quem me dera
Quem me dera planar no céu dos teus braços
Como gaivota
Voar por entre as frestas do teu corpo
Num voo vertigem
Inventar dentro de ti o caminho
A estrada que me liberta
Para desflorar a maré brava do teu sexo
Outra vez virgem
Quem me dera em teus olhos
Qual estrela
Desbravar em ti o meu olhar
Como caravela
À procura
No infinito
Da paz
Do prazer
Quem me dera em teu rosto
Como flor ou rocha
Abrir-me todo ao teu sorriso
Como tocha
Queimar em amor dentro de mim
Depois morrer
António Casado
10 Dezembro 1986
In Romance "Poeta da Lua"
DESEJO MISTICO 13
Por fim encontrei-te
Num desses bares nocturnos
Consumindo a noite numa cerveja.
Não esperava…
Fui lá adormecer a vida
Porque o abutre da amargura
Apropriou-se do meu desespero.
Somos amigos agora…
Partilhamos no mesmo quarto a mesma loucura!
Encontrei-te.
Que noite tão bonita!
A lua desprendia-se do alto
E esvoaçava na retina dos amantes…!
Não me contive.
Aproximei-me de ti e segredei-te:
- Desejo-te!
Como fizera tantas vezes antes…
Surpreendido fiquei
Ao ver a estupefacção
Num olhar que devia brilhar
De satisfação!
Porque vestiste em teus lábios
Esse sorriso frio
Que eu desconhecia?
Como quem, por ironia,
Abomina o que deseja
Nunca tem o que quer?!
Nesse momento, podes crer,
Perdeste todo o encanto…
Essa maravilha que tem sido
A razão do meu viver!
Sequências de alegria
E pranto…
Mas já agora, meu amigo,
Adivinha porque razão te disse
Que te amava tanto,
Que por ti
Guardaria esse segredo
A sete chaves
Dentro do coração?
Sabia que o mundo
Ávido por querelas
Reprovaria
A nossa paixão!
Contudo
Nem um de entre eles
Me poderia atirar uma pedra!
Eles negam aquilo que desejam
Rejeitam aquilo que fazem!
No íntimo das suas almas peregrinas
Vivem um imenso dilema:
Ou procuram a felicidade
Enfrentando a vergonha e o medo
De serem o que quiserem –
Ou ajeitam-se
Á vida que os consome de tédio
Como os outros querem.
Depois, sonham em segredo…
Fantasiam a paixão que não existe…
Quando surge a aurora
Da oportunidade
A moral resiste.
Vivem resignados no próprio “eu”
Perdidos de vaidosos
Exuberantes até na expressão!
Até que um dia a claridade
Traz à luz a crua verdade –
O que sempre rejeitaram… São!
Pobre mundo que vive sem razão
A incompreensão
Num doloroso desalinho…!
Para esconder o que são
Uns drogam-se
Outros criticam
Outros bebem vinho!
António Casado
3 Setembro 1984
Revisto para o Luso Poemas
LEMBRAR-ME DE TI
LEMBRAR-ME DE TI
Ainda me lembro…
Os dois sentados diante da serra
Mergulhados no verde e no azul…
Os teus olhos saltitavam de nuvem em nuvem,
Acolchoavam a fantasia de sonhos e projectos,
Riscavam o céu como relâmpagos,
Eram a recta orientada para o futuro…
Eu dizia-te:
- Amor, depois de mim há tudo!
Os meus compridos dedos entretinham-se
A brincar com o éter perfumado…
Um carrossel de emoções brotava da pirâmide dos meus desejos
Em tropel,
Definiam prioridades e anseios,
Onde eu era a peça central de um puzzle por ti inventado
Num labirinto de outras tantas peças
E com uma carícia ao teu cabelo
Dizia-te:
- Amor, depois de mim há tudo!
Tu falavas da vida e construías panóplias de sabedoria
Com palavras cor-de-rosa e voz doce
Onde eu era mais uma vez e sempre
O cavalo alado com asas de querubim a mergulhar nos astros
A construir Ursas Maiores em horizontes indefinidos
Onde escrevia no cimo de um morro qualquer
Desde que a tua presença se fizesse sentir pelo teu cheiro:
- Amor, depois de mim há tudo!
