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Poemas, frases e mensagens de RicardoC

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de RicardoC

Escrevo. Gosto de escrever. Se sou escritor ou poeta, eu deixo para o leitor ponderar.

CALOROSA

 
CALOROSA

Abraça-me! Abre os braços aos abraços
Há tanto que esperando te envolver.
Deixa-me, ao te tocar, enternecer
Porquanto me reténs os olhos baços.

Para o bem ou não, toma-me em teus braços,
Sob pena de jamais acontecer...
E, entregues à alegria, ousemos ser
Apenas dois ladeando breves passos.

Sigamos o caminho à nossa frente
Antes que se me torne indiferente,
Que houvesse sol ou chuva por onde ando.

E esqueça n'um instante o mal passado,
Quando em teus braços eu, aconchegado,
Cuide senão de ti cá me abraçando.

Betim - 26 01 2015
 
CALOROSA

À MEIA LUZ

 
À MEIA LUZ

Cheirava a almiscarado e cigarrilha.
Interessante, mas... Assim-assim...
Não sei que se dirá ela de mim,
Mas sua lábia má me maravilha.

Vê-la tagarelar bem peralvilha,
Convenceu-me não ser de todo ruim
Deixar-me elanguescer, ainda e enfim,
Se, a despeito de nós, a lua brilha.

Fosse como fosse, era noite clara.
Pude notar-lhe ao rosto uma luz rara,
Enquanto o seu perfume me instigava.

Então, tudo era mais belo do que era...
Nem soube diferir n'esta quimera
Quem, de facto, a mulher que ali estava.

Betim - 29 01 2015
 
À MEIA LUZ

DE MANHÃ

 
DE MANHÃ

Por que o dia está tão bonito?
Por que tenho assim me alegrado?
Talvez porque estivesse escrito
Que estarias tu do meu lado.

Talvez porque houvesse sonhado
Ou porque me soubesse aflito...
Por que tenho assim me alegrado?
Por que o dia está tão bonito?

Talvez porque alcanço o infinito
Quando amo quem eu tenho amado
Ou em ti simplesmente acredito...
Por que tenho assim me alegrado?
Por que o dia está tão bonito?

Betim - 01 02 2016
 
DE MANHÃ

TARDES DE PETECA

 
TARDES DE PETECA

Aquela ave que voa só no tapa
E nos enchia as tardes vãs d'antanho
Colore ora a memória em perda e ganho,
Mesmo quando a danada nos escapa!

Vencer tinha a doçura da garapa
Comprada com algum vintém d'estanho...
O brinquedo era humilde, não tacanho,
Na poeira d'um lugar fora do mapa.

Longe, a cidade imensa com seus prédios
Nos ignorava o jogo e a meninice
Como se a mais estúpida tolice.

Mas, a fugir de banhos e remédios,
Mais rebatendo penas pela poeira,
Que tivemos a infância verdadeira!...

Betim - 22 07 1999
 
TARDES DE PETECA

A NINFA - soneto primeiro

 
A NINFA - soneto primeiro

Fala para esquecer o amor e ser
Amante pelo instante vão d'um gozo.
Conta-me o quanto amar é perigoso
E nos meus braços quer só se aquecer.

Aconteceu d'eu vir-lhe a bel-prazer.
Conquanto fosse um pouco embaraçoso,
Pois, nem namorado e nem esposo
D'essa extremamente ávida mulher.

Porém, abandonada nada estranha.
Tem p'ra si que ciúmes e ilusões
Só têm entorpecido os corações.

Certa que em seu jogo ela é quem ganha,
Já parte para a próxima conquista
Ainda que o amor seja algo que exista.

.............................................................
 
A NINFA - soneto primeiro

PENA FIEL

 
PENA FIEL

Aqui onde me lês alguns dizeres
Escritos com ligeiro desalinho,
A pena já traçara o seu caminho
Na linha fina e audaz dos caracteres.

Se à letra longilínea bem me leres
Saberás qu'eu de mim mais me avizinho
Quando no breu da noite ando sozinho
Às voltas com amores e prazeres.

E escrevo. Não por ver em mim verdade
Ou me arvorar alguma irrealidade...
A pena, fiel a mim, o impõe e move.

Seja poesia, ainda que plebeia,
Deitando fora a máscara à plateia
N'uma escrita que sempre se renove

Sabará - 02 11 1999
 
PENA FIEL

ENTREVISTA

 
ENTREVISTA

--"Quantas pétalas tem o girassol?
Quando bate mais forte o coração?
Onde a felicidade está então?
Qual é a cor do céu n'este arrebol?"

