In Extremis
Há inquietantes cheiros no ar, fragrâncias intensas que nem a chuva consegue levar.
Cristalizações de plasma vivaz. Que cheiro adocicado, cadaverina negra flor de lírio.
O perfume desenha a leveza do desespero, que tem o brilho,a dor, o desejo.
Dou comigo às voltas na cama. Caio no mais profundo de mim.
Hoje é dia de exorcismo.
Confesso: “ Tenho uma amante”
Tento resistir, mas não consigo, não adianta, não quero.
Só de olhar para Ela, a sentir, uma dor trespassa alma.
É linda, poderosa, deixa-me completamente indefesa.
Seu encantamento é tão grande que me apetece ser possuída, ali mesmo, a todos os instantes.
Sentir seu frio, sua pele alba, sua língua vagarosa.
Quero-a, Quero-a.
Hoje percebi, que não consigo mais esconder este meu adultério moral,
Podes julgar-me. Estou aqui.
Entendo a natureza humana como incompleta, um puzzle no qual por cada peça colocada, revela duas em falta e quanto mais amo, mais preciso amar, ser amada, tu não?
Ela ama-me. Com toda a força que não tenho, como nunca ninguém me amou.
Está comigo desde o meu primeiro momento de existência mortal, nunca me abandonou.
Conheces alguém que esteja sempre presente onde estiveres? Eu não, mas ela está.
Quero-a só para mim. tenho ciúmes. Sei que ela é me infiel, a todos seduz, a todos quer e, no final ninguém a consegue negar.
Seu nome?
Queres saber o seu nome?
Morte, conhece-la?.
E Agora?
(se até ao final do dia
não estivermos unidos
morreremos sós.)
está bem, é dia!
e agora?
se até agora ainda não possuíste todo o meu amor.
sei que sou duas vezes louca
por te amar e por dizê-lo
se só agora te vi assim adormecido,
sorvido de rústicos prazeres
ou ressonas na cova da imensidão?
e agora?
diz “bom dia” às nossas almas que acordam
e que por medo do agora,
uma à outra não se contemplam.
deixa então que agora,
o meu corpo reine um pouco mais, agora!
viaje, se hospede no teu
arrebate, intrigue, possua e esqueça
pense o até agora sempre pensou
que nunca nossas almas se tinham conhecido.
...e agora?
Quando levantas a cabeça, estendes o cabelo molhado ao sol...
quando levantas a cabeça
estendes o cabelo molhado ao sol
junto aos gerânios acesos no parapeito da janela
tudo se move.
não há tempo de ir regar, recriar as rochas
as avencas, as dunas, as ondas sempre diferentes
a cada momento que não se extingue
parece prolongar-se
sempre que levantas a cabeça
estendes o cabelo molhado ao sol
junto aos gerânios acesos no parapeito da janela
as pequenas vagas esfrangalham-se por dentro
a marulharem ao longe no fundo azul da manha
sempre diferente que te vestem de poemas
quando levantas a cabeça
estendes o cabelo molhado ao sol
junto aos gerânios acesos no parapeito da janela
o escutar na falésia as cigarra e os corvos do mar
o som das areias que o fogo dos teus olhos faz renascer
é um universo estranho que o meu mundo acresce
sem perguntar porquê que acontece
quando levantas a cabeça
estendes o cabelo molhado ao sol
junto aos gerânios no parapeito da janela
Toco-te e mesmo assim não me pareces real.
Só odeio-te muitas vezes
O teu corpo quando anda nu
contorce-se todo por cima de mim
fode até não foder mais
Parece punhos fechados
a latejar nas têmporas.
Só quinze minutos
um quarto de hora
a acenar gestos mudos
a abrir a boca
a cuspir sílabas molhadas.
Formam palavras
gemidos
mentiras
Que foi treinando em silêncio
Nosso silêncio, diga-se
debaixo da pele
debaixo das penas do edredão
debaixo…dentro… por cima…lado…fora.
Ninguém irá culpar o teu corpo por o ter deixado entrar
Quanto mais ter oferecido o meu corpo e o pequeno-almoço.
primeira âncora
minha mãe nunca teve um livro de bebé atado com fitinhas,
a madeixa do meu cabelo encaracolado numa caixa.
esses artefactos espalhados nas estantes
semelhantes a um bigode postiço
que se desintegra lentamente ao último ninar da saudade.
minha mãe, fitou.me tantas tantas vezes ao adormecer,
através dos acostumados buracos do meu berço
décadas e décadas num quase suspenso cenário indeciso,
a ordenarem.lhe a ficar quieta.
minha mãe nunca respondeu às quantas vezes lhe perguntei,
o que fazia ali soprando cristais estando eu,
a sua menina sob o vidro ao centro da redoma
que tão sabia artesã soube transparecer.
minha mãe, se calhar projectava umas quantas molduras sílicas ouromentadas
que hoje olho com desdém e de olhar lapidado,
aqueles sombreados dos meus antigos caprichos capichados,
ou aquelas perguntas bruscas sem sentido de querer.
minha mãe,uma casa de absoluto no caos premeditado
desprovida de ferramentas aos meus muitos quantos anos de fruta imatura que não podia possuir
e que agora madura não estou certa ter.
minha mãe
minha mãe
avistando para além do horizonte e das ondas um futuro
a nenhuma das duas pertenceu,
a não ser a um magro presente de dois meses de doença
e essas feições tão serenas sobre as minhas,
e eu a fingir adormecer.
minha mãe, a minha mãe, nunca teve um livro de bébé atado com fitinhas.