E quando o sono de tanto querer acalentava a minha excitação
Tudo o que eu queria era a tua mão sobre o meu peito
Arfavas como o chicote do vento e desprendias as amarras
Da loucura
Brincavas com o sol a tempestade da luz e
Diante da voz melodiosa da lua
Encenavas o teatro da comoção
Onde eu representava o mundo
O recheio da maça de Adão
A dentava de Eva
O Deus Omnipotente no Carnaval dos sentidos
Dizia-te então:
- Amor, depois de mim há tudo!
Por fim
Passavas diante das ondas no Reino de Iemanja
Que saltitavam de contentes…
Vinham as sereias solfejando…
Atiravam água às estrelas e fotografavam no mar todos os corcéis!
De lá do longe
Todos os navios traziam notícias de mundos distantes…
Índia vinha adormecer no meu travesseiro!
No teu olhar sebastianista
Eu encontrava o cloro das minhas ilusões e deixava-me ficar
À proa desses navios
A crer que o mundo tinha mesmo essa dimensão
E dizia-te:
- Amor, depois de mim há tudo!
Já acordado
De pé diante das mesmas águas
Na proa do navio fantasma em forma de nevoeiro
Faço teias de aranha com o infinito enrolado nos dedos
O rosto prenhe de lágrimas, os nervos rasos de água
Enquanto as sereias mergulham na minha visão errante
E nunca mais voltam
Procuro na areia o eco da tua voz num búzio quebrado
Numa concha ressequida
E então oiço-me a gritar às vagas sobressaltadas
Que me lavam os pés de murmúrios:
- Amor, sem ti não há mais nada!
12 Julho 2007
ANTÓNIOCASADO
SONETO DE SAUDADE
Pergunto por ti à noite, a noite não responde
Teima em chorar o pranto que a minha alma contém!
Partiste com ela pelo mundo que de mim a esconde
Deixaste esta dor que como a noite é de ninguém!
Pergunto por ti às ondas mas a prata dos olhos morre
Na ilusão de saber onde estás e porque partiste…
Mas se choro por ti só as vagas revoltas me socorrem
Nesta agonia grávida de pranto e luto triste…
Pergunto por ti às sombras… o negro breu não me diz nada
Nem a minha sombra cansada de andar encontra a tua
Numa esquina perdida no soletrar da caminhada…!
Pergunto por ti ao coração… Responde a voz da lua:
Porque choram de saudades tuas veias rasgadas
Se a alma já se despiu da dor e caminha nua?
António Casado
8 Janeiro 1982
Revisto para o Luso Poemas
A ESPERANÇA
Fito a Esperança que passa na rua…
Triste, rota, desvalida…
Quem me dera aquele tempo de juventude no outeiro
Quando brincávamos com as estrelas e o céu
Era um pedaço do tesouro que guardávamos em nós…
Hoje a Esperança passa por mim na rua…
Triste, roto, desvalido…
Estendo o braço como quem deseja agarrar um fio de malmequer
Preso à terra por uma raiz sensível, fraca, pouco importante…
Minha alma não tem alma! Entre o porão de um navio e outro
Arrasto o que sobra dessa massa plasmática e quântica
Consciente de não saber o que significa, nem se é verdadeiro…
Nesses porões de penumbras e pedaços de quimeras renasço ou ressuscito
Num caixão apodrecido pela ousadia do tempo e dos invertebrados
Ou dos elementos que se conjugam para me libertarem do peso da casa!
Quero o bafio desses porões em forma de salitre nas narinas!
Amarrem-me os pulsos com nó de forca e deixem-me fitar o mundo
Com os olhos de um Cristo arrependido de um dia ter nascido ou morrido
Sem ter escrito em nenhum papiro a história imunda da selvajaria…
Quero o odor a sangue derramado estampado nas minhas narinas como açaime!
O que espero? Acaso devo esperar alguma coisa? Existe alguma coisa a esperar?
