ABDUZIDOS - PRIMEIRA PARTE
Aterrorizantes, era a melhor definição para eles. Apesar de adequarem-se rapidamente as características humanas, o olhar deles ainda era negro, animalesco, sem sentimentos... Um aviso macabro.
Havia meses que estávamos naquela espécie de cúpula. A maior parte de nós fora abduzido enquanto dormíamos, outros foram pegos na volta para o lar após mais um dia cansativo de trabalho e relataram horas de pavor dentro da gigantesca espaçonave. Estávamos ali como cobaias... Eles não tentavam nenhum tipo de contato conosco, e sempre que havia proximidade eram bastante hostis.
Quando alguém era levado, não voltava mais. Pensamentos e pesadelos horríveis inundavam minha mente. A criatura mais alta e quase esquelética era responsável pelas mulheres. Ele ou ela sempre era mais sutil quando vinha buscar uma de nós. A última a ser levada foi Luzia, a chilena. Os ecos dos gritos dela eram abafados a medida com que era arrastada pelo corredor, até onde era possível que nossos olhares de pavor alcançar antes que a enorme fenda se fechasse novamente.
A cada anoitecer chegavam de dez a quinze prisioneiros de tudo quanto é lugar do mundo. Eu estava ali a mais ou menos um mês. Da noite em que fui abduzida recordo pouquíssimo... Estava exausta e completamente dopada por calmantes e antidepressivos. Uma discussão acirrada no tribunal com meu ex-marido pela guarda do nosso filho - meu pequenino Daniel, resultara numa terrível enxaqueca, aquela fora a terceira vez em menos de um ano que o juiz dava um parecer a meu favor. De início, quando despertei neste lugar, jurava que fosse obra dele para me afastar do nosso filho, mas havia mais prisioneiros que falavam de alienígenas e de criaturas horrendas... Relutei contra tais argumentos, meu intelecto não me permitia acreditar no que diziam, até que os vi no dia seguinte.
Era impossível saber onde estávamos. Não ouvíamos nada. Toda a cúpula era de aço sem janelas ou emendas que revelassem alguma porta... E ao redor, apenas silêncio.
À medida que mais de nós eram levados, começamos a fazer planos de ataque incentivados pelo francês recém-chegado. Já que estávamos destinados a padecer ali, ao menos morreríamos lutando, dizia ele enfaticamente. Eles nunca vinham em bando, eram sempre dois no máximo. Atacaríamos assim que viessem buscar mais um de nós.
Passaram-se dias sem que viessem para levar mais um ou para trazer novos reféns. Talvez fosse possível nos observar o tempo todo por trás daquela enorme redoma de aço e tivessem ouvindo tudo o que planejávamos. O que nos levou a desenvolver um comportamento mais silencioso.
Dormíamos de dez em dez para que a maior parte ficasse de vigia. Mesmo sem saber onde estávamos ou se teríamos como escapar, aquela era a nossa melhor opção, a única que tínhamos.
Despertei com o som cortante da enorme fenda que se abriu, desta vez do lado oposto revelando um corredor repleto de focos de luz branca. Era a tal criatura que sempre vinha só. Esperamos que ela viesse até uma de nós, já havíamos combinado de resistir quando alguém fosse escolhido e para a minha surpresa a pavorosa criatura me escolheu. Corri para o mais longe que pude da fenda, dando chance para que os outros olhassem pela passagem em busca de mais deles. Quando ela pôs suas garras afiadas em meu dorso senti um filete da minha pele soltar da minha costela e uma torrente de sangue escorrer formando uma enorme poça de sangue no chão. Seus dentes pontiagudos revelavam pequenos pedaços de carne. A criatura me arrastou pelo braço até a saída e quando pensei que todos haviam desistido, o francês pulou sobre ela. Dominamos e arrastamos o ser bizarro para fora e num acesso de fúria chutamos todo seu corpo até que a vida se esvaísse por completo. Infelizmente, três homens foram atingidos por suas garras afiadas e caíram ao chão agonizando entre os últimos fôlegos de vida. De repente a enorme fenda fechou-se. Mesmo ferida corri junto aos outros em busca de uma saída. O francês com instinto nato de um líder guiou todo o grupo, orientando para que os outros homens arrancassem algumas tubulações da parede para nos defender caso fosse preciso. Passamos por uma sala que lembrava um centro cirúrgico. Entramos e vimos o que temíamos. Havia pedaços humanos para todos os lados... Mãos, dedos, crânios partidos ao meio, órgãos e outros restos que era impossível reconhecer... Mataram e comeram a todos.
