Regressarei quem sabe
Regressarei quem sabe
Feito balão lilás
Conchinha na enseada
Ou somente papel em branco
Onde me possas inventar.
© Célia Moura (a publicar)
Tu és a prece que já não sei dizer
Tu és a prece que já não sei dizer,
Os olhos que sei de cor e não recordo
O sabor de os beijar.
Tu eras o bandolim e o banjo
Que eu quisera caminho,
A guitarra onde sempre me enrosquei
Como mais um acto inacabado…
Tu eras a mais elevada torre,
O poema de brocado vestido
Última rendição.
A girandola do tempo
Somente nossa,
Esse além de sermos dois
E nos contemplarmos um só.
Puta que pariu para nós!
Hoje contemplo entre uma taça de vinho
Teu semblante,
Esta rosa branca falmejante de luto
Adornando minha secretária
Onde escrevinho e digo tudo
Como os bêbados em redor da mesa de uma tasca
Porque estar lúcido
Essa sim é a maior embriaguez
Nesta enfermaria universal de loucos!
À merda com a rotina e toda a «normalidadezinha»!
© Célia Moura, 31.V.2016
Dia Internacional Da Mulher
No dia em que a Mulher se considerar digna de ser amada, não pelo seu aspecto físico, não para agradar a ninguém que não seja a ela mesma e se valorizar mais a nível espiritual, social e laboral, nesse dia em que lutar afincadamente pelo que é e não pelo que aparenta ser, respeito será para ela terreno firme, ainda que continue a caminhar de saltos altos na sua feminilidade.
Célia Moura, 08.III.2016
As Mães Nunca Morrem
Não,
As Mães nunca morrem!
Mãe é Luz acesa
Na imensa escuridão da noite,
É vida primeira
Na nossa vida,
Bandeira de Amor hasteada
Em todos os palcos, prantos e sorrisos
De nós.
Mãe,
É pele primeira, é sangue, é cordão umbilical
É grito de dor e alegria maior,
Sublimação das esferas,
Deusa de todas as quimeras!
Mãe,
Poderá ser primeira e derradeira palavra.
É fragata em alto mar,
Sobrevivente,
A todas as preces.
Ainda que se despedindo
Em seu último fõlego,
Mãe não parte!
As Mães nunca morrem!
Sempre no Inverno, na Primavera, no Verão e no Outono
Elas estarão acolhendo seus filhos pela mão
Plantando flores diversas em seus peitos,
Sussurrando sábios conselhos
Na voz da maresia,
Em cada gaivota que passa.
Mãe,
É, e será sempre teu cais de silêncio
Tuas mãos entrelaçadas na berma da Ternura
Desafiando o Tempo.
Elas ficam do outro lado,
Fiando memórias,
Tecendo a eternidade,
Aguardando-nos.
© Célia Moura – (A publicar)
Embriaga-me no frenesim
Embriaga-me no frenesim
do teu corpo
e não me deixes regressar
ao porto de abrigo
ainda que gritem
ventos de leste ou de nordeste.
Sou águia mutilada.
Deixa que sussurrem
entre as veredas,
pequenas rosas brancas
mum sorriso de Primavera,
silêncios
entre nossas longínquas mãos
de esperança
e as crianças que guardámos
no ventre de nós,
permaneçam naquele balão vermelho
que deixei fugir pela janela da cozinha
num dos primeiros prantos
no quintal dos meus afectos.
Embriaga-me de lua cheia,
êxtase ti
exila-me no perfume dos cravos
essência que nos pariu.
Só não me deixes regressar!
© Célia Moura – A publicar “Terra de Lavra”
No Corpo
No Corpo
Eu me puxo
Repuxo
Envolvo
Deito
Deleito
Revolvo
Embriago
Não ressaco…
Eu me viro, reviro
Choro, gargalho, sorrio
Rascunho a vida,
Deito fora
Busco outra mais bonita,
Troco de caneta
Para sair bem a letra
Nunca me sinto só
Mas olho à minha volta
E não tem ninguém do meu lado.
E quando tem,
Não me sinto eu…
Eu me revolvo no caminho
E falo com Deus
– Porque tudo é tão belo assim Pai e tão triste?!
E não cesso de O questionar, e me zango com Ele
Ainda que O ame ou respeite, nem eu sei…
Eu caio prostrada bem no meio das pedras
E silencio o grito inútil da dor
Me amordaço no corpo
Para me libertar no espírito
E uma vez mais resmungo com o Criador
Mas é cambaleando que renasço
É mutilada,
Jorrando sangue pela caneta
Que eu quisera bonita da vida.