"Como brilha um sorriso mais que o sol?
Quão mais belos os olhos se almas são?
Para onde mesmo os sonhos vão em vão?
E o que ondeia meu cabelo em caracol?"

"Por que a gente se sente tão sozinho?
Para que haver, no entanto, tanta lida?
Com que pedras ladrilhas teu caminho?"

"Quanto é uma esperança a ser perdida?
Ademais, que enigma és? Não adivinho...
Que é o homem? Quem é Deus? O que é a vida?"

Betim – 21 04 2014
 
ENTREVISTA

LUSCO-FUSCO

 
LUSCO-FUSCO

A partir da duodécima hora, quando
O sol por trás das serras vai se pondo
E ao crepúsculo zoa o marimbondo
Alegre porque o dia se acabando...

Então a passarada vejo em bando
N'uma algazarra vã a que respondo
A rir como se rir um luar redondo
Eu fizesse surgir enquanto ando.

Talvez desencontrasse o extremo, aonde
Eu ia enmimesmado e só ainda,
Certo de que a alegria se me esconde.

Mas -- exacto por isso! -- fosse linda
Essa aura lilás por quanto me sonde,
Porque em melancolia o dia finda.

Betim - 03 09 2015
 
LUSCO-FUSCO

FAZER O AMOR

 
FAZER O AMOR

Como fazer sensível algo abstracto,
Senão como uma forma de carinho?
O toque em tua pele haja o caminho
Para unir duas carnes por um acto.

Que seja dando sangue para o pacto
Ou apenas não querer gozar sozinho:
-- "Teus beijos, tão mais doces do que o vinho,
Ao pôr as nossas almas em contacto..."

Como é doce fazer o amor amando!
Como é bom, em teus braços, quando em quando,
Eu poder sentir que amo e sou amado.

Enfim o amor se faça encontro humano
Ao ser compartilhado, salvo engano,
Nos prazeres que um ao outro temos dado.

Betim - 15 02 2009
 
FAZER O AMOR

NOVENTA E NOVE TROVAS

 
PRIMEIRA

Chamam às quadras de trovas,
Quando co'o metro dileto
Têm, ao trazer boas-novas,
Em si um poema completo.

* * *

SEGUNDA

Silva o rebenque no arranque:
-- "Zurra burro! Relincha égua!"
Que importa que a mula manque?
Vou rosetar mais meia légua!...

* * *

TERCEIRA

Olhos nos olhos da fera
E pernas p'ra que te quero!
Tomo onde menos s'espera
Carreiras de desespero...

* * *

QUARTA

Hoje te vejo de perto;
Amanhã eu vou-me embora...
À noite passo desperto
Para ver-te desde a aurora!

* * *

QUINTA

Uns olhos de verde gaio
Passo os dias a admirar.
Olhos que olho de soslaio
Para ela não me maldar.

* * *

SEXTA

Pôr gravata vez em quando
Qual arreio em potro xucro:
Nasci desnudo e berrando...
Venha o que vier será lucro!

* * *

SÉTIMA

Muitos dizem ser mentira
Isto de amar de verdade.
Mas quanto o peito delira
Não sabem nem a metade...

* * *

OITAVA

Se nada vem por acaso,
Por que só me vens co'a lua?
A saudade, em todo caso,
Ao meu lado continua.

* * *

NONA

-- "Meninas de bendizer!
Mulheres de bem amar!
Onde anda meu bem-querer?
Onde haveria-de andar?"

* * *

DÉCIMA

Vez em quando me lamento
Das voltas que o mundo dá.
Volta e meia é sentimento
Algo bom em hora má.

* * *

DÉCIMA PRIMEIRA

A morte vem a galope
Montada n'um corcel negro...
Doente, já tomo xarope;
Triste, ligeiro me alegro.

* * *

DÉCIMA SEGUNDA

-- "Eu vou mais logo à cidade
Mas volto ainda cedinho."...
O tempo d'uma saudade
Não passa quando sozinho!

* * *

DÉCIMA TERCEIRA

Abro olhos a ver e olhar,
Ora raso; ora profundo.
Fecho olhos a imaginar
A imensa imagem do mundo.

* * *

DÉCIMA QUARTA

Cumbuca de sapucaia
A prender mão de macaco,
Que nem onça na azagaia
Presa dentro do buraco.

