Ontem
No horizonte chegaram minhas flores
sem canteiros. Não quis fazer podas. Se as flores alcançassem o céu, pássaros seriam
livres no meu olhar.
Ontem te amei sem deserto, sem sede de orvalho. Sem a ganancia de consumir (te) como o derradeiro pedaço de pão.
Quando o céu estava coberto, era de estrelas... mar de sol, era de brisa e era de ti, sendo sombra pra mim.
Aurora
O silencio engole minutos e, logo mais, também as horas!
Rápido, com desespero, consome o tempo porque sabe que os sons já estão vindo e a vida, de alguma forma, é feroz.
Se estica e se dobra pra ter, por alguns instantes, mais de uma cor até vestir
o céu inteiro pra, finalmente, ser vítima, primeiramente, dos pássaros.
Quando chegar o amanhã...
Havia calçadas
guardando ruas
com vestidos da cor do verão dando abraços à primavera.
Brotando do chão,
muitas quimeras também nas bocas e pelas mãos. Risos e palavras eram pipas coloridas no céu que não dormia;
Estrelas estavam ali, brilhando escondidas para não espantar o dia.
Algumas vezes meu olhar pedia lua, mas teus lábios atrevidos não deixavam anoitecer o que acontecia...
Viver e amar, amar e viver com ousadia.
Pétala desmembrada
Colhe-me flor quando não
sabes que sou apenas pétala
de uma flor maior
Como saia, ergueu
as pétalas
que o vento com
rigor não perdoou
Mirabolante fui ao
ar, navegando em
nuvens e foi tanto
azul no céu que me
afoguei pensando que fosse mar
Para cair na palma do amor, pétala, parte passional da grande flor, eu sou...
Enquanto lá, sapiente no grande chão, ela fica
perfumando a razão, incentiva-me a sempre
a galopar no vento
e ser dela a parte louca da emoção.
Colhes-me como flor
mas tenho mãe.
Pequena parte pra poema de amor, simples pétala dela, sou.
Torpor
Quando te alcança um tempo
onde tudo já tem nome, tudo ja tem cheiro e até as dobras do vento tem cor e o céu
da boca já se estrelou de sabor ,
nada mais te estremece; nem espinho, nem frio,
nem ferida... nem amor
Secas
cambaleantes
sem sucesso
de horizontes
sede e fome
traça linha pontilhada
pobre verso
boquiaberto
peregrino,
seco de nuvem
de inverno
deixa rastros
fracos no caderno do deserto
Um passo depois do tempo
Houve um lugar, não sei se existiu ou se fui eu quem o inventou para não desaparecer por completo. Era feito de tardes douradas e silêncios que abraçavam, com cheiro de terra molhada e o barulho manso de coisas que não precisavam de ostentação para se revelarem.
Hoje tento tocar seus contornos, mas o tempo é um apagador de desenhos ultrapassados. Caminho por ruas que não reconhecem meus passos, casas que não me olham de volta. O que foi morada virou miragem.
Um lugar perdido não tem endereço, apenas mora nas dobras da memória onde os relógios não funcionam e as portas rangem sozinhas. Tento alcançá-lo às vezes, em noites onde a saudade fala, mas ele escapa, como quem ainda me ama e, simplesmente, não sabe como voltas.
Talvez o lugar não tenha se perdido, Quem sabe mudou de roupa, de nome, de pele... Ou talvez eu que esteja perdida, vagando entre ruínas de um tempo que só eu ainda habito.
Ausente, aquele lugar ainda molda-me. Ainda que minhas paredes estejam caídas, que meus jardins já tenham secado, que eu tenha caminhos que não levam mais a lugar nenhum, há certa beleza em meio a neblina: o lugar perdido ensina-me que há eternidades que só existem dentro da gente.
Marejar
De tudo tem
lá fora
Dentro de mim,
de tudo e mais um pouco
E tem.ausencia
que tudo devora
como sombra
disputando fatia maior
e fica
Toma corpo
de saudade,
tanta que pela janela transborda
Aquele tudo lá fora
não desperta
para o interior que se afoga sem ter mais que falar.
Palavras todas caídas em mar
de rasgar.
Quando o tempo ressente
A viagem mais bonita, no tempo,
se chama saudade.
Quer-se sentar no balanço do rico momento
e por lá ficar se embalando,
no que não mais existe,
mas insiste
em tocar a alma da gente.
Voos periféricos
Dizem que o perigo anda ao redor.
Ficar no centro é viver agarrado no medo.
Quero meus cabelos dançando
no vento
Rodopiando num
ciclone ou
como um cata-vento
espantando pra longe
tudo que se prende
no centro por
convencimento.