Nos espinhos pontiagudos da roseira da vaidade e da inveja
Haverá a réstia obscena de alguma pétala ou resquício dela?
Porque sobra tanto de mim nesta cegueira inútil de ver o mundo
Que passa à minha volta com um cinto apertado à cintura
E uma venda de arame farpado e fios eléctricos para que me afaste?!
O que espero? O átrio de uma capela sem telhado no morro de mim!
As paredes destruídas de uma igreja sem janelas, nem torres, nem sinos, nada…
Nem o mais que a escadaria barroca transforma em ostentação e poder!
Não quero um céu azul na capa de uma revista a falar-me de deus!
O céu é inacessível e o azul é marítimo e o único deus marítimo é Neptuno!
Não… Não quero o azul a maltratar a minha cega íris de ira!
Rasgo o horizonte e retenho na mão uma túlipa…
Sento-me no cimo de um rochedo a apreciar os espelhos partidos
Que numa manifestação invisível me rasgam a carne, violentam os órgãos
Até ficarem uma massa indivisível e pútrida sobre a consciência
Que me leva a cuspir visões deturpadas de tudo o que penso que vejo vendo…
Sei lá aquilo que meus olhos conseguem ver…?!
Não me falem de verdades… Nem mesmo eu quero saber…!
A única verdade é ver-me personagem num livro infantil sem história
A copular com as raízes das figueiras secas pelo sol abrasador
Que aos poucos me mata de tanta ansiedade e desejo de nada…!
Não! Chega de verdades! Chega de loucuras! Chega da minha insanidade!
As luzes não têm asas para voarem comigo nem o vento pés para dançar!
O mar nunca será como eu, nem eu jamais serei o mar!
A ilusão é a especulação de um jacinto num jardim de açucenas… Será?
Sim, prefiro as orquídeas… As orquídeas malcheirosas
Expostas ao desbarato sobre a puída secretária de um tribunal de formigas
Quando os juízes se curvam numa atitude sexual e debochada
À espera que outros poderes lhes confiram as entranhas…! Não!
É claro que prefiro as orquídeas…!
Como vêm, não critico as vossas atitudes banais e mesquinhas.
Não desato aos berros a dizer que sois uns imbecis
Porque lhes falta coragem para mudardes algo no mundo… Não!
Já ultrapassei a fase da crítica que tanto importunava!
Melhor fora não terdes prestado atenção… Quem prestou atenção?
A confirmação da voz que fala é o ouvido que a escuta…
O silêncio é uma mera gaiola com a porta laiser trancada!
O meu grito é apenas o zumbido dum mosquito sobre dejectos!
Podeis dormir descansados… A rede da vossa crueldade impede a aproximação.
Não há poeta que medre no jardim da vossa vontade!
Em tempos acreditei que a Esperança pudesse passar por mim um dia
Lembrar-se das promessas que trocámos num circo de abraços e risos
E como nómadas da realidade partíssemos à aventura de mudar o mundo…
Mas mudar o mundo para o quê? Quem disse que o mundo precisa de mudança?
Já lá vai o tempo do “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”
Agora basta que mudem os vícios… Os preceitos devem continuar inalteráveis
Como sempre o foram desde os tempos imemoráveis dos esquecidos do tempo.
O que foi ontem deve continuar na perfeição do hoje e do amanhã
Para que as gerações futuras não tenham mais preocupação que viver
Ainda que a estrada de tão percorrida incite apenas a regredir… regredir…
Porque o importante é o movimento…
Tropecei num caco de barro do vaso onde semearam a solidariedade…
Quase caí… Mas levantei-me. Uma multidão de estátuas fitou-me e riu à brava!
Também ri… Ri muito… Sem saber bem porquê… Mas ri…
Quando lhes mostrei a mão cortada e o sangue que pingava viraram as costas…
Quem quer saber? Não é com nenhum deles, é só comigo…
Pois que cada um cuide de si neste auto salvamento à medida das necessidades!
Quem quer saber? Ainda se a poeira astral me afogasse em brilho e luxo…!
