Regressarei a mim
No prado verde o murmurejar dos ciprestes perfuma a voz da natureza numa busca contínua como se os sussurros se prendessem à alma numa linguagem maternal, arrastando o som para dentro, assim como que a misturar-se ao sopro quente da melodia do coração, a embalar a quietude, a descer suavemente ao mais profundo do ser, para mergulhar dentro do suave e doce reflexo da eternidade.
Tateio as margens apertadas no peito, e sinto o sacudir da felicidade beber a esperança, como se o sabor do dia me fizesse regressar ao lugar mais profundo de mim, regresso aos meus sentidos e sinto o som da paz rasgar as marcas todas do tempo e o que vejo tem a dimensão do sobrenatural, é como se um milagre vestisse o instante, me tomasse nos braços e fecundasse em mim as sementes generosas de todo o porvir.
Sinto o vaguear das andorinhas numa dança plena, é como se a coreografia ensaiada no improviso tecesse todas as formas de amar e tocasse o fôlego da humanidade numa respiração inspirada pelas coordenadas do Criador.
Quero abrigar-me neste lugar Celestial, espargir o brilho de todo o meu contentamento e em agonizante felicidade, sentir a força da água e do fogo irromper em cada poente, como se a linha do horizonte tatuasse em mim as cores novas de todos os entardeceres.
Regressarei a mim, sim, a cada dia deixarei a ternura evadir-se, escutarei a voz doce e melodiosa que me conduz os sentidos inflamados, como se a vida fosse um bater de asas a contemplar o sonho dentro da inspiração dos dias, e mergulharei às minhas águas profundas para sentir o doce aconchego da existência.
Alice Vaz de Barros
Dar asas ao sabor dos nossos beijos
Por entre a suave dança
do pensamento, os dedos
da sensibilidade bordam palavras
na redoma das palavras encaixilhadas,
com versos delicados e cristalinos,
que jorram do rio que trespassa a alma.
No turbilhão da corrente que corre veloz
em efervescência, sem compasso,
nem freio, carrego nos sorrisos
o sol aquecido pelo teu olhar
nesta noite cálida e serena.
Há ventos de saudades, no verão
quente do meu peito, e aromas
de margaridas, no delírio
das minhas mãos,
o cheiro adocicado que acorda
os sentidos, nas cores acetinadas
do véu da minha alma.
Trago na melodia de todos os versos,
a tua voz como a certeza do amor
que trago em mim.
Na penumbra da noite,
ouço os sussurros do meu piano
dar asas ao sabor dos nossos beijos.
(Alice Vaz De Barros)
oemas
Um olhar a intercetar os gestos em sintonia
Uma brisa enigmática, toca levemente o sorriso cálido do meu rosto, num despertar silencioso, abrindo a luz num balbuciar sonoro ao dia que desponta, num ritmo em que as horas se abrem ao vento da ousadia, derrubando qualquer vestígio de inércia, estendendo as mãos hábeis à arquitetura dos sonhos do dia, numa construção intrínseca, a beber a determinação dentro da capacidade audaz da resiliência.
Um olhar a intercetar os gestos em sintonia, um agasalho de comunhão, vozes em delírio
a beberem a harmonia, o tempo a sussurrar a perfeição das horas despertas ao cuidado,
num registo de conforto como se a voz interior acordasse a sensibilidade e trouxesse à tona o toque majestoso do amor.
Ao redor, o desconforto das oscilações de humor, por dentro e aqui, a preocupação, um latejar de dor no peito, uma carta de serenidade escrita aos sentimentos a tocar a fimbria do pensamento, numa lembrança em retorno à construção dos afetos.
Mãos a conduzirem o caminho, dentro de mim, uma voz vestida de sensações inebriantes a sossegar o coração dentro do percurso, a devolver a confiança, a cativar o olhar em palavras cujos contornos abraçam as planícies por dentro.
Lá longe, a Luz a tocar a alma despida de inquietude, o refluxo perfumado e silencioso a agitar as margaridas no vaivém vertiginoso da brisa, um toque profundo mas quase impercetível, a balançar a vida.
Alice Vaz de Barros
Como quando cai a primeira chuva depois da seca
Levantei-me como quem se levanta como quando se ouve e sente o som de uns passos inconfundíveis, e ficasse ali parada, imóvel, incrédula, quase estática, no movimento dos lábios, na expressão facial, e esbocei um sorriso vestido de incredulidade, como se a minha respiração fosse parar.
