Magnólia
Tenho uma notícia para vos dar:
Floriu a magnólia do meu jardim,
Floriu de surpresa, floriu assim,
Com grandes botões a desabrochar.
Ela anda aí, diz ela, anda no ar.
Vai, conta a toda a gente, diz por mim
Que a Primavera voltou enfim,
Que pôs a magnólia a desabrochar.
Com está bela de lilás vestida!
Como se enfeitou com os seus botões,
Quando ontem estava tão despida.
Mas, só de pensar, já me dá tristeza,
Que as flores da Magnólia são ilusões
E caem amanhã, tenho a certeza.
Suicídio
Tempo!...Vem juntar-te a mim e conversa.
Dá-me o teu braço e escuta o que eu digo.
No abismo és o meu único amigo,
Aquele que uma pobre vida apressa.
Por isso, pede-lhe que me despeça,
Leva-me rapidamente contigo.
Companheiro, poupa-me este castigo.
No cosmos tudo de mim se dispersa.
E se já mesmo tu não me consentes
O hábito de ficar na partida.
Repara, tens mais usos convincentes:
Movimenta os ponteiros de fugida,
Já não tenho forças suficientes
Para matar a minha própria vida
No centenário do Nascimento do Padre António Vieira
Cruzou os mares e cruzou oceanos,
Defendeu índios, defendeu judeus,
Amou a Pátria e amou a Deus
Na caminhada de oitenta e nove anos.
Eis o homem que fica nos arcanos
De todos quantos pensam que são seus
Os dons da graça que lhes vem dos céus,
Assim esquecendo que somos humanos.
Foste Grande Pai de negro vestido,
Foste grande padre, a pregar sermões,
Foste prisioneiro do ódio sentido.
Volta, não terminou ainda a faina,
Regressa, ó imperador das ilusões,
Quero-te aqui, vestido de sotaina.
Portugal, Quinto Império do Mundo
Chamaram-te do Mundo o Quinto Império,
Para que dele se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos,
Sem que contudo alguém te leve a sério.
Muitos vieram envoltos em mistério,
Ladrões, aventureiros e ciganos,
E tantos Vendilhões de vãos enganos,
Que te lançam na lama e vitupério.
Pobre de ti, império das bandeiras
Por todas as varandas penduradas,
Acabados os jogos e as feiras!
Olha-te ao espelho e vê a figura triste:
Bandeiras tens agora esfarrapadas
Do teu império que nunca viste.
Histérica, melena desgrenhada
Histérica, melena desgrenhada,
Batendo o pé no chão, à prof. ordena
Que o telemóvel furtado, que pena,!
Lho dê de volta já e de enfiada.
A aluna, moça esbelta e aperaltada,
Lhe grita em alta voz, e assim ordena:
Dá-me o telemóvel já? Ó Helena;
Que me fica a carreira arruinada.»
- «Tu respondes assim? Tu falas disto?
Por eu ser professora avaliada;
E já não tenho mãos» E, dizendo isto,
Arremete-lhe à cara a estouvada.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Espetou-lhe a professora uma estalada.
Sextina à Liberdade
Foge-me a mim agora a curta vida
Perdido num local que chamam escola,
Foge o tempo diante destes olhos
Sem tão pouco saber se vale a pena.
E passam dias, passam de rotina
De vil tristeza e fétida prisão.
Será que alguém ergueu esta prisão
Que tira à juventude o bom da vida,
Presa aos toques diários da rotina?
Que saudades da rua enquanto escola,
De escrever numa lousa e com pena,
De até ficar com lágrimas nos olhos.
Proibidos, já não choram os olhos;
Obrigados, entregam-se à prisão;
Burocratizados, ninguém tem pena.
Reino espartano, carrasco da vida,
Que não deixas amar o templo escola
Cego por não fugir desta rotina.
Aulas, aulas, sem furos, vai, rotina,
Não quero, já não quero, choram olhos.
Estou farto, não quero mais a escola.
Livrai as criancinhas da prisão
Ó vós que não tivestes uma vida,
E não sabeis agora o que é ter pena.
Erguei-vos todos vós que amais a pena,
Lutaremos assim contra a rotina,
E gritemos, poetas, viva a vida.
Que a escola seja vista de outros olhos,
Que se abram os portões, que se abra a prisão
E saudades todos tenham da escola.
Liberdade, ministra desta escola;
Erguida em Atenas, só, sem pena,
Com Sócrates e sem qualquer prisão.
Então aprender seria uma rotina
E o saber seria o riso dos olhos,
A vida uma escola a escola uma vida.
Acordarei do sonho e tenho pena
Que amanhã voltarei a esta rotina
Melancólica da escola e da vida.
Poema à Francesinha do Porto
Tenho desejos de ti,
Francesinha!
Tenho desejo do teu queijo,
Que se derrete,
Que até preciso
De uma babete.
Tenho desejos de ti,
Francesinha!
Do teu molho
De tomate,
Do mal que me faz,
E que até me mate.
Tenho desejos de ti,
Francesinha!
Da tua linguiça,
Da tua salsicha,
Mesmo que a figadeira
Não me desincha.
Tenho desejos de ti,
Francesinha!
Do teu molho picante,
Da bjeca fresquinha,
Do bife da candonga.
Ah! Quero ser teu amante.
Pequena homenagem à mulher
Já fizeram muitas homenagens à mulher;
Já lhe cantaram quantos atributos tem;
Mas para que ela seja o que de melhor há no mundo,
Bastou que tivesse sido a minha mãe.
Portugal às avessas
Hoje, enquanto sonhava, descobri que o meu país tinha mudado.
No Minho encontrei longas planícies, ei-la, é ela, a Catarina Eufémia.
E ali, na fronteira de Trás-os-montes, curioso, ficava Grândola,
E mais à frente Cuba, Borba, e sempre ela, a Catarina Eufémia.
E quando descia para o Douro e para as Beiras, encontrei a planície.
Com chaparros, azinheiras e sobreiros,
Porco preto, touros, carroças e medronheiros,
E o mesmo cheiro e a mesma embriaguês da planície.
E cheguei ao Ribatejo montanhoso, escondido, esquecido, medroso.
E em Almeirim, só batatas, nem melões havia;
Os touros tinham emigrado, sofriam de asfixia,
E o campino andava de burro cauteloso.
Coitado do Alentejo, nem migas nem cação;
Azeitonas horríveis, pior o pão.
Pois... que se pode dar em tais penhascos,
Num país revolto até aos cascos.
Só o Algarve estava no lugar;
Já não é Portugal, é estrangeiro;
Que se fartem, que esbanjem todo o dinheiro;
Que lhes vai escorrendo deste pardieiro.
S. Valentim português
Tratado lhe chamaram: Tordesilhas.
E dividiu o mundo em dois pedaços,
Desenhados por engenhosos braços,
Como se fossem duas grandes ilhas.
E da Europa até às Antilhas,
Estivemos deitados nos regaços
A unir de negras e índias melaços,
De todas tivemos filhos e filhas.
E fomos pais das mães e das avós,
Namorados deste mundo sem fim.
E há quem diga que agora estamos sós.
Mas pode alguém sentir-se só, assim?
Que bando de ingénuos e de totós!
Acreditar num tal S. Valentim.