menos desculpáveis (como escrever versos,
fumar a rodos) e a escultura plena das tuas coxas
_muito brancas e divididas pela passagem
de muitos extremos nela (dizem);

ou assim - infatigável coração sempre na paisagem;
_ou Mário ou Bel Canto ou Virgem Negra
só por ali
_________________________de passagem

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Bel Canto

Contas de Vidro

 
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este querer imenso Filipa quando se é em extremo Ivone
este querer imenso Prodígio quando se é Arbítrio
este querer Nuvem quando se é em extremo Lupanar
este querer imenso Poema quando se é Detalhe

este querer imenso Lupanar quando se é Poema
este querer Detalhe quando se é em extremo Filipa
este querer imenso Arbítrio quando se é Nuvem
este querer imenso Ivone quando se é em extremo Prodígio

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Contas de Vidro

[poema 12]

 
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algures alguém em extremo desencante (assinalável) propício
resvalado em céus da boca ou alturas desmedidas de vício

que esse alguém torcido (em letras) procurasse às cautelas
dos ímpares o par muitas plumas e a rodos amor dentro delas

que no fim acerado grotescamente metade hélice e metade fera
voasse aos confins e voltasse algarismo locomotiva (mário) ou quimera

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[poema 12]