Segurei as emoções, aconcheguei o sopro forte da ventania no peito e cada sentimento era como se trouxesse à tona o cheiro dos lugares, os sabores e as sensações de outrora.
Talvez, sinta o vestido da noite cobrir-me a pele de luz, ou a Lua me agasalhe os ombros com a a candura do seu olhar, na maciez do seu toque aconchegante.
Talvez ainda encontre nos olhares de quem passa um resquício de bondade, como quando os olhos se vestem de generosidade e esperança quando cai a primeira chuva depois da seca, talvez ainda haja som nos passos do coração e a melodia seja revigorante e confortadora.
E se eu ainda sentir a água de uma chuva dilúvica molhar-me o rosto, isso será como uma bem aventurança e se o som dos passos inconfundíveis da esperança permanecer no caminho isso será um milagre.
Rasgo as sensações inebriantes por dentro como se me abrisse e expusesse ao som místico do desconhecido e viajo por caminhos nunca outrora percorridos, como se ao andar, a alma se desabotoasse e deixasse correr ali o rio das emoções contidas.
Depois inspiro em novidade de vida, sinto o rosto do dia saudar-me como se o único propósito fosse desatar os nós à vida e me sentisse voluntariamente capaz como se despertasse e voltasse ao lugar de sempre.
(Alice Vaz de Barros)
A elegância da humildade
Na suavidade do ser,
onde o mundo se aquietou,
a humildade dança
a sua melodia singela.
Não é alarde, é a graça silenciosa,
a essência que se revela pelo fluir.
É como a brisa tímida
que acaricia as pétalas,
a dança subtil das folhas ao vento,
o murmúrio que ecoa
nos recantos do coração.
A elegância da humildade
não se veste de grandiosidade,
mas de simplicidade graciosa.
É o sorriso que se abre
como flor que desabrocha,
a mão estendida
sem exigir aplausos.
É a arte de se curvar
diante do outro,
reconhecendo a beleza única
que cada ser carrega.
Nos gestos leves,
nas palavras suaves,
reside a nobreza dessa virtude.
É a capacidade de enxergar
a grandeza nas pequenas coisas,
de erguer o olhar
sem se deixar cegar pela altivez.
É o alicerce sólido
que sustenta os laços,
pois a humildade é a ponte
que une almas,
o idioma universal
que transcende fronteiras.
Na humildade, desfila
a verdadeira grandeza,
não em pedestal erguido,
mas no chão firme da empatia,
na compaixão que se estende
sem ostentação.
É a pureza que resplandece
na alma, a generosidade
que tece laços indestrutíveis.
Assim, na simplicidade
que se faz nobre,
a humildade ergue o seu trono,
reinando como rainha discreta,
convidando-nos a despir
as vestes da soberba
e abraçar a beleza singela
de sermos simplesmente humanos.
Alice Vaz De Barros
Abro o corpo e a alma para te amar!
Como poderia sorrir- te sem te olhar demoradamente,
sentir-te a franja pura da alma,
beber a espuma calma do corpo?
Como?
Mata-me o sorriso a lonjura
que nos separa neste tempo morto,
porque há um querer que te puxa em sentidos
que falam a voz do amor,
a vontade escrita
no corpo que te chama como voz ardente,
e nada consigo calar!
Mas sorrio. Sorrio porque em mim tudo é lembrança.
Vejo nas manhãs, o olhar de mel, e sorrio…
Sorrio como se te bebesse as lágrimas felizes e doces,
e sonho-te…
sonho-te prolongada no dia,
no dia em que grito este amor que trago comigo,
e danço! Também danço…
Danço a melodia do nosso amor,
e sinto-te o corpo no movimento escrito nas minhas mãos…
e sinto-te! Também te sinto, meu amor!...
Vejo-me conduzida na brandura enlouquecida,
nos passos apressados dos sentidos inteiros,
e abro… abro o corpo e a alma para te amar!...
Hoje, canto-te.
Canto todos os ventos
que te trazem na melodia deste amor intenso,
e guardo-te no regaço branco que te abre todas as portas!...
Alice Vaz De Barros
Fotografia do autor
Pudesse eu
Pudesse eu, andar pelas calçadas, olhar a transparência
dos gestos, no mistério que veste os dias.