* * *

DÉCIMA QUINTA

Alguém que cedo madruga
Com mais ajuda de Deus
Apenas suores enxuga,
Não as lágrimas dos seus...

* * *

DÉCIMA SEXTA

A espera de quem alcança
Sempre é difícil momento.
Há quem chame de esperança
E outros de padecimento...

* * *

DÉCIMA SÉTIMA

Jamais toma as minhas dores,
E ainda me põe no fogo!...
Com quem não morro d'amores,
Só falo "olá" e "até logo".

* * *

DÉCIMA OITAVA

Quem faz hora, nada faz:
Perde tempo seu e alheio...
Homem vão em horas más,
Sempre bota Deus no meio!

* * *

DÉCIMA NONA

Muitos vão do luto à luta
Com sangue nos olhos fitos.
Misturam fel com cicuta,
No cálice dos aflitos...

* * *

VIGÉSIMA

Mineiro não faz presença,
Nem diz falso frase leda.
Tampouco pede licença,
Ele diz mesmo é "arreda!".

* * *

VIGÉSIMA PRIMEIRA

Sou, como diz o outro, prático:
Não caço chifre em cavalo!
Quem me sabe sistemático
Cala a boca quando eu falo.

* * *

VIGÉSIMA SEGUNDA

O dia tem tantas horas,
Que às vezes nem me dou conta.
Ai senhores, ai senhoras,
Logo o sol no céu desponta!

* * *

VIGÉSIMA TERCEIRA

Tem a ver com ir em frente
Essa coisa de viver.
A gente olha e, de repente,
Tudo está a acontecer.

* * *

VIGÉSIMA QUARTA

Tem dias que nem discuto:
"Tudo é como tem de ser"...
N'outros, digo resoluto:
"Nada tem quem tudo quer!"

* * *

VIGÉSIMA QUINTA

Tudo é confuso -- não nego --
Quem tenho sido eu não sei,
Se rei em terra de cego
Ou cego em terra sem rei.

* * *

VIGÉSIMA SEXTA

Cheio de boas intenções
Faz-se da vida um inferno...
O que são desilusões
Quando o suplício é eterno?

* * *

VIGÉSIMA SÉTIMA

Vive com medo de aranhas
Quem d'elas teme o veneno.
Eu a conversas estranhas
Evito desde pequeno.

* * *

VIGÉSIMA OITAVA

Dizem que em noite de lua
Aparece assombração.
Mulher de branco na rua
Já me dá palpitação.

* * *

VIGÉSIMA NONA

Devagar se vai ao longe
E com Deus no coração.
Se o hábito não faz o monge,
Tampouco a cruz o cristão.

* * *

TRIGÉSIMA

-- "Ó menina dos meus olhos!
Ó menina d'olhos meus!
Por que prendes a ferrolhos
Este amor que te deu Deus?"

* * *

TRIGÉSIMA PRIMEIRA

Se Deus fez o mundo todo
Em sete dias precisos,
Espalhou homens a rodo,
Mas lhes negou paraísos.

* * *

TRIGÉSIMA SEGUNDA

Nunca dou ponto sem nó
Em catiras com vizinho:
Levo tombo uma vez só;
Na segunda, vou sozinho.

* * *

TRIGÉSIMA TERCEIRA

Escorre à ponta dos cílios
Lágrimas desde o infinito...
Amor de mãe pelos filhos
É o maior e o mais bonito.

* * *

TRIGÉSIMA QUARTA

Um pai zela de dez filhos,
Mas dez não zelam d'um pai...
Feito trem fora dos trilhos,
Ninguém sabe aonde vai.

* * *

TRIGÉSIMA QUINTA

De dois dedos de prosa
A garrafas de poesia!...
A conversa é mais gostosa
Quando a cachaça a inicia.

* * *

TRIGÉSIMA SEXTA

Atrás da porta outro escuta
O segredo que se esconde...
Quando envolve uma disputa,
Punhal vem sem saber d'onde.

* * *

TRIGÉSIMA SÉTIMA

Cai a máscara do falso;
Embarga a voz do falaz.
A verdade é cadafalso
Do ardiloso contumaz.

* * *

TRIGÉSIMA OITAVA

Não sei se me calo ou falo,
Mas quem só serve, servo é...
Enquanto existir cavalo
São Jorge não anda a pé!