Todas as salas eram interligadas e para a nossa sorte estavam vazias. O corte na minha costela já começava a dificultar minha caminhada, mas a minha vontade de sobreviver e de voltar para o meu filho me dava forças para continuar.
Após percorrermos quase todo o lugar chegamos a uma sala toda de vidro, que nos permitiu ver o que nos aguardava lá fora. Uma porta lateral nos convidava para a liberdade. Jogamos objetos contra o vidro que se manteve intacto. Começamos então a apertar centenas de botões, numa busca frenética por um liberasse algum tipo de passagem. De repente a porta se abriu, sem indagar sobre onde estaríamos, corremos mata adentro, para a liberdade.
Foram dias vagando pela imensa floresta. Muitos adoeceram e morreram. Éramos apenas oito quando chegamos a uma enorme aldeia de índios, estávamos no coração da Amazônia, foi então que tive a certeza de que veria meu filho novamente.
Orientados mais uma vez pelo francês, escolhemos não contar a verdade para as autoridades, inventaríamos qualquer coisa, um sequestro... Mas não contaríamos a verdade. Combinamos de dizer a mesma coisa nos depoimentos. Diríamos que fomos abandonados no interior da floresta. Apesar de termos de conviver com o pavor de uma nova abdução, o pior ainda estaria por vir.
Já em casa, uma semana após minha fuga... Fui acordada em plena madrugada, com o som de algo caindo ao chão. Peguei a espingarda que agora ficava ao lado da cama e pé ante pé fui até a sala, havia alguém por trás das cortinas... Era o francês.
- Você? – indaguei ligando o interruptor.
- Vim para ver como está Lorena...
- Estou bem... Como entrou aqui?
- Você não se lembra de nada mesmo?
- Do que está falando?
- Nos conhecemos há muito tempo... Sou eu Alfred.
- É melhor você sair da minha casa!
- Nossa fuga daquele lugar foi tão fácil, você não acha? – disse Alfred transformando-se numa daquelas criaturas. – Ninguém foi sequestrado, queríamos trazê-los de volta, por isso o confinamento. Após passar longo tempo na forma humana, aprendendo seus hábitos e absorvendo sentimentos, muitos não conseguiram regressar. Os humanos são extremamente viciantes e fracos psicologicamente. Viver entre eles causa uma estranha dependência. Muitos como você casaram e tiveram filhos, criando para si falsas lembranças. Diga-me, por onde anda sua família? E o seu ferimento? Não existe mais, sarou de repente não foi?
Fiquei confusa... Realmente não tinha lembranças de parentes. E aquele ferimento... Tive uma recuperação impressionante. Não havia ficado nem uma cicatriz...
- Porque matou aquela coisa então?
- Não poderia correr o risco de perdê-la?
- Como me perderia se era prisioneira como os outros?
- Aqueles que não conseguiam regressar eram descartados, não poderíamos correr o risco de perder tudo o que conquistamos. Por isso deixei-me capturar. Meu único objetivo era recuperá-la... Eu lhe dei a vida Lorena...
- Você...
- Não somos como os humanos. Essa coisa de parentesco e criador, não existe entre nós. Somos uma espécie muito mais evoluída do que possa conceber. Não nos apegamos a nada, nem a ninguém.
- Porque então quis me libertar.
- Oh, minha querida... Não leve para o lado pessoal, não pense que tenho sentimentos. É que você possui informações de extrema importância para a invasão. Só desejo saber o que você conseguiu e nada mais.
