1
porque agora os teus olhos qualquer verde
mesmo que Outono ou talvez mais cinzento
agora que o teu nome em qualquer parede
em qualquer ouvido porque talvez o vento
porque talvez eu, só eu os poderia ver assim
(ainda que Outono e o chão amarelecido)
ver em qualquer cor a única que sei em mim
e em qualquer nome um outro nome repetido
porque agora os teus lábios num reclame
qualquer de televisão, e a tua voz então
numa qualquer outra voz que me chame
e agora que os teus olhos em cada mão
teimosamente a dar cor a qualquer desilusão
à espera ,ansiosamente, por outro alguém que os ame.
J.C.
desde que um arrepio
No blog:
http://ondeficaesperarpor.wordpress.c ... /04/desde-que-um-arrepio/
para Frumi
perdoar como quem, a cara derretida pelo afecto de um estalo
- Beija-me neste lado.
como uma valsa, agora perto mas uma palavra mal proferida e agora longe, vai-te embora e se virar costas
- Como consegues ir embora?
perdoar é ir embora, agarrar e querer morder porque não há explicação para quem se quer ir embora, para os pássaros é fácil, com asas, nós anjos caídos em desgraça
- Por favor deixa-me comprar-te uma camisola nova.
quem cospe na cara com palavras falsas, porque o medo, não merece perdão, quem depois as engole assim como punhais que suavemente nos descem pela garganta, perdoar é engolir punhais de outrem, a luta inglória para cegarmos a vista às falhas daquela pessoa, tanta cegueira que depois caímos numa, não me perdoes que não sei se aguentarás, porque outra pessoa e era eu, outro toque e estava eu, outro perdão e fui eu e mesmo assim
- Pensas que vais ser um grande escritor não pensas.
e haja quem me perdoe
- Pois para mim serás sempre uma grande merda.
perdoar como pedir perdão, num banco qualquer e a chorar não porque ébrio, mas porque uma maneira de pensar redutora, e duas mãos nas costas, e os olhos sempre verdes, sem saber se com pena ou outra coisa superior, com vontade de perdoar e com medo de falhar
perdoar, é difícil, é respirar com dificuldade, ter uma cadeira e sentar-se no chão, perdoar nunca é esquecer, quem perdoa não esquece mas perdoa, perdoar é tirar o peso todo dos ombros de quem errou e bruscamente senti-lo sobre os nossos, perdoar é não dizer
- Tenho todo o teu peso sobre os meus ombros.
perdoar não é esquecer mas é perdoar, é não massacrar alguém para nos massacrarmos a nós, e esse, muito provavelmente, é o maior amor de todos
(quando o verbo amar se transforma num mero código)
- Eu perdoo-te.
la vie en rose
http://ondeficaesperarpor.wordpress.com/2014/09/14/la-vie-en-rose/
magoar alguém é frágil, pousar o livro e dizer
- Hoje vou escrever.
magoar alguém é fácil, é distraído e é presunçoso, não quero dizer mesquinho mas
- Já devias saber quais são as minhas flores preferidas.
magoar alguém é cair, às vezes sem tropeçar, às vezes cair em cima de alguém, para nós só um susto e para quem nos recebe, uma ou outra nódoa-negra
(quem não suja o coração)
aqui e ali, desde que não seja por volta dos olhos que aí magoar já é cobarde, magoar é sussurrar
- Estraguei tudo.
a chorar ou não através do fumo de vinte cigarros, um sussurro que
- Já te pedi para não me berrares.
magoar alguém é justiça se assim quisermos acreditar, nunca magoamos ninguém se não quisermos, a culpa não é minha se escorregaste no amor de alguém e partiste o coração, magoar é fugir, magoar dói porque cuidou tanto, ou as palavras que era tão doces e no balcão do bar de strip, vinte euros para cima e quase que já te podem magoar
magoar alguém faz parte, há quem diga, lemos livros e comemos muitas verduras, vamos ouvir orquestras e jantar à beira-rio, é assim, magoar alguém é assim, mais que mentir com a verdade
- Eu ia dizer-te, juro.
magoar alguém é a vida cor-de-rosa, nós só não somos daltónicos nos ouvidos e eu que era tão boa pessoa
magoar alguém é lucidez, o risco negro a escorrer até ao lábio, e não bastasse somente o impropério em si:
magoar alguém é sempre um outro sorriso perdido por aí
António Lobo Antunes (Página 240)
Às vezes sentimo-nos desamparados sem saber que desamparados sempre
No blog:
http://naoemeianoitequemquerpoesias.w ... 22/capitulo-6-pagina-240/
soneto do erro original
A minha página de poemas: https://www.facebook.com/jccc1990
soneto do erro original
sempre desejei além que qualquer coisa impossível
errei, ter e o verbo em si já é perder, já é soltar
soltei menos, muito menos do que me era possível
e agarrei demais, coisas que a brisa faz levantar
sentei-me à espera mas como se não esperasse
os anos vindouros de outrora e a falha de ninguém
amei tanto e tanto mas sempre como se não amasse
esquecido de mim e de alguém que já não vem
fui deixado antes mesmo de ter sido, e não sonhei
com quantos erros se constroem os erros fatais
quantas solidões precisamos para não sermos especiais
pequei como nunca, e dos pecados que usei, ousei
ver a tua boca na mesma boca de outras que beijei
bocas de batôn único, mas de beijos iguais
J.C.
Sem peito
sem peito
há pessoas sem peito que no nosso se seguram
a usar palavras que não custam porque convém
e é quente e é para sempre e nos amarguram
num abraço enorme onde não cabe ninguém
secalhar somos nós, já de peito feito cinzento
invadidos por quem sem lei nos tira balanço
e dizem, és tão grande que eu me desoriento
e afinal és tão pequeno que eu não te alcanço
pessoas sem peito são pessoas que nos fodem
que nos habituam ao seu choro feito de vapor
pessoas que nos vivem, nos atingem e fogem
porque é assim, porque é a vida, porque é amor
há pessoas sem peito como que sem vontade
sem o peso que me deixa mais preso que livre
e quem mo roubou não sabe que na verdade
alguém sem peito já morreu, porque quase vive
J.C.