* * *

TRIGÉSIMA NONA

Quem tem dois pássaros voando,
Mas nenhum na sua mão,
Sonha ter de quando em quando
Posse da própria ilusão.

* * *

QUADRAGÉSIMA

Não há erro mais humano,
Que fazer a coisa certa.
Se é no mundo tudo engano,
Dá-se mal quem o conserta.

* * *

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA

No sertão da minha terra,
Passa boi, passa boiada...
O olhar nos longes da serra;
Além da curva da estrada.

* * *

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA

O ninho do joão-de-barro
No alto do jacarandá.
Parece um tanto bizarro
Quando morador não há.

* * *

QUADRAGÉSIMA TERCEIRA

Pega o boi com chifre e tudo
Quem cuida da própria vida.
Demanda trabalho e estudo
O fazê-la bem vivida!...

* * *

QUADRAGÉSIMA QUARTA

Conta o milagre do santo,
Mas não conta o milagreiro.
Gratidão não chega a tanto
Quando a graça é mais dinheiro...

* * *

QUADRAGÉSIMA QUINTA

-- “Aqui, um conto de réis!
Ali, um milhar de reais!
Se se vão dedos e anéis
Nem já os reis são reais...

* * *

QUADRAGÉSIMA SEXTA

A ocasião faz o ladrão;
A aventura faz o herói...
É, n'uma história, o vilão
O que nunca se condói.

* * *

QUADRAGÉSIMA SÉTIMA

Juventina tem cem anos;
Dona Mocinha, noventa...
Quem faz alegres seus planos
É mais jovem que aparenta.

* * *

QUADRAGÉSIMA OITAVA

Se é trovador quem faz trovas
Penso eu ser um, afinal.
Tu que lês ora o comprovas
Para o bem ou para o mal...

* * *

QUADRAGÉSIMA NONA

Venda "secos e molhados"
Com cadeiras na calçada...
Onde chegamos cansados
A cerveja é mais gelada.

* * *

QUINQUAGÉSIMA

Fico até mais crente ao vê-la
Vir em roupas de ver Deus,
Quando reza na capela
Para si e para os seus.

* * *

QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA

Se muito grande é o mundo,
Ainda maior o Universo...
O olhar mais largo e profundo
Cabe todo n'um só verso.

* * *

QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA

Bem diziam os antigos:
-- "Tudo o que viste, Deus viu!
Ele quem com mil perigos
Distingue o bravo do vil."

* * *

QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA

Vire e mexe um vem e diz
Para tudo ter respostas.
Triste quem quer ser feliz,
Com receitas, não apostas...

* * *

QUINQUAGÉSIMA QUARTA

Um pé de laranja lima
Carregado de florzinhas,
Eu olho de baixo a cima
À procura de joaninhas.

* * *

QUINQUAGÉSIMA QUINTA

Andorinha faz verão,
Quando em bando, não sozinha!
Uma só é solidão;
Uma é só andorinha.

* * *

QUINQUAGÉSIMA SEXTA

Quem pode ter qualquer um
Não raro não quer ninguém.
Antes quer, sem pejo algum,
Todo mundo em vez d'alguém.

* * *

QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA

Trago um arranjo de flores
Para roubar-te um sorriso.
Se em teus olhos vejo amores,
Tenho tudo qu'eu preciso!

* * *

QUINQUAGÉSIMA OITAVA

Papo de cerca-lourenço...
Conversa p'ra boi dormir...
Quando o discurso é extenso
Se concorda sem ouvir.

* * *

QUINQUAGÉSIMA NONA

Se alguém anda tão-somente
Sem dar conta do que faz,
Dá um passo para frente
E dois passos para trás.

* * *

SEXAGÉSIMA

O fogo que em vão atiço
Saltou longe do braseiro...
É assim quando o feitiço
Vira contra o feiticeiro!

* * *

SEXAGÉSIMA PRIMEIRA

Dias há em qu'eu me sinto
De costas p'ra própria vida.
Tudo parece indistinto,
Já frustrado de saída...

* * *

SEXAGÉSIMA SEGUNDA

Nas voltas que dá o rio;
Nas voltas que o rio dá:
Canoa em remanso frio
É toda a beleza que há!

* * *

SEXAGÉSIMA TERCEIRA

Põem a verdade de lado
Quando razão querem ter!
Jamais será encontrado
O que já não se quer ver...