Pudesse eu, vislumbrar em cada olhar, uma alma que se eleva,
leve e solta, desprendida de um qualquer olhar cego,
na nitidez dos silêncios e das palavras.
Pudesse eu, sentir na imprecisão dos dias a amabilidade
e iniciativa vestida de cuidado, como uma moldura de sensatez
e responsabilidade.
Pudesse eu, esperar a alvura do olhar em dedicação, na margem
de todos os caminhos da inconstância, sentir a esperança brotar
levemente, bem docemente, emancipada, voluntariosa e precisa.
Pudesse eu, desfazer as realidades desafiadoras,
na inexistência de todas as realidades que me rondam.
Pudesse eu, ver a bondade, na imensidão que se expõe
tão inacessível e arrepiante à voz da indiferença.
Pudesse eu, sentir a leveza de tudo e munir-me de certezas,
ainda que o vácuo da desesperança se levante.
Pudesse eu, deixar sair de mim esta criança inocente, segurar
na sua mão, fitar o seu rosto angélico, reerguer um novo existir,
e em novidade de vida, de peito aberto e afoito, receber em mim
esta quietude, num olhar longe de mim, mais perto de Deus.
Alice Vaz de Barros
Outono
Dentro deste outono que amadurece aromas e veste de esperança as sombras de todas as madrugadas, ergo as mãos ao céu em gratidão, e sinto o cheiro da terra molhada vestir a mãe natureza de fragrâncias inebriantes, que são como hinos a fazer ferver as emoções, festejando a vida.
(Alice Vaz de Barros)
Toco a textura aveludada do pensamento e desço a avenida
O dia acorda e espreguiça-se num bocejo trémulo, as minhas mãos tocam o meu rosto, como se ao tocar-me fossem abençoar-me, e o toque das minhas mãos fosse o milagre da vida.
Faz tanto tempo que me vejo assim, como um milagre, todas as manhãs quando me olho, me levanto e comigo me encontro neste lugar de silêncio, sinto a paz que me envolve, os sons dos pássaros lá fora, são uma sinfonia aos meus ouvidos, anunciando o esplendor da natureza, enquanto o vento sacode as copas das árvores eu deixo-me ficar neste lugar mágico, aonde inspirar e respirar é como viajar e saborear os sentidos, é como beber o néctar da existência e degustar lentamente este cálice, num brinde a mim mesma em contemplação!
Toco a textura aveludada do pensamento e desço a avenida, como quem busca um caminho e toco as paredes das fachadas, como se ouvisse os sons por entre as paredes, e o bulício da cidade me convidasse a entrar e a sentar para ouvir outras vidas e outras histórias.
Em cada olhar, os meus passos dançam em sintonia com a textura das calçadas, cada passagem é uma coreografia íntima com a cidade.
As fachadas, são como as páginas de um livro urbano, revelam histórias ocultas, e eu permito-me ler por entre as linhas do concreto, absorvendo as narrativas que o tempo gravou. O bulício da cidade torna-se uma sinfonia, convidando-me a participar.
Ao sentar-me encontro outros capítulos, pessoas com histórias distintas, e em cada conversa, tecemos uma tapeçaria de experiências entrelaçadas.
Neste ritual diário, a vida desdobra-se numa poesia urbana, e eu sou a poeta, dançarina e ouvinte da minha própria história.
E escrevo como se viver fosse mais para além deste lugar, fosse mais para além da virtude de amar, e deixo-me ficar assim num vaivém a balançar o meu corpo ao ritmo desta melodia matinal que me envolve e me trás sempre cada vez mais para perto de mim.
Cada palavra é uma nota nessa sinfonia pessoal, onde a existência se revela como uma dança contínua, e eu sou a coreógrafa, moldando os passos no palco da vida.
Alice Vaz de Barros
Uma porta aberta de sensatez
Habito na sensibilidade das palavras,
Um retrato aberto na nudez do ser,
Uma porta aberta de sensatez,
consciência e liberdade.
Indecifrável caminho este que me apraz,
no mergulho afincado dos dias,
sorriso aberto na porta escancarada,
janelas de ternura cristalina,
coração ofegante em uníssono,
e há vida, vida por viver,
na moldura dos meus olhos
a beber os teus.
Alice Vaz de Barros