brincar no teu corpo
uma casa para quê
se é no lar do teu peito
que quero morar
e por lá guardar
os meus brinquedos
do meu tempo de criança
se me ousas abrir a porta
permite-me sair
de vez em quando
para brincar no teu corpo
adormeço nos tentáculos de m’alma
à beira da praia
sinto o pensamento dos rochedos
e em meus lábios arde a flor de sal
recém-chegada da noite
escorre pela garganta seca de silêncio
a inundar o meu corpo de areia
tentando cobrir esta solidão
da sua incapacidade de expressão
e nas ondas surge um vazio
de uma concha fóssil secular
a rasar a vastidão do mar
onde ferve um tempo reprimido
entrego-me ao fundo do oceano
para encontrar outra luz outra vida
suspensa na densidade das águas
aconchego-me nos limos e nas algas
e preso na rede dos meus sonhos
adormeço nos tentáculos de m’alma
eu estou lá fora
sinto-te perdida nesta vida
viras as costas à tua alegria
e ao amor não sentido ainda
sinto o teu corpo em lamento
uma solidão presa num gemido
no grito que me traz o vento
qual dor qual sofrimento
de um olhar já tão dolorido
de tão sagrado sentimento
recorda - amor - este momento
deste sentir a te sentir agora
num suave e breve fragmento
é hora - tenho que ir embora
eu nunca quisera ser violento
com a tristeza que em ti mora
a alegria de mim é o teu alento
abre a porta - eu estou lá fora
PIANO EM TARDE DE CHUVA
Acabo por negar
teu rosto
e neste encontro
recolho teu corpo
nesta tarde de chuva
Serpentes loucas
filhas das gotas de água
comungam a minha sede
e a tua nudez me espera
na janela do provir
O meu pensamento
agitado de silêncio
ouve ao longe
as notas do piano
de Pour Elise
Mas, os meus olhos!...
Os meus olhos bebem
o mistério da ilusão
Um cálice sussurrante
e quente de solidão
a penetrar pela garganta
na voz da razão
A chuva que cai
vai escorrendo pela janela
e vejo teu rosto nela
tentando limpar
meus pecados.
E o piano toca
e nunca mais acaba…
Imagem © Lora Palmer
era preciso este vazio
era preciso este vazio
eu tive que morrer
para voltar a viver
voltei por outra porta
ainda não me reconheço
ainda não sei quem sou
apenas sei que aqui estou
mesmo que não exista
já na outra vida
e aqui estou
à espera de morrer de novo…
vá, chamem por mim….
- mas com cuidado para vir devagar
eu não sei se vim pelo mal
quarta-feira (de cinzas) - (parte iv)
passaram por mim
as três estações
contemplo agora
nas paredes do meu sonho
as telas onde tu
um dia surgiste
és um branco invisível
acariciado pela neve
onde o sol
por entre ramos de árvores
tenta iluminar o teu reflexo
e eu queria tanto deitar
a tua insustentável nudez
no colo da sombra deste amar
de quão frágil solidez
a neve aquece certamente
e a sua água correrá fluente
da nascente da tua imagem
o teu corpo
é levado pelos rios
de outra
primavera verão ou outono
assim como sucede
aos fins dos dias do entrudo
(tantos como as três estações)
ó quisera eu ter sido brincadeira
deste carnaval
as telas pintadas à minha maneira
mas tudo me correu mal...
começa hoje a quaresma
vou procurar redenções
para a minha pecadora alma
deste meu desejo carnal
enterro agora a tua gravura
e não alimento mais recordações
só esta estação de inverno
com o seu intenso frio
ainda não terminou
tudo o resto acabou
o carnaval em fim de dias
e as minhas quatro poesias
em quarta-feira (de cinzas)
Devido as imagens poderem ter conteúdos suscetíveis de ferir sensibilidades as mesmas não foram publicadas. poderá ver o poema com a respetiva imagem em http://afacedossentidos.blogspot.pt/
HOUVE...
E a chuva recomeçou
com ela veio o vento
os relâmpagos e trovões
como quem resmunga comigo
em oitavas superiores
de agudas sinfonias
numa ansiedade
infrene e desastrada
Agora, tudo são escombros
que carrego aos meus ombros:
de um outrora coração
que te penetrou
e um corpo que te amou
E entre um silêncio
e outro te sonhou
num tempo que já passou
E a tua imagem embaciada
esboça a palavra branca
de uma quase saudade
e de irrisória dor
E vi uma luz vinda do céu
Seguida de um bramido
Que se espalha na cidade inteira
Será revolta ou será sentir?
A chuva desaba mais intensa agora
Talvez seja das lágrimas
que vêm com o cair das águas…
Imagem retirada do Google
POETA PEQUENO
Cansei de procurar as palavras
no silêncio musical da minha solidão
tenho comigo a cuidado outras almas
não posso de mim falar - mais não!
quem me quer assim, assim me poderá ter.
A todos os outros eu digo, embora em vão,
que não sabem sentir o que sei escrever.
Eu sou apenas aquele poeta pequeno
esgotei as sílabas, os vocábulos, a saliva…
mas nunca, nunca padeci a pedir esmola,
no pronuncio de sinónimos elaborados,
rabisco ao tirar as palavras de uma sacola.
Sou o caminho pisado pelo teu olhar
um anjo por ti expulso em tempos distantes,
o pão que tu nunca me quiseste dar
(a barriga cheia são para os grandes)
Sou apenas um poeta sem poesia
que um dia se atreveu a sentir a vida…
A palavra tem a força que a queiras dar
os sentimentos são para os poetas pequenos.
Não levo comigo as palavras - podes respirar!
espalho-as por ai ao vento – podes imaginar!
Eu vou demorar, irei ficar nos meus momentos
que enchem, sem estorvar, todos os meus silêncios…
Dedicado a todos os poetas que se sentem pequenos como eu.
A todos os meus amigos que, com grande carinho, me têm acompanhado e a todos os demais que me lêem, eu peço as minhas desculpas, mas preciso de me refugiar, por uns tempos, no meu silêncio….
Imagem Misha Gordin
A TI
Eu não te consigo amar
(nem tão pouco entender)
abriga-me dentro do teu silêncio
para eu te poder decifrar
Imagem © Leanne Limwalker
a cor dos teus olhos na minha íris
o silêncio sonhou as sombras de ti
nas formas da tua imagem colorida
na memória que se manteve viva
de um certo dia em que eu te vi
agora o silêncio apenas grita a tua vida
nas linhas pretas e brancas do teu perfil
esqueceu-se de ti - partiste nesse dia
apenas recorda a primavera - era abril
as cores do por do sol da lua e o mar
o silêncio nunca as consegue esquecer
(sempre serão lembradas por um olhar)
mas cala-se quando vê uma cor morrer
não foi uma cor do expetro do arco-íris
foi a cor dos teus olhos na minha íris