* * *

SEXAGÉSIMA QUARTA

Corria à boca miúda
A última d’algum incauto:
Quem nunca a ninguém ajuda
Cai no chão olhando pr’o alto!

* * *

SEXAGÉSIMA QUINTA

À meia noite era meia lua
Brilhando sobre a cidade.
Andarilhos pela rua,
Corações pela metade.

* * *

SEXAGÉSIMA SEXTA

Mas quem me ilumina o rosto
E parte o seu pão comigo,
A este acompanho com gosto;
A este que chamo de amigo.

* * *

SEXAGÉSIMA SÉTIMA

As paredes têm ouvidos;
As janelas, muitos olhos.
A portas fechadas, ruídos
Escapam pelos ferrolhos...

* * *

SEXAGÉSIMA OITAVA

O coração é tambor
Que bate desatinado...
Mil vezes morre d'amor
O que vive enamorado.

* * *

SEXAGÉSIMA NONA

Têm tido mais alegrias
Os últimos que os primeiros;
Aqueles têm fantasias;
Estes, apenas dinheiros...

* * *

SEPTUAGÉSIMA

Ter erudição a uns soa
Como coisa rara e nobre,
Mas a maus olhos destoa,
Qual seda vestindo pobre.

* * *

SEPTUAGÉSIMA PRIMEIRA

Conto quarenta anos feitos:
Já vi e vivi um tanto.
Passos tortos fiz direitos...
Sou bento mas não sou santo!

* * *

SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA

Vou para a festa correndo;
Volto para casa andando...
Vejo o dia amanhecendo
Em folias vez em quando.

* * *

SEPTUAGÉSIMA TERCEIRA

Tem dia que não é dia:
Não houve aqui vencedor...
Ninguém é na hora tardia
Nem caça nem caçador.

* * *

SEPTUAGÉSIMA QUARTA

Depois de posto em garrafa
E de cruzar todo o oceano,
Um vinho me afogue a estafa
E alumbre o meu desengano!

* * *

SEPTUAGÉSIMA QUINTA

Antes cedo do que tarde...
Antes tarde do que nunca!
Ainda que o amor se atarde,
Logo de flores se junca.

* * *

SEPTUAGÉSIMA SEXTA

Não me engano nem me iludo
Em descrer dos olhos meus:
O crédulo crê em tudo;
O crente só crê em Deus.

* * *

SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA

Um que nem bem vai embora
E já fala em vir de volta...
Triste de quem sem demora
Anda com a língua solta.

* * *

SEPTUAGÉSIMA OITAVA

Isso d'escrever poesia
Para uns é café pequeno.
Esses não têm alegria
Nem o semblante sereno.

* * *

SEPTUAGÉSIMA NONA

Sem-vergonha aqui é mato:
Dá em tudo que é lugar!
O que de manhã eu cato,
À tarde torna a brotar...

* * *

OCTOGÉSIMA

Salamaleques à parte,
O respeito e a cortesia,
Antes são refinada arte
Que custosa fantasia..

* * *

OCTOGÉSIMA PRIMEIRA

Quem dá o que não possui
Perde até o que não tem.
Não se sabe mas se intui
O lugar que lhe convém.

* * *

OCTOGÉSIMA SEGUNDA

O amor é pássaro arisco,
Que se afasta quando acuado.
Sabe em cada olhar um risco
E em cada sorriso um fado...

* * *

OCTOGÉSIMA TERCEIRA

Fidalgo de meia pataca!
Puto sem eira nem beira!!
Falando igual maritaca
Um caminhão de besteira...

* * *

OCTOGÉSIMA QUARTA

Se segunda à sexta eu busco,
Sábado e domingo eu acho:
Nas sombras d'um lusco-fusco,
Do arrebol o último facho.

* * *

OCTOGÉSIMA QUINTA

Vez em quando vou à forra
Contra as mazelas da vida:
Mesmo que de viver morra,
Vou fazê-la bem vivida!

* * *

OCTOGÉSIMA SEXTA

Eu -- mais dia, menos dia --
Parto d'esta p'ra melhor...
Mas fiz tudo o que podia
Com fé, esperança e amor.

* * *

OCTOGÉSIMA SÉTIMA

Perdem as folhas o viço
Quando vem no outono o frio.
Antes fosse apenas isso,
Mas junto com ele o estio...

* * *

OCTOGÉSIMA OITAVA

Amanheço na esperança
E anoiteço em desespero...
Minh'alma jamais descansa,
Querendo tudo que quero.