Que importância tem para humanidade a estúpida vaidade de dizer ao mundo
Que escrevo o não sei bem o quê a criticar tudo o que me apetece!
Como ficavam os balancés presos às árvores a entreterem incautos humanos?
Quem sou eu para lhes tirar um segundo da vossa tranquila tranquilidade?
Basta que me tire a mim mesmo alguma coisa e me interne num plano astrofísico
Onde, sem saber o que é, possa planar suspenso por uma gravidade nula
Convicto de que descobri a teoria da levitação dos corpos e o ponto zero.
Não sou petulante o suficiente para exigir alguma lágrima na minha morte.
Quem nunca soube viver porque teria de morrer? Que importância tem a morte?
Devemos falar dela apenas quando chega até nós e esquecê-la depois…
O ócio é tudo que precisamos para ser felizes! Uma conta na suíça!
Um chalé, um Ferrari, um poder… Ou simplesmente a sorte milionária
De uns incrédulos ignorantes que viajam sobre tapetes iranianos…
Aladinos dos novos tempos modernos… mas sem inteligência prática!
Lágrimas são dor…! A dor implica algum sentimentos…
Não há tempo para sentimentalismos nesta modernice felicíssima!
Para que inventar superlativos para a dor?
Depois resta mostrar aos outros a única variante possível do amor do passado
Representado na petulância de um peito largo e aberto à luz do sol
E nuns músculos fabricados no único exercício possível no futuro –
O halterofilismo da vaidade! – O sexo!
Machos e fêmeas podem esforçar-se por demonstrar as suas aptidões.
Não precisam amar… O sexo é um sentimento exclusivo e único.
A produção de humanos precisa apenas de um ovo e de um esperma!
Acaso as outras espécies não proliferam? Acaso precisam de amor?
O amor é o sentimento dos derrotados, dos vaidosos, dos necessitados
Daqueles que pensam que a vida só faz sentido quando é partilhada
Como quem partilha um beijo, uma carícia, um sorriso, um sopro no ouvido…
A reprodução não precisa disso! Precisa de química! Precisa de átomos!
As ancas cheias e os peitos inflados marcam apenas a qualidade do ser
Como a cor da tinta da garrafa de aguardente marca a qualidade do álcool
Ou o título pintado nas sacas de estrume determina a função e a composição.
A Esperança passa meio rota, meio nua, e eu não vou com ela…
Levo na mente a imagem de uma fotografia digital com uma série de pixéis
Como réplica da pólvora usada pelas máquinas de antanho!
Não vou com ela porque a minha alma amarrotada não segue ninguém!
Recuso-me a pisar seja que pedras forem! Seja que chão for!
Nenhum céu é suficientemente livre para que voe!
Nenhum mar terrivelmente profundo para que mergulhe!
Não quero os vossos olhos incididos sobre mim!
Não quero a vossa respiração a perturbar o meu ar!
Estamos em lados diferentes da vida e a minha ponte está tombada!
Não tenho espaço e nem o espaço que tendes para mim me serve!
Não sou vosso senhor nem me aceitarei vosso servo!
Nada do que sois, quereis, amais, defendeis, me fascina!
Deixem-me na minha cabana junto ao canavial da infância
A escrever nas nuvens a história de um mundo metafísico e cruel
Onde caiba a humanidade inventada pela minha imaginação mirabolante e diabólica!
Quero inventar um jardim onde caibam todas as flores e árvores
Onde um dia possamos respirar a pureza de um ar de paz e sonho
Produzido à medida da satisfação do ser humano enquanto ser humano!
Quero viver no meu mundo fantasma, ilógico, não cronometrado
Onde é possível ouvir os pássaros, as cigarras e as flores
Contarem cenas cinematográficas de um homem apressado, desinteressado, frívolo
Vistas numa sala de cinema alguns momentos atrás
Muito antes da decadência ter assumido a postura de rainha e governar!
Neste pedaço de lodo para onde me empurraram, quero viver.
Não preciso de nada, porque nunca precisei de nada!
