Poemas, frases e mensagens de maria.ana

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de maria.ana

A noite que choveu insónias

 
Desarrumar metáforas
subir à tónica da palavra
abrir janelas a jardins de luz
e de vento

banir do poema as brumas intocáveis
da noite que choveu angústias
e insónias

[ movimentos circulares em areais vulneráveis
ausência amarga
a acender urgências ]

Sonhar brilhos de espumas
na rebentação das ondas

quebrar solidões
com relógios de sol
e panos verdes.
 
A noite que choveu insónias

Os rostos da espera

 
A luz não jorra
sobre os rostos da espera.
Verte-se em desequilíbrio para

estátuas suplicantes de movimentos nítidos
em espelhos de vozes alegres
e claras.

Que entrassem a cor e a água
e a solidão se dissipasse
nos corpos angulares e taciturnos.
 
Os rostos da espera

Semeador de infinitos

 
Deixa-me chegar perto.
Reinventar palavras antigas
e assumi-las
na primeira voz da manhã.

Magoada
talvez
cansada do silêncio do olhar
ou de um espaço inajustável
à epiderme da luz.

Tão frágil
a vida.
Um rio suspenso sobre a tela
a antecipar os braços fortes
do pintor.

Deixa-me pronunciar a cor
sem sobressalto
e deslizar um tempo vigilante
por dentro da raiz inicial.

Semeador de infinitos
poderás invocar o traço original.

Nascente e foz da utopia
movimento da voz
a crescer sobre as paredes da memória.

A aceitar o secreto e imperecível apelo da casa.
 
Semeador de infinitos

O teu mar

 
Amanheces instante.
Acorde de piano em ampla harmonia
com rastos de navios
sem horas de chuva às portas da noite.

Constróis pontes coloridas e atravessas o mundo.
O teu mundo
aquela dor extensa a resistir dentro de ti.
O teu mar
que parte e regressa a cumprir o ciclo
de forma plena
parte integrante do teu lugar a cada anoitecer.

O teu lugar.
Palavra lenta e transparente
cântico de embalar onde o coração repousa
e a movimentação da luz acontece.
 
O teu mar

Porto infinito

 
Nunca aprendeste os acordes de maio
desembrulhavas à pressa um sorriso
[ fechado ]
ator do que nunca foi
ou consideravas perdido.

Eu vivia na imensidão de pedaços de céu
embalava horas imaginárias junto ao rio
o olhar prisioneiro de um porto infinito.

Porque tudo o que eu queria era
o abrigo de palavras caídas
no silêncio de uma rua abandonada.

Como se uma só palavra pudesse
reabrir de par em par o tempo

só.
 
Porto infinito

Desconexão

 
A luz a entranhar-se
na lentidão da noite
derramada sobre o arvoredo.

Podia o silêncio acordar
e ser um murmúrio brando
uma paz interminável
a sussurrar eternidade.

E o tempo a querer ser
a voz de um tempo vivo
memória ou reencontro.

Pegar na palavra
e segui-la
como se fosse um sonho a acenar
um desejo a prolongar-te os gestos.

Soprar sementes nas manhãs
paradas. Exaustas. Doridas.

Convocar a imaginação.

Cair de pé.
 
Desconexão

Muros

 
A voz do trompete a gemer

na dormência da luz.

Poderá ser o grito da loucura a revolta da

dor

contra a inclemência do caos universal

a trancar o tempo da utopia.

Nos escombros da luz chora o trompete

e a solidão da criança no coração do olhar.

Dir-se-ia uma epifania amarrotada

um silêncio náufrago

cúmplice da salvação sem farol.

E os meus olhos cobertos de sombras devastadas

bloqueados por um mundo em dissonância

procuram um verbo que nos devolva as estradas do mar

e

num lamento de sangue partilhado

evocam fantasmas e demónios

uivos que me consomem

omnipresentes.
 
Muros

Até onde o olhar me sobra

 
Ajeito o espelho e deixo
que o tempo se desdobre em paisagens e destinos
até onde o olhar me sobra.