* * *

OCTOGÉSIMA NONA

Molha tolos fina chuva,
Que nos pega de surpresa:
Cai como à mão uma luva,
Tua orvalhada beleza.

* * *

NONAGÉSIMA

Ignora a dor d'este mundo
Quem vive só de aparências.
Qualquer olhar mais profundo
Evitam as vãs consciências.

* * *

NONAGÉSIMA PRIMEIRA

À custa d'algum versinho,
Perdia a hora vez em quando...
A manhã em que escrevinho,
Cheira a café fumegando.

* * *

NONAGÉSIMA SEGUNDA

Em teus olhos vejo estrelas;
Em teu sorriso, promessas...
Muito dizes sem dizê-las
Com esperanças como essas.

* * *

NONAGÉSIMA TERCEIRA

Além do bem e do mal,
As razões do coração
Pesam mais do que, em geral,
Qualquer razoável razão.

* * *

NONAGÉSIMA QUARTA

Nada como um outro dia
Para se entender o havido.
Quem ontem riu d'alegria,
Hoje está entristecido...

* * *

NONAGÉSIMA QUINTA

Temo que a estrada da vida
Após muito caminhar
Dê n'um beco sem saída
Ou mesmo em nenhum lugar...

* * *

NONAGÉSIMA SEXTA

Ser feliz -- quer sim; quer não --
É mais empenho que sorte:
Uns buscam ser na ilusão;
Outros, só depois da morte.

* * *

NONAGÉSIMA SÉTIMA

Busca com tua conduta
Ter Liberdade primeiro!
Melhor um dia de luta
Do que mil de cativeiro...

* * *

NONAGÉSIMA OITAVA

Às letras eu me dedico
Por mais e melhor saber.
Não que me façam mais rico,
Sim me ensinem a viver.

* * *

NONAGÉSIMA NONA

-- "A quantas andam as trovas
Com que costumas poetar?"
-- "São noventa e nove novas
N'esse livro de folhear."

Betim - 12 05 2017
 
NOVENTA E NOVE TROVAS

AZÁFAMA

 
AZÁFAMA

Nada senão cansaços fora o dia,
Perdido em excessivos afazeres.
Não soube hoje d'amores nem prazeres;
Sequer alguma mínima alegria...

Passo apressado na rua vazia
Tão alheio à beleza das mulheres,
Quanto de seus mistérios e misteres,
Como não desejasse companhia.

Chegado em casa, nada já percebo.
Abro a garrafa e não sei o que bebo,
N'um gesto maquinal, indiferente.

Restara-me tão-só a noite e as estrelas
Mais um silêncio insólito a envolvê-las
Para o ócio me fazer de novo gente.

Betim - 28 01 2015
 
AZÁFAMA

FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

 
FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

Sim, às vezes é preciso dizer o óbvio. É preciso escrever com todas as letras: FASCISTA. Digam o que disserem, não somos obrigados a deixar que o ódio puro e simples nos governe, embora entenda que muitos estejam dispostos a abrir mão de suas liberdades ou fazer vista grossa para o ataque a minorias. Também entendo que alguns considerem esse extremismo que tantos elegem seja um mal necessário para que tenhamos uma ordem social que permita às pessoas trabalhar em paz. Ainda assim, é preciso reconhecer que a justiça exercida com as próprias mãos não é justiça, sim vingança. Por mais decepcionante que a Polícia e o Judiciário possam parecer, agir sem mandado do povo, ou seja, regulado por regras e processos, é o primeiro passo para a generalização da violência e da barbárie.

No final das contas, o desejo de justiça tão louvável das pessoas será usado como opressão contra elas mesmas.

Estes que pretendem nos governar alçados ao poder por uma maioria revoltada mas superficial, não terão limites mesmo quando os factos, a verdade e o bom senso os desmentirem. Reescrevam os livros de História e queimem os de Filosofia! -- exortam eles -- reduzam os códigos Civil e Penal ao obscurantismo biblista!... -- e, sobretudo -- a arma nas mãos de homens de bem a julgar o certo e o errado e, afinal, decidir a vida e a morte...

Focinho de porco não é tomada. Não, fascistas não são melhores que os narcotraficantes que dizem pretender exterminar. O que fascistas de facto costumam exterminar são as vozes que lhes contestam e ainda as minorias pacíficas e incompreendidas -- como eram os judeus na Alemanha de Hitler -- como o hoje candidato majoritário à presidência de nossa República promete fazer com a militância LGBT. Ex-militar não é herói. Polícia que atira para matar, também não. Leis que oprimem minorias são imorais e, civilmente, precisam ser desobedecidas.

