Ah! Como queria ter um belo barquinho
Ah! Como queria ter um belo barquinho
De nylon e mármore inacessível
Para passear sozinho se possível
Numa imaginação só minha de anjinho
De poder reviver em ti sem destino
A inocência só minha e sensível
De outras eras onde era invencível
E lutava com uma espada de menino
Ah! Como desejava ter uma nuvenzinha
De algodão e granito uniformizado
Para ver aquele céu tão desejado
Longe desta angústia, minha vizinha
Mas sem nada disto, ter em mim
Sei que sou mesmo o que não sou
E que tudo teve por excelência um fim
Antes de ter por certo o trilho para onde vou…
António Plácido
EU SOU AQUELE
Eu sou aquele que te ama, de amor decente
Sou aquele que te espera no horizonte
Junto das rosas, perto da antiga fonte
Onde a lua viu o nosso beijo de frente
Sou aquele q’te espera no digno monte
De braços abertos e não impaciente
Sou aquele, aquele do amor ardente
O tal que tu bem apreciaste de fronte
Sou eu sou,um presente tão passado
Um beijo dum cravo arremessado
Um lutador sem espada, (assim sou)
Alguém que um dia muito te estimou
Este sou eu, um destino já traçado
Um amor perdido, naufragado…
Eternamente Luís Camões
AS FLORES DO ARCO-ÍRIS
Flores lindas,flores belas,flores de beijo
De amenos ventos e bálsamos ardentes
Pasmem da minha alma estas serpentes
Que me abalam por um utópico desejo
Flores bem-parecidas,boninas que vejo
Na Vera de pétalas coloridas e salientes
Em arco-íris pintados em várias vertentes
Quando à visão me escapam,eu praguejo!
Serranias justas,rio grisalho e sortudo
De temperamento lânguido e cor de aço
Enaltece por salpicos o teu grito mudo
Heras infames,Heras sólidas de escuro laço
Libertai-me desses laços ornados de veludo
E de baços arco-íris,traçados no seco espaço...
Levem-me as palavras,deixem-me a saudade
Levem-me quase tudo
As palavras, as espadas
As mágoas sonhadas
Os feitos e feitios, o estudo
Mas a saudade, não!
Porque essa vem da alma
E por vezes do coração!
E por vir de onde vem
Não é fingida, mas sim sentida
Sentida por quem a tem
E não por quem a finge ter escondida
Num lugar qualquer da vida!
Deixem-me a saudade
Porque essa sim é leal!
As palavras não o são
Porque o que disse agora
Desminto, quer passe ou não uma hora
E o que do coração vem ,não!
Eternamente: Luís Camões
OPULENTOS E ESTADISTAS
São ratos, ratões e são ratazanas
Os engravatados polidores de capital
Embebidos num altivo nevoeiro ideal
Pisam e repisam as almas humanas
São Biltres, velhacas e são profanas
Estas imitações andantes do surreal
Pensam que são uma quimera fatal
Ou um molde de gente de sãs ganas
Pelintras esfomeados, famintos e sôfregos
Por polir a dedos pequenos metais valiosos
De os pôr nuns pecúlios ignóbeis e Lôbregos
Vendem-se como altivos e fracos orgulhosos
Bonecos movidos à força do bago dos labregos
São vigias das portas do Mefistófeles pavorosos…
António Plácido
SATISFAÇÕES INSATISFEITAS
Brotam diversas e fortes flores
No meu imenso e fértil jardim
Umas não as desejo para mim
As que aspiro provocam dores
Mas por essas sofro de amores
Marcantes,mas mesmo assim
Considero-as flores de jasmim
Tendo por vezes letais odores
As ocas e sem doces perfumes
Causam sentimento estranho
Provocador de alguns aziúmes
As completas e perfumadas
Originam satisfações insatisfeitas
Por isso são por mim tão amadas...
Luís Camões
A MEMÓRIA
A linda manhã,tranquila e boa
Não ilumina mais estas vertentes
Tão frias e húmidas,não sentes?
Por agora já só a dor dorida soa
Meu coração em sofrimentos voa
Por encantos entre alvos dentes
Que a mim agora são tão oponentes
Levai-me Deus à linda e pacata Goa
Fingi-me este penoso sofrimento
Que voltem as lindas e sãs manhãs
Destas com a sua falta me lamento
Volte o sol aurorescer nas lindas fajãs
Que se finde este cruel tormento
Voltem a ser algo,deixem de ser vãs
António Plácido
AS FLORES DA VIDA
Num deserto de escassas e rudes flores
Escrevinhei um sentido lúgubre soneto
Embebi-o em esferas vivas de cianeto
Para esquecer contornos tão tentadores
Dei-lhe a rima dos vis e torcidos amores
E a saudade daquele meu frágil neto
Pensarei nele com muito amor,prometo
Espreita-o se inculto e capaz fores
As letras cruzam-se como tontas cobras
As hipérboles e metáforas devoram-no
Arruinando estas claras e belas obras
O poeta...como seu criador vêem-no
A vida é disposta nelas em miúdas sobras
Tão inúteis e extintas vos parecerão,oh leitores!
Luís Camões
AS DOZE HORAS DE VIAGEM
Batia a chuva languidamente na veneziana
Como se ansiasse fazer-me companhia
Naquela noite sozinha, entorpecida e insana
Segregava um fundido relâmpago de alegria
O ar cheio de um bafio a sôfrega penúria
Encardia a fachada de uma sombria bastilha
De onde por vezes se ouviam certos gritos de fúria
Oriundos de certos espectros irados como uma matilha
De repente uma linda poluição pairava no lívido ar
Quebrando a esfera da solitária e doída tristeza
Era uma miragem talvez… mas que cruel beleza
Um fruto tão maduro e talhado, mas difícil de alcançar
Eram doze horas em ponto…o sol ia já bem alto
No clarão da cidade brincavam dois petizes
Lançando um tortuoso e fino arco no quente asfalto
Com tal inocência que contagiavam os menos felizes
De certa forma, eram aprendizes verdes do destino
Tão inocentes, indolentes ao severo que os rodeava
Sem consciência ainda, de como era bom ser-se menino
De poder irradiar um esbelto, suave e único sorriso para onde olhava
O sol ocultava-se nas escravas nuvens da noite sombria
Era já noite, o tempo uivava de novo uma recôndita e trágica dor
Eram as vozes dos paladinos perdidos na velada baía
Tão fatal para os viajados trovadores ligados ao amor
Acendiam com lentidão as diminutas e ténues candeias
Para iluminar aquela, laboriosa e sonâmbula cidade
Em todas as casas sentia-se um crepitar nas lareiras
E uma densa aragem tingia o céu de uma tonalidade
Plúmbea, tão desastrosa e maligna à procurada felicidade …
Cambaleavam ao longo das estreitas e ledas vielas
Dois borrachos vindos do antro da perdição
Tinham-se livrado das inexoráveis, sólidas e infames celas
Era o encontrar de dois mundos tão opostos em colisão…
Luís Camões
A AMIZADE AUTÊNTICA
Na verdadeira e eterna amizade
Tornamos instantes de melancolia
Em momentos de pura euforia
Pelos laços da vasta criatividade
Encontra-se com arte a felicidade
Pois nesta existe a tal sintonia
Que jamais de certo se imaginaria
Nesta vida repleta de crueldade
Esta é a sua genuína natureza
Onde tudo naturalmente se completa
E se junta como uma fortaleza
Aqui bebe-se de forma indirecta
as águas cristalinas da vida e a tristeza
é suprimida por ápices da vida predilecta...
Luís Camões