Nem das mãos que não se estenderam… Nem dos olhos que apenas me viram…
Quero ficar aqui sozinho, ruminar a distância que me leva ao sonho
Acreditar que posso ir mais além…
Quero acreditar na utopia das palavras rudes que ferem a ilusão
Quando me fizeram acreditar que a poesia tinha voz… E fui feliz…
Quando me sentei despreocupado na berma do passeio
Atirei com o dedo a rolha metálica de uma bebida qualquer e ela não caiu…
E fui feliz…
A Esperança passa…
De mãos dadas
Não tenho tempo
Para querer mais tempo…!
Visto uma pétala violeta
Sobre a pele incolor
E sinto-me ninfa…
É isso!
Quero ser uma fragrância…
Apenas fragrância…
Dispo as urtigas de sobre a pele e a sarna
Decepa-me os membros de tanto acreditar em tudo
Numa inocência própria da imbecilidade…
“Pensei que as urtigas fossem amigas…!”
Confundia-as com as violetas…
Não são nada! Estão limitadas à condição de si mesmas sem asas nem risos!
Fazem o que podem e o que podem é magoar! Então magoam! Doem…
A mão estendida é falsa! As palavras bafientas! As promessas irónicas!
São urtigas, não são violetas…
E eu, borboleta ou centopeia, não sabia…
Apenas fragrância…
antóniocasado
26-09-10
REVOLTA
Rasguem os livros de poemas!
Rasguem os poemas de todos os poetas!
De todos quantos sonharam a vida, vivendo-a!
Que amaram a vida, amando-a!
De todos os que respiraram o amor universal e etéreo
Amaram tudo e toda a gente
E o mais que nem era gente
Apenas porque se movia, respirava, via
Ou simplesmente existia
Sem a consciência de existir!
Mesmo por eles, os sem consciência,
Era nutrido um sentimento mais puro, mais digno
Que os elevava à condição concreta de seres
Porque respeitavam o mundo tal qual o sentiam
Porque era importante aquela forma de vida!
Porque esses, os desinteressados de tudo
Os vadios da existência
Imbuídos por sentimentos que desconheciam
E que nem era importante compreender
Que manifestavam sentimentos ignorados
Pegavam num poema qualquer e riam-no
Rabiscavam na orla da página qualquer coisa imperceptível
E em dias de austeridade e cansaço pensavam
Aprendiam nesses dias uma nova dimensão da vida
Rasgavam as trevas da intolerância
Existiam e eram gente
Se havia um túnel desbravam a luz
De enxada na mão, sulcavam caminhos
Ainda que nem tivessem a precisa noção da dimensão do acto
Porque não era preciso ter, nem conhecer, nem saber!
Porque esse, os vadios de quem ninguém se lembra
São o meu poema!
(Escrito à luz de uma vela, porque não há luz eléctrica. Depois de lido aconselha-se o seu uso numa casa de banho… Sempre terá alguma utilidade.)
antóniocasado
Para o Luso Poemas
11 Abril 1995
CHEGADO AO FIM DO TÚNEL
Cheguei ao fim do túnel.
O sol levantava-se no horizonte
No céu ainda brilhavam as luzes
De algumas estrelas.
Diante de mim o mar…!
Ao longe
Uma vela desfraldada
Em forma de caravela.
Sobre a amurada braços erguidos
Estendidos ao longo das margens
Acenavam à minha chegada.
De farnel ao ombro
Retalhado pela vida
Rasgado pelo desânimo
Sorria ao novo dia
Desbrava a natureza num gesto
Como quem diz
Como quem grita
Como quem quer
Que no infinito ao lado dum sonho
Haja estendido o lençol de linho
Nos braços de quem me quiser!
António Casado
Revisto para o Luso Poemas
8 Agosto 2007
ESTA NOITE
Pelo menos
Esta noite...
As rugas da tristeza
Arrastam consigo
O meu olhar abalado.
No interior de uma concha
Construo roseiras
De sonhos
Intermináveis...
Em cada um deles
Uma aresta
De solidão.
