Poemas, frases e mensagens de voronov

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de voronov

The Space Cowboy

Feelings

 
Quando chegaste, coloquei o resto da minha vida em lista de espera. Deixei o tempo parar, lentamente, ao ritmo do teu andar e do ondular do teu vestido que pareceu passar por mim em câmara lenta. Sentaste-te na mesa à minha frente, o teu ar distante escondido pelas lentes escuras que o tornavam ainda mais altivo. Quando peguei na viola, a altivez derreteu-se à primeira estrofe de "Feelings...nothing more than feelings...". E nem a minha T-shirt e o meu cabelo desgrenhado te fizeram desviar mais o olhar. A tua vida parara também e, se prestássemos atenção, ainda a teríamos conseguido ver juntar à minha, ao fundo da praça da esplanada, a iniciarem juntas uma espera que - parados ao Sol de Maio, à sombra do guarda-sol - poderia nunca acabar. Saímos juntos, uma mão na viola outra na tua, as minhas calças de ganga e os teus saltos altos desfilando pelo empedrado, o beijo nas arcadas, a tarde quente, a noite perdida, e cheia de tanto. Ainda hoje te vejo chegar em pensamento. Pego na viola que já não tenho, puxo a cadeira ao lado da tua e canto...
 
Feelings

Amor forte

 
Não havia cansaço.
Subíamos as escadas num abraço.
A porta abría-se num forte impulso.
Saltavam roupas, saltavam beijos.
O chão da sala esborrachado de desejos.
Era amor, e forte.
Dos que perduram p'ra depois, pr'além da morte.
Amávamo-nos à luz da lua.
Acariciava a tua pele, nua.
E tu choravas quando, enfim, eu era tua.
 
Amor forte

O círculo da vida

 
Dei-te uma pedrinha branca,
na praia da nossa infância.
Dei-te um beijo no recreio,
tão curto, de ignorância.

Dei-te a mão no cinema,
o coração a palpitar,
depois de teres partido,
depois de te ver voltar.

Dei-te o amor duma vida,
dei-te filhos, fui teu par,
e agora que já não te tenho,
dou por mim a soluçar.

Olha por mim neste mundo,
olha para mim, a penar,
Leva-me num segundo,
não me deixes a chorar.

Quando puder voltar para ti,
vou dizer-te, vou gritar,
quero dar-te uma pedrinha,
branquinha, junto ao mar.
 
O círculo da vida

Fantásticas criações I

 
À minha espera, um sonho aguarda a espera.
À minha espera, espero que me espere.
A vida segue, como um sopro, e aguardo e espero que me espere.
Vivo a vida num sufoco,
E aguardo e espero que me espere.

Sei e sinto, não sou louco,
E aguardo, e espero que me espere.

Um dia o sonho toma vida. Um dia vai surpreender. Sinto o sonho tomar vida, sinto o sonho amanhecer.
Abro asas sobre um mundo de desejos;
Abro asas sobre um mundo de perdões,
Abro asas e então, ainda sonho,
Que mesmo sem o perdoar, é um mundo de ilusões.

Apago o sonho e faço dele a minha vida.
Vivo num sonho, vivo a vida que sonhei,
E penso só, e uma vez mais nesta vida,
Que ninguém sabe, como eu, o que perdi, o que encontrei!
 
Fantásticas criações I

Sorriso

 
O teu sorriso é novo.
Não previ, de todo, que iria ser assim.

E agora que o vejo, a cada hora que passa,
mais me custa cada dia sem o ver.

O teu sorriso dança,
nos teus olhos de criança e deixa-me...assim.

Tens sorriso de ananazes,
quando ris fazemos pazes, de guerras, sem fim.

O meu sorriso és tu. É estrela, é lua, é sol, é paz dentro de mim.

O teu sorriso é ouro. Tu, o meu tesouro, a minha ilha, filha!
 
Sorriso

As 4 estações

 
Junho. Juro. Vejo o teu olhar. Sonho. Vejo-te passar. Julho. Dolente. Vejo-te mover. Agosto. Quente. Vejo-te pedir. Setembro. Fresco. Noutros reparar. Outubro. Vento. Mudas de lugar. Novembro.Frio. Vês-me reparar. Natal. Presente. Janeiro no teu olhar. Frio. Sempre. Conversas no teu lugar. Fevereiro. Indiferente. Finjo acreditar. Março. Nascente. Finges ignorar-me. O teu olhar mente. Fixamos os nossos olhos. Abril. Florescente. Levanto a voz e digo: "Tu és mais que Maio. És um Verão todo. És 4 quatro estações. És toda uma vida". Hesitas então, momentaneamente. E vens ao meu mundo, onde tudo é diferente. O Verão nunca acaba e o é Natal para sempre.
 
As 4 estações

Deixa-me!