O país que eu quero, por mais piegas que isso seja, é um país guiado pela tolerância, não pelo ódio.

Agora, de consciência limpa, eu vou votar.
 
FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

SETE DE SETEMBRO

 
SETE DE SETEMBRO

D'um obscurantismo jamais visto as fotos do dia da Pátria, hoje, em Brasília: O presidente da República do Brasil acompanha o tradicional desfile da Independência ladeado por um bispo neo-pentecostal e o dono d'um grupo de mídia.

Obscurantista sim, pois remete ao tempo em que os chefes da nação se faziam acompanhar por autoridades eclesiásticas… Não poucos veículos de imprensa ressaltaram, diante das imagens publicadas, a substituição dos presidentes do Congresso e do Supremo nos devidos postos de honra d'uma república que, constitucionalmente, ainda divide o Estado brasileiro em três poderes independentes.

Ainda… A não ser que, movidos pelo simbolismo das fotografias, entendamos de vez que os poderes que o actual presidente realmente reconhece -- de modo absolutamente autocrático e ao arrepio da Constituição Brasileira -- sejam aqueles presentes nas monarquias medievais, a saber, o Temporal, da Realeza; e o Espiritual, da Igreja -- aos quais, a partir de 2019, o Brasil parece ter retornado. 

Vale recordar, por outro lado, que não apenas bispo neo-pentecostal, Edir Macedo é também dono de grupo de mídia. A elevação do empresário religioso à autoridade da República no desfile d'este sete de setembro reforça o entendimento de que Bolsonaro seja hoje, antes de mais nada, um governante ávido de domínio sobre amplos setores da opinião pública. Igualmente digna de nota a distinção feita ao também dono de grupo de mídia, o apresentador Sílvio Santos, como se a estabelecer que sua concessionária de comunicação social passe a assumir a posição de voz privilegiada d'este novo-mas-já-velho regime político.

A falta de pudor de Bolsonaro em exibir os "seus" canais de mídia eletrônica forçosamente nos leva a pensar sobre como serão os próximos meses e anos de seu governo. Vejamos: A comunicação social deverá ser cada vez mais cuidadosa se comparada à exagerada exposição que o actual presidente se impôs desde o início do ano. As honras de autoridades recebidas pelos empresários deverão se traduzir em apoio editorial escancarado em seus programas de jornalismo e entretenimento. Já dominante em amplos espaços de comunicação nas redes sociais, o bolsonarismo passará a entrar sistematicamente nos lares com seu discurso a flertar ora com o conservadorismo econômico; ora com o extremismo político na condução dos destinos da nação.

Mas mais simbólico, para todos os efeitos, é esse alinhamento explícito entre o antiesquerdismo truculento que Bolsonaro lidera e a ascensão do neo-pentencostalismo como religião e moralidade dominantes no país. A laicidade do Estado Brasileiro foi mais uma vez ignorada n'esse governo em face do projeto de poder cristianizador que as referidas igrejas procuram exercer de modo crescente na sociedade brasileira.

Ao escolher um líder religioso em lugar d'uma autoridade, o presidente demonstra desprezar o simbolismo da República bem como os princípios de nossa Constituição. 
Não nos enganemos: O futuro que se está a construir hoje, no eixo monumental de Brasília, tende a descambar n'um fundamentalismo cristão conveniente e conivente com o autoritarismo.

O Brasil que se celebra independente insiste em olhar para o passado e se desejar colônia novamente d'algum império que, sob pretexto de nos civilizar, pós-moderniza o cristianismo com vias a exercer em nome de Deus domínio sobre corações e mentes... Até que o poder central volte a ser familiar, hereditário e, afinal, absoluto.

Mas isso já são outros quinhentos.
 
SETE DE SETEMBRO

IDAS E VINDAS

 
IDAS E VINDAS

Se quiseres que eu fique, não me mandes
Partir tão fria quanto um glaciar...
Na certeza de a ti eu retornar,
Apesar das distâncias já tão grandes.

Se fores me deixar, já não andes
Como quem não quer sair do lugar,
Mas esperando qu'eu vá t'encontrar
Para após anos; para além dos Andes!...