Uma criança me pega pela mão,
Ela que eu nem sei quem é,
Confusão se instala neste cérebro louco
De tanta lucidez,
E como uma brisa fresca de Outono
Me beija.
O céu tem agora odor de alfazema e risos de andorinhas.
© Célia Moura – A publicar “Terra De Lavra”
Ao Zeca Afonso
Nossos baús de prata
Lançados á fúria das águas
Que a sofrida existência
Enlouquece,
Em qual jangada, sossegadamente
Repousam?
E, nossas vestes de jasmim
Emudecem
Percorrendo ávidas mãos,
Esmeraldas,
Áridas muralhadas polidas de decepadas palavras
Em sacrifícios de aves mutiladas,
Erguidas
Perante estandartes e alardes
De mentira!
Amanhece ainda o firmamento
Da Saudade
A roçar remanescentes veredictos
De sarça inspirados,
Corroendo arestas de matéria
Na raiz dos povos.
E tu que cantas
No teu canto,
Desafias-me a voz nas entranhas da esperança,
Abraçando o exausto fôlego de sempre
Num gosto de fel,
Vinho de desencanto!
Que nos importam os vendavais
Se celebramos a cumplicidade,
Quando a foz do riso e do pranto resvala
Prenhe de silêncio acoitado na carismática agonia
Das açucenas queimadas,
E a utopia
Ainda estremece o sangue da resistência
Plantado nas cálidas margens da Ribeira!
Grândola ainda floresce?!
Ergamos somente o rosto de Abril
Ao vento!
Celebremos beijos ao divino pó do chão
E perpetuamente cantemos
Imagens de paz
Nos mansos mastros da lúcida lealdade
Em febris searas
Lapidando na memória,
Tua imensidão,
Minha compulsão…
Irmão de Liberdade!
© Célia Moura , in “Jardins Do Exílio”
O Sal da Terra
Nós somos as vozes da jornada,
A erecção dos cravos ao som da guitarra, do batuque,
Pela madrugada.
Nós somos as mãos que gritam em mil gestos obscenos,
A desobediência que nos foi imposta
Nós somos o sal da terra,
O hino que ainda soa e atordoa
Incrédulos ouvidos
Trazemos a bandeira em haste
Herança de nossos pais.
Somos os trapezistas, os equilibristas
No precipício do vosso punhal
E se sangramos ainda é porque a máquina do Tempo
Nos não consumiu.
Nós somos o arado, somos a seiva
Somos os Homens da rua, dos apartamentos e das moradias…
Nós somos as vozes da jornada!
Nós somos a infâmia que se derrama na História
E vós sois nada!
Nós somos o pão amassado, partilhado à mesa da “pedra filosofal”,
Caminhamos na coragem rumo ao efémero Poder de vós,
Rosa dos ventos nos pertence
E a memória dos nossos avós rejubilará êxtase
Em qualquer recanto, aldeia ou cidade
Onde nossas mãos se esgueirem
Iluminando a Verdade como archotes.
© Célia Moura – A publicar “Terra De Lavra”
Anseio famintos
Anseio famintos
Os teus lábios
Quando minhas pérolas
Já rolam pelo mármore
E aquela música insiste
Em saborear rosas
Nesta vertigem dos corpos
Anseio qual fêmea
Em pleno cio
Ser somente tua
Amado!
Despir-te perante
Tuas mãos de antúrios
E dançar contigo
Entre vodka e incenso
O tango dos amantes,
Apetecer jangadas de maresia
Entre as pernas
E sentir-te (m)Eu.
© Célia Moura –(a publicar) "Hálito de Afrodite"
Que eu seja para sempre tua!
Que eu seja para sempre tua,
Fazendo e desfazendo
Indo e vindo como as marés!
Que sejas tu meu colo
De mariposa louca
Onde possa arder esta lava
Que me consome alvoradas
E toda a nossa casa uma fogueira
Dessa paixão onde ouso morder
Tua boca
Em vez da poesia…
Seja eu tua mulher e tua menina,
Teu demónio e tua estrela cadente
Rebolando-me em teu corpo peregrino!
Seja eu mais que uma amante,
Amiga
Cumplicidade nas asas do condor…
E quando eu, candelabro em estilhaços
Entoar minha lúcida loucura,
Que venhas e me amparando me faças sorrir
Uma e outra vez
Rodopiando Amor comigo pelo chão do soalho
Pendurando-me flores nos cabelos
Até me despertares,
Porque eu sou a maré que ansiamos
E o tempo é a cópula
De nos possuirmos
Sem passado ou futuro.
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© Célia Moura, a publicar “No Hálito de Afrodite"