Sem título(85)
Eu quero escrever um poema que seja inverosímil
Eu quero alcançar o verso que te toque, que seja o verso irresistível
Eu quero o gozo da palavra na palavra incompreensível
Eu quero fazer do amor o acto irrepetível
Tu queres as minhas mãos no teu corpo susceptível
Tu queres na tua boca o beijo hipersensível
Tu queres fazer da minha vontade o querer imarcescível
Tu queres a minha alma no teu corpo invencível
Eu quero-te por toda vida imperecível
Eu quero-te na derrota da palavra impossível
Eu quero-te dentro de mim a meus olhos sempre visível
Eu quero-te sempre liberta e imperdível
Tu queres-me clandestino ou invisível
Tu queres-me sem me querer no acto exequível
Tu queres-me num imaginário quiçá plausível
Tu queres-me com medo do medo de tudo ser possível
Eu quero no gesto imponderável ser-te sensível
Eu quero não temer em ti o imprevisível
Eu quero ser por ti sempre tangível
Eu quero manter este desejo irredutível
Tu queres hesitar e fazer-te inatingível
Tu queres esquecer, fugir e fazer o inconcebível
Tu queres calar a palavra imprescindível
Tu queres em verdade saber-te impreterível
Eu sei da nossa imensidão indestrutível
Tu saberás que te sei inconfundível
Dionísio Dinis
Facilex Performex
Sob os pés
azul céu, sol refulgente.
A cabeça
Vulcão, magmática activa.
Coração ao largo, exangue
sem rota, divagante.
Navegante imprevisível.
Pelos pés, suspenso, alado
fusão solar.
Cabeça ventre, terra mater
eruptiva explosão,
lava , seiva fértil.
Coração, pacemaker
frio engenho, executor.
Nos pés, átomo solar
descoberta inútil
desprezível devir.
Sem cabeça, sem rodeios,
supra intelecto, génio imprestável,
decapitado, mais humano.
Coroado coração
cérebro ideal,
sem razão sem pensamento
emoção à desfilada.
Dionísio Dinis
Sem título(32)
Se eu disser calor
Falo o teu nome
Se inventar a bússola
Vou a norte de mim pelo teu norte
E gozamos a plácida planície
Ao sul ao sol
À sorte maior da nossa sorte
Dionísio Dinis
Ão Ão
O cão que morde
nas canelas do poeta
de lilases calças flamejantes
a horda raivosa vociferando
de infelicidades próprias projectantes
O cão persegue a cor
é um esteta
a multidão segue obtusa
Intolerâncias
prenhe de invejas e quiproquós
globais obesos escravos
Redundâncias
O poeta morde o cão
numa orelha
vão ambos em perfeita comunhão
mordendo com gosto
a ordem velha
dentada após dentada
Revolução
Sem título(33)
Sonho,
Digo o teu nome!
Não sonho,
Procuro-te!
Acordo,
Digo o teu nome!
Adormeces,
Nos meus braços!
Rio,
Digo o teu nome!
Choro,
No teu consolo!
Quente,
Digo o teu nome!
No frio,
Aqueço-te!
Sempre,
Digo teu nome!
Nunca,
Te esqueço!
Alto,
Grito o teu nome!
No silêncio
Sussurro-te!
No fogo,
Digo o teu nome!
No gelo…
Sol!
Ao sul,
Digo o teu nome!
No norte,
Encontro-te!
Hoje,
Digo o teu nome!
Amanhã,
Ouso mais!
Acordo,
,
Digo o teu nome!
Na noite…
Juntos!
Amor,
Digo o teu nome!
No sexo,
Amo-te!
Dionísio Dinis
Sem título(39)
Eu tenho na ponta da língua
O corpo inteiro da palavra
Sabe-me na língua
As letras soberbas do teu corpo
Leio-te no âmago
Decifro-te no sabor da minha língua
Sei o mundo de ti
No saber da minha língua
Sabes da minha língua
O bom saber do meu sabor
Posso dizer
Sexo
Ânus
Beijo
Seios e seios
E a saber de ti integral
Posso saber a beleza de ti
Na ponta da minha língua
Sei da minha vida
Sei de mim
Sei do que urge fazer belo
Sei fazer o teu corpo mais belo ainda
Na ponta da minha língua
Na ponta da minha língua
Desenho o abraço à nossa medida
Faço o rio sereno e revolto
Oferto-te um mar de vida
Na ponta da minha língua
Sou a verdade de nós
Na ponta da minha língua
No recôndito do teu corpo
Na verdade do nosso desejo
Na ponta da minha língua
Construo-te de novo
Reergo-te em êxtase
Na ponta da minha língua!