Dilui-se na lonjura o arvoredo
e é quase vã a esperança de encontrar
a margem da planura
onde
por esta altura
profundo e quente o silêncio cantaria.

Subtraio ao chão que piso o pensamento
e neste viajar entre espaços imprecisos
e pedaços de incertezas peregrinas
deslizo os dedos pela luz das madrugadas
ou memórias rendilhadas de charneca e neblinas.

Ajeito o espelho. O gesto é vagaroso e delicado
a consertar as horas
peça a peça
a (re)lembrar o tempo
que recomeça.

E é neste pó de verão que
hoje
eu prossigo o meu percurso.
 
Até onde o olhar me sobra

Entretanto, florescem os girassóis

 
A instabilidade dos espaços a desdobrarem
falhas e desabamentos.

[ Versos inabitáveis corporizam
luz-memória a desvendar madrugadas. ]

Mãos cansadas aguardam um tempo de permeio
oculto num ponto de partida
onde o céu me sabia de cor e sonhava as flores da utopia
que tempestades secaram.

Nada sei do mundo
e aprendo com o sol as estações
que se renovam ou o movimento
das sombras que ascendem no horizonte.

Dentro do coração da palavra todas as
chaves serão minhas. O mundo
nasce lá fora alinhado no vento
das manhãs pintadas de fresco. O recomeço das cinzas
ou da viagem da alma
primeira guardiã do tempo.
 
Entretanto, florescem os girassóis

Imprevistas madrugadas

 
E talvez hoje me possas dizer

da passagem de uma luz generosa

em que te aceitas vivo e te confundes

com as árvores da manhã.

Caíram sobre o silêncio do rio

imprevistas madrugadas de primavera.

E tudo muda, o vento, o mar,

as terras alagadas. És tu a memória

do mundo, a pele das casas caiadas.

És tu o tempo do teu corpo, a raiz da tua

estrada.

És tu a folha branca e a palavra clara

em que refazes o chão onde tudo se aproxima

dos fascínios adiados dos teus olhos.
 
Imprevistas madrugadas

A fenda

 
Pergunto-me se essa tua
aparência de longe será
somente distância
ou sobretudo ausência

[ por detrás dos olhos ]

no interior de ti.

Esvaziámos as palavras dos significados
que nos resgatariam da fenda
no fundo do mar.
Já não temos ninhos
nem barcos de papel, nem pedaços
do tempo
dentro das palavras.

Habituámo-nos a não nomear
os incêndios
e tampouco sabemos se existimos
dentro dos nomes que pronunciamos
para que possamos ficar.
 
A fenda

Grande plano

 
O caminho é para onde o silêncio se veste de lavado
ou os dias reaprendem a viver
em plena primavera.
Abotoa-se a pele e evita-se a dormência
das janelas batidas pelo entardecer.
Saltam-se precipícios
ou corações magoados que nos
atravessaram parte do tempo.

E continua-se a ser futuro.
 
Grande plano

Apetecia-me chamar-te para dentro de um abraço

 
Para te sentires vivo
rasgas a tua pele desamparada
e sangras de solidão.
E a solidão dói.
Saber que atrás de uma rua vazia
virá outra rua vazia.
Que um som de passos
será somente o som dos teus passos.

É provável que num cruzamento
de águas
os teus passos escutem a memória
de um horizonte perdido onde as palavras
tinham a determinação da luz.

Dentro dos teus olhos existe um lugar recôndito
habitado por uma vida inteira.

Apetecia-me chamar-te para dentro
de um abraço
porque sinto que as tuas lágrimas
estão a secar
a deslizar para dentro do teu sorriso.
Queria tanto entender os significados
que estão dentro dessas lágrimas.

Mas o vento é forte e a árvore fustigada.
A palavra desarticula-se num tempo embaciado
de espaços vazios.

E tudo se reduz aos silêncios que nos fazem
cerrar as pálpebras e descair os lábios
numa linha horizontal e ilegível.
 
Apetecia-me chamar-te para dentro de um abraço

Transcendência

 
O céu como temporal
sobre o atrito da rua lenta
enquanto escondo o frio
nas mãos
e aqueço as aves
nas palavras.