De repente algo no olhar dele capturou o meu, meu coração parecia querer saltar do peito, minha respiração ficava cada vez mais ofegante, fui tomada por uma forte enxaqueca. Caí no chão dominada por uma dor muscular insuportável. Minha pele começou a se rasgar e os órgãos praticamente saltavam do meu abdômen, deixando minhas costelas totalmente expostas. Garras afiadas começaram a surgir em minhas mãos lançando os dedos despedaçados longe. Ele havia despertando em mim a criatura adormecida. Em meu crânio brotavam espinhos... Sempre fui um deles...
- Depois de passar muito tempo neste corpo a transformação é mesmo dolorosa.
- Quantos... Quantos sabem sobre mim? – indaguei recuperando o fôlego e fazendo esforço para colocar de pé aquele corpo esquelético.
- Somente eu sei sobre você...
- Agora me lembro de tudo Alfred... Do disfarce e da missão de me infiltrar entre os humanos... Nosso líder quer dominar todo o planeta e eliminar a raça humana... Nós nos alimentamos deles... Mas por que permitiu que se passasse tanto tempo, que me apegasse a eles... Porque permitiu que eu tivesse um filho?
- Perdemos contato, você ficou incomunicável durante anos. Deve ter sido por causa desta coisa de sentimento. Mas bastou que tivesse sua primeira crise de fúria para que pudesse reencontrá-la.
- O dia que tive a enxaqueca...
- Isso mesmo! E porque se apegar a este povo fraco e egoísta? Eles estão destruindo tudo e como deve se recordar, necessitamos deste planeta para sobreviver. Mas não eliminaremos a todos de vez, ficaremos com os mais saudáveis e jovens para procriar, afinal, são nosso alimento.
- Sim, compreendo...
Aproximei-me de Alfred de forma amigável e com um só golpe atravessei seu peito gelatinoso arrancando sua fonte de vida. Olhando nos olhos dele disse que ajudaria aos humanos a exterminar um a um, cada extraterrestre que surgisse.
- Sou mãe Alfred. Não posso permitir que outros como você alimentem-se de humanos. Lutarei ao lado deles. Nossa raça é que deve ser exterminada! Não sou mais como vocês, aprendi a conviver e a amar os humanos. Temos muito que aprender convivendo com o povo da Terra.
Fechei os olhos e como magnetismo meu corpo esquelético sugava cada pedaço de carne e pele, lenta e harmoniosamente todos os órgãos voltavam para o lugar. E aquela figura bizarra ia aos poucos tomando a forma humana novamente.
Ao imaginar o que Alfred seria capaz de fazer ao meu pequeno Daniel, devorei-o já que tínhamos a capacidade de voltar à vida após algumas horas.
Agora, ciente de toda a verdade e recuperando por completo toda a minha memória, a prioridade no momento é a de superar o desejo crescente de comer carne humana, até mesmo de devorar meu próprio filho...
Meus instintos animalescos estavam a cada dia mais aflorados. Passei a desenterrar os mortos para saciar minha fome... No freezer mantinha as partes mais suculentas, fígado, coração e cabeças...
Optei por levar uma vida noturna, tenho medo de não conseguir conter o desejo de saborear carne fresca e macia. Foi numa dessas saídas que conheci Derick, um alienígena que também optou ficar ao lado dos humanos.
Com a chegada dos seres superiores, uma batalha estava prestes a ser travada.
Agora com Derick ao meu lado tudo se tornaria mais fácil. Saímos em busca de outros que estivessem dispostos a lutar ao lado dos humanos, mas para isso teríamos que revelar nossa verdadeira identidade e correr o risco de que sermos vistos como inimigos.
Aos poucos Daniel, meu filho, adquiriu poderes extraterrestres... Mas isto já é outra história.
Alessandra Benete.
Carioca da gema, mãe e empresária.
Amante e aprendiz da arte de escrever!
https://www.facebook.com/alessandra.benete