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Liberdade para o inferno

 
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Liberdade para o inferno

Dez da manhã de um dia infernal qualquer, ensolarado e com poucas nuvens no céu, estou a caminho da cadeia municipal, percorro toda a cidade até a cadeia que é isolada por uma rodovia sinuosa e de contrastes sociais. Quanto mais perto me aproximava, a qualidade de vida, aparentemente, piorava. Depois de alguns quilômetros, onde a sinalização era inexistente, pude perceber crianças com uniformes em bares, grávidas caminhando no terreno batido, cachorros sarnentos cobiçando uma casa de carnes. E dentro do carro, alguns me olhavam com receio, outros lançavam olhares de puro ódio, não sabia muito que sentir naquele momento estranho de tantos sentimentos. Da maneira que sentia pena de alguns que avistei a beira da rodovia paralela, sentia também medo daqueles que me lançavam olhares e apontavam para mim. Em toda minha infância morei em casa de madeira e em um bairro rodeado de favelas, aprendi que o silencio na grande maioria das vezes é a melhor maneira de entrar e sair de certos locais, não é questão de ser valente ou covarde, já vi pessoas chegarem de carros novos e saírem correndo a pé da boca da favela.
Após algumas curvas, avistava apenas arvores e algumas aves que voavam por dentre os galhos. Não havia sequer um carro naquela estrada, era apenas eu e os pássaros, rodei por mais alguns quilômetros até que pude avistar a cadeia municipal no horizonte, veio à lembrança o Scolfield, Licon e histórias mentirosas hollywoodiana, mas isso sim era realidade, a nossa realidade. Enquanto, João Gilberto tocava Desafinado, eu me aproximava e já avistava os portões desproporcionais da cadeia, concerteza a única importância daquele tamanho era de causar repreensão e medo aos que fossem adentrar. Contudo, creio que mais que os portões, o que causa mais medo é o nosso sistema carcerário, onde cabe cinco estão vinte presos.
Diminuindo a velocidade, não avistei ninguém para fora dos portões, olhei para um ponto de ônibus um pouco distante onde avistei ele parado na sombra, fiz meia volta com o carro e estacionei a sua frente.
- Vamos! – disse por entre a janela
- Qual é? Não vai descer e me dar um abraço?
Desci então e fui abraçar o meu primo que por muitos anos não o via. Senti em seu abraço o alivio, de estar fora de um inferno, mas ele sabe tanto quanto eu que realmente o verdadeiro inferno é aqui fora. Entramos no carro e fizemos o caminho de volta.
- Como esta à tia?
- Esta bem! Trabalhando. – respondi
- Hm...
- O que pretende fazer agora? – perguntei
- Trabalhar!
- Nunca me convencerá disso – respondi, enquanto via ele desembrulhando um pequeno pedaço de papel.
- O que é? – perguntei
- Meu chip do celular
- Estava contigo lá dentro? – perguntei assustado, sem entender o porque do susto, sendo que já havia recebido ligações dele de dentro da cadeia.
- Sim. – respondeu na maior normalidade possível.
- Quem eu preciso foder para conseguir uma bebida e uma buceta? – Perguntou-me colocando a cabeça para fora do carro
- Não devia ter dito isso – respondi as risadas, enquanto, ele me encarava...


CB


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Autor
Carlos Bazesko
 
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