Poemas : 

elegia da loucura

 

Eu não sou eu,
Nem sou o outro,
Nem sequer sou…
Sou algo de ininteligível
Entre mim e o outro,
Farrapo diáfano mesclado
De uma teia emaranhada
Na trama que teço
De um outro que não eu.
Rompo a cervical
Em movimentos alucinados
Para lá e para cá
De mim, para o outro
Num batucar nervoso
Que me rompe as falanges
No batuque do outro,
Ponte de intermédio
De margens opostas
De costas voltadas,
Interstícios rebuscados
Que fedem em defecações estagnadas
Num devir mictório
Que reluz amarelo na noite urinária
Que não ordinária
Por uma ordem desordenada.
Rasto de sangue e puz
Que água benta não lava
Excretada por cus papais abençoados

Eu não sou eu…
Nem sou o outro
Sou grão burilado
Pela poeira soprada
Da boca do outro
Vela enfunada pelos ventos alísios
Anticiclone manso
Do cabrão que não sou eu
Suco gástrico e aziático
De uma modorra pestilenta
Que se me esgota pelos apêndices
Por todos…
Sem saber … nem vir.
Só lá…escorre-me pelos cantos da boca
De lábios que não são meus.
Do outro?
E porque lhe sinto a amarga pestilência?

 
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jaber
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Enviado por Tópico
mim
Publicado: 02/09/2009 23:00  Atualizado: 02/09/2009 23:00
Colaborador
Usuário desde: 14/08/2008
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Mensagens: 2857
 Re: elegia da loucura
Tens andado por onde com os teus belos poemas?
Uma moldura que se esgota pelos apêndices, muito boa!

Beijocas


Enviado por Tópico
zedaesquina
Publicado: 02/09/2009 23:12  Atualizado: 02/09/2009 23:12
Super Participativo
Usuário desde: 24/04/2009
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Mensagens: 110
 Re: elegia da loucura
zzzz, que cheirete!

Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 03/09/2009 09:58  Atualizado: 03/09/2009 09:58
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
Localidade:
Mensagens: 1988
 Re: elegia da loucura
...as coisas que me fazes lembrar jaber...

QUASE


Um pouco mais de sol — eu era brasa.
Um pouco mais de azul — eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho — ó dor! — quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim — quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... —
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

...........................................
...........................................

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Paris, 13 de maio de 1913)







Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.

(Lisboa, fevereiro de 1914)

Mário de Sá-Carneiro


(...abraço...)