Se não sabes que queres, não me queiras
À sombra de improváveis castanheiras
Defronte à tua casa te esperando.

Senão, tudo o que tens é somente ira...
Esta que tantas vezes me ferira
E que me faz partir de quando em quando.

Betim - 05 02 2015
 
IDAS E VINDAS

GRANDE-ANGULAR

 
GRANDE-ANGULAR

A cidade se ondula no horizonte
E, ao fundo, lhe emoldura sua serra.
Espaço entre edifícios, em si encerra
Significado a quem lhe está defronte:

Cenário da existência além desponte
Enquanto do mirante a mirada erra...
Longínquos movimentos sobre a terra,
Como um mar de colinas contra o monte.

Realidade imediata, interessante...
Imensa panorâmica sim, embora
Desfocada amplidão d'olhar errante.

Metrópole - Um lugar onde se mora.
Olhar e ver dos altos do mirante
A perceber o todo aqui e agora.

Belo Horizonte - 12 12 1999
 
GRANDE-ANGULAR

SEM SAÍDA

 
SEM SAÍDA

Convém me repetir todos os dias
As razões que me levam a deixar
Os caminhos que seguem sem chegar,
Enquanto muros cercam fantasias.

Em becos; pelas vielas mais sombrias,
Andei a me perder sem encontrar:
Bati em cada porta do lugar!...
Por horas devassei casas vazias.

Debalde... Sem saída nem entrada,
A cada tentativa em derredor
Só vendo todo o esforço dar em nada.

Sequer se trata já de amor ou dor,
Sim de saber findar uma jornada,
Que há muito não tem nada em seu favor.

Betim - 20 12 2003
 
SEM SAÍDA

ESTRANHAMENTO

 
ESTRANHAMENTO

Já não te reconheço: És uma estranha.
As palavras que saem de ti me soam
Tão inúteis e fúteis que destoam
D’aquela paixão ávida e tamanha.

Nosso amor reduzis ao perde-ganha
Dos jogos de poder que só magoam.
À mente, os pensamentos que a povoam
Tornam-se essa tristeza que me entranha.

Dia após dia, mais e mais distantes...
Parece que nos vimos n'outra vida,
Pois, nada mais será como fora antes.

E a culpa do que somos ao que fomos
É o mal da esperança já perdida.
Não sendo má em si, sim onde a pomos!

Betim - 22 12 2010
 
ESTRANHAMENTO

VOO DE PIPA

 
VOO DE PIPA

Quando em julho a tarde cai fria,
Logo recordo os dias idos:
Já varre o céu a ventania
Cheia de losangos coloridos.

Ecoam longe os alaridos
Da mais extremada alegria!
Quando em julho a tarde cai fria,
Logo recordo os dias idos...

Tivesse os olhos tão perdidos,
Onde outra pipa rodopia
Fazendo a festa dos sentidos:
Quando em julho a tarde cai fria,
Logo recordo os dias idos...

Belo Horizonte - 12 07 2015
 
VOO DE PIPA

HA HA HA!!!

 
HA HA HA!!!

De impossibilidades esta vida
A mim ultimamente me parece.
Amo, porém, amar algo padece
Dos sonhos de minh'alma aborrecida.

Eu rio e este meu riso se acomprida,
Embora sem quê nem para quê cesse
À luz do que se lembra ou que se esquece
Como se coisa bem mal resolvida.

Todas as coisas devem passar? Sim!
Contudo, um alvoroço dentro em mim
Explode-me em nervosa gargalhada.

Eu rio e já nem sei do que estou rindo...
Tudo parece novo, forte e lindo,
Mas são só os meus olhos face ao nada.

Betim - 03 03 2000
 
HA HA HA!!!

A VOLTA DO MAR

 
A VOLTA DO MAR

Passando muito ao largo em seu retorno
Mareavam para além do conhecido...
E os ventos que governam desde o Olvido
Encurvam caprichosos tal contorno.

Pois apesar do abismo logo em torno
Ousaram pelo mundo reduzido
Avançar com as velas que têm sido
Na imensidão do mar estranho adorno.

Assim, de volta da Índia ou do Japão,
Desviam-se do Norte em direcção
Das Ilhas pelos céus afortunadas.

Ali gozam riquezas mais futuras
Lavadas no suor das aventuras
E ornadas no relato das jornadas.

Peruíbe - 21 07 2018
 
A VOLTA DO MAR

Ubi caritas est vera
Deus ibi est.