PORQUE NÃO OIÇO O SOM DA TUA VOZ?
Já decidi
Guardar o eco
No bolso
Do coração...
Assim
Quando me sentar
No poial do esquecimento
Poderei ouvir-te...
Além disso
Uma criança brinca
Na rua
Com uma corda
De sentimentos
António Casado
Para o Luso Poemas
PRELUDIO PARA TODOS OS POEMAS ESCRITOS SOB REPRESSÃO 3
A pobreza
É distribuir
Migalhas
Pelos pobres
Depois dormir
Com a convicção
De que se ajudou o mundo!
António Casado
Revisto para o Luso Poemas
16 Agosto 1984
É O MAR (REVISTO)
A foz de qualquer rio é a ternura
Um pequeno e breve aceno de mão
Na proa dum barco à vela
É
Subtil delírio
Mecha incendiada de maresia
No consequente desejo
Do fascínio
Ergue-se o perfume de um movimento
Com o oxigénio evaporado
Dum onda rebelde e aflita
Gota a gota
A humidade derrama-se como lençol estendido
Sobre o leito sedento
Dos campos ressequidos
Brota a vida nos troncos pungentes
Que agora lançam ao vento
Alegres canções e cânticos
Destemidos
- É o mar!
Expressão ondulada dos veleiros encantados
Encaminhados pelas Sereias de Neptuno
Num canto cósmico e fatal
Rude sensação das mãos calejadas
Dos homens que procuram no sal
O alimento
Bandeira suspensa num mastro erecto
Estrela Polar virada a sul
Astrolábio de quantas matemáticas o sonho criou
- É o mar!
Rejubila minha alma ébria de maresia
Embalada pela potência forte daqueles braços
Naquele saber profundo
Nos olhos que devastam a eternidade
Num sonho de humildade e perdão
Ah Mar
Que as tuas águas agitem consciências
Como as velas das naus aconchegaram o vento
Que o sódio seja um tratado de verdade e paz
Na boca das lagoas
Na garganta dos rios
Que por cada partícula solta
Dos teus átomos em perpétuo movimento
Uma revolução de amor se evada do cloro
Inunde de ideais os corpos acomodados
Ao marasmo duma espera sem valores
Ah Mar
Que o meu canto seja alcatraz ou gaivota
No olhar inundado de comiseração e alegria
Que o meu peito se enamore da espuma
Pela eternidade de um mito
Pela constância de um grito
Que declame a sede de liberdade do poeta
Numa orquestra de medusas
Que trauteie harmoniosamente os acordes
Da emancipação da ode
Sobre um palco de pérolas e limos
Que todas as nuvens cruzem esta grandeza
Numa romaria aflita e insistente
Como um prolongamento da alma revolta
Que a vida que sustentam na húmida areia
Sejam prova lírica da sua oceânica existência
Ah mar
Revolve o lodo da mesquinhez humana
Falsas traições prescritas hipocrisias
Nos redemoinhos do teu marear constante
Que cada ser humano
Cada olhar distante e profundo
Cada gesto de tristeza ou fadiga
Mergulhe na essência triunfal da tua ternura
E descubra o fascinado mundo da razão
Desbrava as virgens ilhas dos sentimentos
Como um navegador quinhentista
Preparava o canhão e bania os medos
De piratas e corcéis trajados
Deportava-os em jangadas de distância e piranhas
Comandadas por nevoeiros e loucura
Para os confins do pavor!
Quebra o espelho convexo da pobreza!
Com a fúria das naufragadas espadas
Que outrora buscavam fortuna e reconhecimento
Manifesta a tua lúcida excelência
Funde nos meus nervos exaltados
Os teus iões revoltados
Que meu corpo se transforme
No mais essencial elemento
Da orgânica da tua beleza
Para que possa ser tu!
Ah mar
Nas assembleias dos homens
Marulha nos sentidos a sabedoria
Precisa
Para que sonhem uma ilha de paz
No doce crepúsculo do amor
Num dia existido
Para lá das consciências!
António Casado
Inserido mo projecto Escrito Ao Luar
21 Agosto 2009