Todos os dias o sol
a nascer
e eu, ao canto da sombra,

[viagem adiada]

mudez estranha retraída na obscuridade
dos olhos.

Talvez me aguarde o tempo
de transcender numa metáfora
a trajetória
de um corpo quebrado, ofegante
depurado na dimensão triangular
da claridade

e aceitar como um incêndio as águas que caem
por dentro do silêncio espesso
de vozes mutiladas.

Hei de, quem sabe, regressar à memória de Deus
lugar e tempo
que me dói, e que me dói, na chama
que se apaga na sala
e, secretamente insubmissa, me reclama
árvore, pássaro, alma, apenas

seja na ilusão de urgentes nuvens incandescentes
ou na espera incerta da projeção da luz
como imagem da casa.
 
Transcendência

… a espaços

 
às vezes sobram-me espaços
entre a voz e o interior da luz

o corpo
indizível
entre musgos e espigas
e as mãos
imóveis
caídas ao longo do sonho

depois
a entrada do olhar
na anestesia dos rios

e a nudez da memória

em queda

cativa da noite
e das marés do tempo áspero

singrando esperas
no silêncio das aves.
 
… a espaços

Texturas

 
Vejo a tarde
nas ruas lavadas do silêncio

a distância imutável das searas
a embalarem o tempo.

Os contornos desarrumados que me habitam
a melancolia a sublinhar-me a curvatura dos ombros
ou as palavras onde me abrigo as horas.

E a contagem crescente das coisas
que me dizem de ti.

Sempre soube das linguagens desencontradas
que nos perderam no vazio

ou da dissonância das vozes
ao virar das páginas.

Basta-me agora o pouco da ilusão que
me foge

e me arrasta

a frescura da luz
diluída em janelas de ausência
a textura azul dos teus olhos na antologia da memória.
 
Texturas

Água e silêncio

 
Sem significado. Uma folha de papel branca

ou cinzenta

uma sombra

e um labirinto de traços vazios. Como o poema.

Como este poema. Vazio.

Tudo trémulo. As mãos. Os olhos. A voz.

A água a atravessar o silêncio.

Depois da vidraça

a rua antiga é uma

memória cheia. Luz.

E o poema

vazio.

Disse-te sim filha vai

e sê feliz.

E tu foste.
 
Água e silêncio

Um dia serei talvez na chuva esse lugar

 
Não peças mais. A incerteza
apenas
do tempo suspenso das esperas
essa luz tangencial
farol das grandes viagens
oásis de utopias.

Estarei

[ mesmo não estando ]

atenta e vigilante
contando fios de espumas
por detrás da imensidão do mar
ou do verde-longe da planície.

Nos olhos
a memória
a luz virgem das palavras.

Nos lábios
o reencontro
o rio
a fazer-se instante.

[ sente somente o fluir das suas águas ]

Um dia
serei
talvez na chuva
esse lugar.
 
Um dia serei talvez na chuva esse lugar

Pendular-me(nte)

 
Este estado de ser movimento pendular
dentro da nossa própria existência. Transitar
entre o silêncio e a harmonia

que murmura baixinho

como se quisesse segredar afagos
ou alguma forma de laços.

O silêncio a instalar-se ao meu redor
sufocando medos

ou a memória de uma longa história de amor.

Este estado de ser a (in)quietude do tempo
na noite que permanece.
 
Pendular-me(nte)

Ilusória é a sílaba que flutua

 
Fechamos os olhos e
entregamo-nos à transformação da palavra
alquimia
luz imensa de substância pura.

Escutamos a sabedoria do mundo
somos corpo na justeza do gesto
ou então imagens dispersas
promontórios que atravessam a noite
escura.

Percursos às vezes partilhados
na imensidão das horas
na penumbra já tardia.

Ilusória é a sílaba que flutua
abstrata sensação de abismo
sem verbo e sem forma exposta à fluidez
do (en)canto.
 
Ilusória é a sílaba que flutua