Dionísio Dinis
Sem título(37)
Que falem tudo de mim
Mas que não falem por mim!
Que se obriguem a tudo
Mas não me obriguem a mim!
Que se calem covardes
Mas não me calem a mim!
Que usem sem pejo a mentira
Mas deixem-me a verdade a mim!
Que vivam de olhares emprestados
Mas deixem o meu olhar em mim!
Que façam amor não amando
Mas deixem-me amar a mim!
Que castrem vossas vontades
Mas deixem-me ser livre em mim
Que vivam eternidades
Mas deixem-me morrer a mim!
Que siga tudo conforme
Que eu já passei do meu fim!
Dionísio Dinis
Sem título(77)
Não sei saber a diferença do vidro mastigado
Nem quero saber da ressaca do vinho vomitado
Todo o vinho barato esvai-se na miséria dos homens impotentes
Todo o amor questionado tem a absoluta graça
Na graça de todos os Nobeis de economia e de todos os futuros Nobeis
E tenho a puta da fé de brindar ao Nobel do amor
Ainda hei-de brindar ao Nobel do amor
Amanhã vou comer melão com jarros de vinho barato
Amanhã como pão de terceira
Hoje parto tranquilo
Amanhã as mulheres serão pássaros objectivamente livres
Amanhã estou serenamente olvidado
Amanhã presto homenagem à minha ausência
Dionísio Dinis
Sem título(92)
E se disser que te amo
Na palavra insuflada pelo ar que respiras
Pelo ar que me dá vida em tua vida
Pela palavra nas palavras que me fazem respirar
E se disser que te amo
E se disser que te amo
perdendo-me na luz vulgar de todos os dias
Doando-me na demanda da luz emérita que de ti provém
encontrando-me na fonte de claridades do teu ser
Sabendo-me cúmplice em tuas noites declaradas de amor
Tornando-me raro pelo amor que me destinas
Invulgar é o meu amor p´la razão de te saber em razão maior
E desmesuradamente ajustada é a palavra nascente na voz do teu peito em que respiro
E sempre renasço se disser que te amo
Se disser que te amo
Saboreio-te na palavra e no acto transparente da palavra transpirada
Decanto o rio livre no mar selvagem
Decanto-me na verdade do teu sol
Sacio-me na verdade do teu ser
Revelo-me quando me tanges e atravessas sabiamente o meu âmago
A veracidade de nós está no corpo a corpo da nudez
No orgasmo da palavra que escrevo em teu corpo
No teu êxtase fulgurante de jardins sacros e selvagens
Na loucura prodigiosa em que tornamos o último fôlego em primeiro desejo
E até na exaustão de me sentir exausto
Existo e revivo em teu amor
Se disser que te amo
Digo e sinto cabalmente que te amo
Se disser que te amo
Amo-te em mim e pelo teu amor também
Se disser que te amo
Se disser que te amo
Gritarei pela cidade que te quero
Falarei às flores da tua beleza ímpar
Cantarei com todas as aves os hinos que mereces
Serei a força indómita de todos os mares
Serei por ti e para ti
Serei para seres bem-aventurada
Serei em ti porque te amo
Se disser que amo
Dionísio Dinis
Sem título(98)
Não quero filosofias nem poemas que falem da natureza das coisas,
como se a natureza das coisas fosse abstracção matemática
ou grandiloquentes metáforas cheias de coisa alguma.
A realidade de mim ou da árvore que me abriga
é apenas a visão ou o sentir da sua beleza e do peneirar do sol, dos ventos
nas suas folhagens, direi apenas que são ventos ou talvez música da floresta .
Por mais significados e mil palavras inventadas, não lograrei explicar-me para além do
que é a minha essência, nem farei mais real a árvore que me abriga de todas as
intempéries.
Da verdade das coisas e dos seus nomes, limito-me a saber sentir o que agora é meu
merecimento, e não profanar o íntimo das coisas e dos seres, é saber mais do que posso
merecer enquanto vivo.
Basto-me sem filosofias nem poemas, contento-me no acolhimento da árvore
sem querer saber mais do que ela é, sabendo apenas que as suas raízes tomam e
renovam incessantemente meu ser.
Saber disto tudo, sem saber de filosofia nem de poesia, poderá ser coisa pouca, poderá
ser quase nada, mas eu que sou de viveres simples, deixo-me a viver em contentamento
de saber que da floresta, fui bafejado com a mais bela das árvores.
Dionísio Dinis