Prometi, Prometeu
prometi morrer antes de mim
mesmo sabendo que só se morre uma vez,
aos pedaços.
aqui estou eu, doente, muito doente,
a morrer um pouco todos os dias
comungando diariamente as crostas de sangue ardente ,
em extrema-unção da alcova.
e esta noite, adormeci, com as mãos cruzadas
para abraçar a minha alma dolente
por um formigueiro gravado na movediça pedra do sono lento.
embrulhou-me e nenhum corvo estremeceu a minha ossada
dentro da noite que prometeu roubar o fogo de Zeus,
mesmo sabendo perder, o coração em fogo alheio.
e quando caíram as lágrimas do tormento salobro
arderam os meus olhos frente aos fogaréus.
Prometi então escrever um nome a línguas de fogo
e se esquecer o meu , não faz mal.
é assim que os esquecidos ascendem antes de morrer.
E o diabo que me carregue
Não há qualquer desordem visível, qualquer ordem passível, nenhum crime, nenhuma lei contra a súplica primária, mas nada é garantido, nem mesmo a minha fé. É evidente que não se pode consentir que isso aconteça.
Eu não quero ser sanguinária, lunática, homicida, suicida quando é suposto, apenas, por uma margem de erro: nascer com o pecado original, “foder” e morrer sem pecado.
Pois, que mais inocente, que nascer um filho a uma virgem Maria?.
A razão é impotente e agora nem o compromisso poético funciona nessas histórias de encantar.
Eu não sou encantadora nem tão pouco pecadora, mas que venha um deus para me salvar, um deus tão igual a mim quanto possível, capaz de me entender, que não seja obrigado a esperar para ver o que eu faço, é que estou fartinha de esperar.
É certo que tem havido uma certa harmonia entre eu e o meu deus, eu gosto de pecar e ele gosta de perdoar, talvez goste de divertir-se à minha custa, e eu às custas dele, mas porque diabo goza comigo? Faz-me esperar por coisas que diz que faz?? e espera por coisas que eu não consigo fazer.
Tenho procurado ser boa, tenho trabalhado como uma escrava, até quero que toda a gente “foda” que é coisa aprazível e recomendável, não faço sexo há vários dias e depois é o diabo quem me carrega.
haja dó....ré..mi...fá...sol ..lá...si...dó
Intervalo da Apoteose
Vim para...
ingerir-te
desossar-te
saborear-te
como uma cerveja estupidamente gelada
que escorre por mim abaixo num final de tarde de verão,
ao ver-se lá ao longe
bem por cima da linha do horizonte o sol a copular.
Vim para…
nadar na espuma do teu corpo
molhar os lábios na tua sede
partilhar um beijo numa bebedeira
enrolar teu corpo na areia
deixar cravado na tua pele,
o hífen de vitória
com um sopro triunfante de quimeras navegantes
por terras distante na proa de uma nau.
Vim para…
socorrer tuas bandeiras de sal
engessar teu pranto
saturar tuas agonias
embalar-te nas ondas quando clamas sono e paz
apertar teu abraço como me apetece fazer agora.
mesmo que seja a bracejar
mesmo que seja brejeiro o gesticular
ao insinuar
ao proclamar.
Vim…
Naïf
os pássaros querem lá saber
lá no alto vão à vida
querem lá saber
do senso afago que gera a memória dos mortos
abrem caminho lá no alto
voam mornos sempre em frente
corrigem os voos de vez em quando
com um certo ligeiro de quando em vez
o vento que não lhes é favoravel.
Alguns encontrarão seu ninho.
Entre vulvas de mel um veneno expia-te
Uivos na noite longa
aproximam-se do meu leito,
em deleite, com luzes em punho
incendeiam meu corpo vestido
de poros quentes
sob as penas do edredon.
És tu que me chamas!
Quando a folha tomba do plátano,
um trémito sacode o húmus do cipreste.
És tu que me agitas!
Olhos invisíveis no meu peito tocam
fixando-me no ponto fixo do espelho
onde o relance mais denso do fruto maduro arde.
És tu que me fitas!
Mãos inquietas
inscrevem assimetrias do desejo
não há membro, nem ponta de carne
ou átomo da alma que não tenha
tua impressão digital.
És tu que me queres!
Em vértebras guerras, faz-se paz
com suaves toques de loucura
que saem directos ao cortex.
És tu que me penetras!
Não mais meus pés pousam no chão
Não mais pesa meu corpo no ar.
És tu que me atravessas!
E, levas contigo, por entre vulvas de mel
guardadas à sombra de um sacrário,
o veneno que te expia
numa vertigem obscura
que é só tua.
Esse veneno sou eu!