Emergindo
Na sombra materna
de um telhado
estava eu como
um feto agasalhado.
Protegida do fulgor de fora
a face se alimentava
dos seios das sombras
escusando sentir espreitas
enganadoras de alguns olhos.
Foi a brisa, foi a brisa
que mo revelou
ao teu olhar de aurora
Rompeste as membranas
que escondiam meu coração
do amor que só por ti
quer respirar agora
Emergi, emergi de novo,
à vida, minha senhora!
o túmulo é minha boca
flores há em tuas mãos
e uma foice sibila nos olhos
do perfume fúnebre das pétalas
foge o vento
e chora alto o silencio
Aos túrgidos lábios de uma poetisa
Alameda em frescor
Róseo botão intumescido
Meu amor,
Meu desejo,
Embevecidos
Enlaçados na quimera de...
No néctar da flor
pelo menos um
dia, sejam nela
embebidos
Invisível
as maravilhas da ilusão te levam para um falso mundo
e por lá aprendestes a viver.
mundo que bate e insulta teu corpo de menina
tua essência de mulher
em surdinas,
apeteço te guardar em meus braços
levar-te a passear em parques onde nunca adentrastes.
presentear-te com momentos de ternura com meu ombro companheiro
a amparar,
sob sombras de alamedas
colherias flores do meu amar
todos os dias cruzo teu caminho
e minhas mãos te chamam em pensamento
dentro da ilusão meus braços te
enlaçam.
eu te amo - minha boca apenas insinua.
teu olhar renega-me
e já que o invisível não tem forma
meu silencio transborda e meu
amor padece
decerto sou deserto
o escorregar da areia
o uivo do vento
o murmúrio do tempo
passos pesados
meus ecos bem perto
me acompanham
decerto
nada ao redor me acolhe
e se abre meu peito - deserto
Do ocaso
D'onde venho trago nos escombros
dos ombros um baú lapidado.
Do peito cicatrizado
ainda minam sonhos
que a boca desistiu de bradar.
No silêncio dos olhos
o reflexo de tudo que ganhei
e perdi é cascata de arco-íris
afogando pedras no chão.
Se há um som vibrando em mim
são meus calos que falam nas mãos
jorrando palavras
para serem levadas pelo sol.
pescador
íntimo que sou das águas
e do silencio das madrugadas
pescador das horas mansas
lanço a rede pra pescar
um tempo taciturno.
não vou ao rio pra desaguar
não vou a mar pra poluir de mágoas.
sou pedrador de alimentos
purifica.dor.es; calma para
matar o vazio
criado no sofrimento.
fujo dos becos escuros
fujo da artificialidade
das luzes
das máquinas
das buzinas das ruas
que me lembram que há animal feroz
babando sua fome dentro de mim
matando a consciência
para alimentá-la
amontoando ambição
pra monumento de ganhos.
farto, farto da urbanidade,
fujo, me abandono
no corpo da amante
serenada
nos seios da sobrevivência
lanço rede
no corpo da madrugada
margeando água
entrego-me
pra namorada.
Lembranças de Uma Estação
Cai a chuva no telhado.
Assédio pra fazer o tempo
parar numa estação.
Nunca verão!
Ela está dentro
das gotas que o vento
troca de rota;
aqueles cabelos se afastando
pra longe da face pálida,
quando o adeus de uma lágrima
caiu no chão distante de agosto.
Foi o maior desgosto
que nunca verão!
Só eu vejo a dor daquela estação,
sob a forte chuva de verão.
Onde encontro aconchego
A poesia é a dama
que me abraça
e o poema é a nossa dança.
A dama tem desenvoltura
no compasso
e mesmo que eu nem sempre acerte
o passo
entrego-me como um parceiro
de boa fama.
Em seus braços
invento mil jeitos
pensando bailar com aquela que amo
e esse balanço
faz-me acreditar
qu' ela assim também me ama.