 
As coisas tinham-se tornado sérias. Ela parecia-me mais alta e severa e mais uma semana passada em “exílio” não ajudava.
- E o trabalho? Correu bem?
- Sim. Esperamos ter boa nota. Foi uma estafa do pior (só gajas a pendurar-se, pensava eu), mas acabámos por ter a coisa bem definida. Uma seca.
- Mas porque é que não ligaste?
- Ouve, Maria (Lúcia, Teresa, chaga do pior, não me fodas a cabeça, maria amélia, seca, gira como tudo, olhos de gato), ‘tivemos sempre a trabalhar que nem um loucos. Foi do pior. Se pudesse tinha ligado.
- Ainda gostas de mim?
- (Estas gajas não existem!) Querida, eu adoro-te! Bem, vou ter de ir.
- Outra vez? Já vais voltar? Mas assim? Não tens medo? Podes ter um acidente...
-Tenho aulas cedo, tenho de ir. Passo-me com estas saídas à noite, mas tu também podias ir ter comigo. As discotecas por lá também são do melhor...
- Oh! E os meus pais? Tás louco?
- Bem, tenho de ir. Um beijo:
- Beijos.
Fiz-me à estrada. No Golf II batiam as 2h35. Hora do caraças. Grandes acidentes que se deram por volta da meia-noite: os osgas, o charrua, o necas. Entre a uma e as duas: o Barata, o Laurentino e o Dias. ´Tou a arriscar, pensei. Liguei a ignição. O 1.6 ronronou baixinho. Sim, que nestas histórias há que manter o motor dominado. Arranquei em direcção à autoestrada. Lembrei-me do Ruas. Pendurava-se nos estendais a partir do quarto whisky. Mesmo acima do quinto andar. Desde que houvesse miúdas presentes, ele fazia-o. O funeral foi rápido, fizemo-lo em silêncio e no ano passado. Foda-se, tenho de ir, já é um quarto para as três! Foda-se Lourenço, ouviu-se num entaramelado banco de trás, arranca de vagar, foda-se!
A estrada foi rápida. Tinha de chegar antes das quatro.
Entrei. O momento era o ideal. A música convidava ao sétimo whisky da noite, para mim o segundo, pelo menos em comportamento. A música desceu. Os Foreigner (qué lá isso?) sussuravam “I’ve been waiting, for a girl like you...”. Tu esperavas, com um ar supostamente desprendido, que eu chegasse de Lisboa. Sem que me esperasses sussurrei-te ao ouvido: “Danças’? E dançámos. E ainda dançamos. Num movimento eterno que temos o prazer de descrever sem pueril prosa filosófica, no prazer imenso que a vida tem de trazer –e traz - a todos nós!
 
Deixa-me!

City Cowboy

 
Chove. Ao longe, um horizontal fino fio azul eléctrico risca dois tons de negro: o de cima, completamente plano e puro; o de baixo, recortado pelo relevo das árvores que perturbam a perfeição que sempre tem o nascer do dia. E é naqueles momentos que hoje chove. O crepitar da queda das gotas de água aumenta. E aumenta mais ainda. A tela de lona vibra e ribomba com a violenta mas homogénea batucada; parecem pedras, pipocas. Pego no copo de Coca-cola e sorvo mais um trago. Com o comando ajusto o som; mais graves, e o balance mais forte nas colunas de trás. “Laura, ‘tás a gostar?”, “‘Tou, ‘tou,”, diz ela, enroscando-se ainda mais no meu colo, os olhos quase fechados com a côr do horizonte; só lhe falta ronronar...

Um disparo repentino faz-me saltar de novo para a cena, onde chove. Chove a cântaros; “It’s raining cats and dogs!”, penso. Um relâmpago coloca-me o som do disparo na dúvida. A montada não está tranquila; ouço-a em pequenas relinchandelas, a patear. Armo o cão da Winchester de 15, encosto-me mais ao rochedo. O risco é agora uma larga faixa e os vultos são agora árvores, rodeadas por um longo, longo riacho. Nada se move em volta para além da flora local que se agita com a água que cai e com o vento que sopra. Já não vale a pena dormir. Estou de partida. Acordo ainda com chuva, no ecran do televisor. Levo-a ao colo até ao nosso quarto. A aventura vai começar.
 
City Cowboy

A vida é uma viagem

 
Rápido, rápido, deixem-me passar!
Rápido, saiam, estou a chegar!
Abram alas, deixem espaço,
Aqui vou! Ansioso por um abraço!

Ao fundo, o comboio já apita,
Eu abro alas, por entre o cinzento alheio,
Por ali passo, por dentro a alma grita,
Por ali sigo, o meu coração cheio.

Coração cheio, o meu amor transborda,
Saiam da frente, deixem-me correr,
Ela aí vem, não a vejo por entre a orda,
Meros transeuntes que se arrastam a morrer.

A monotia das faces na estação,
Contrasta em tudo com a antecipação,
Da tua chegada, de poder dar-te a mão,
De te abraçar, de te beijar, pedir perdão!

E de repente, a estação iluminada,
Uma côr forte aquece a suja carruagem,
E a tua imagem resplandece e desce a escada,
Eu acelero sobre o cinzento, a voragem.

Olhos nos olhos, acredito no que vejo,
A felicidade concentrada neste beijo.
Abraço o tempo que parou, abraço o mundo,
E nesse abraço, no teu corpo eu me fundo.

Saímos juntos da limitante estação,
Que leva longe o nosso sofrimento,
Não partas mais, não me deixes sem razão,
Fica comigo, torna eterno este momento!

E vai parando tudo o que gira à nossa volta,
Carros abrandam, luzes mais acolhedoras,
Até que apenas o silêncio nos escolta,
Até que apenas nos importa que não foras.

Passa-se o tempo e tu voltas a partir.
Tão pouco tempo e volto a ficar sem ti!
Desta vez não, levo a mala e vou também.
Desta vez vou, vou feliz como ninguém.

Mas ninguém espera que na curva da viagem,
Aquele comboio acelerado perca a linha,
Caia da ponte depois de curta travagem,
Numa falésia, alta de arrepiar a espinha.

Junto seguimos monte abaixo, ao repelão,
Muito agarrados, face-na-face, mão-na-mão,
E assim partimos, assim acaba esta viagem,
Como uma chama que se extingue, uma miragem.

Uma vida cheia de momentos muito fortes,
E de tão fortes por ter sido tão vivida.
E para sempre será sabida a nossa sorte,
E para sempre nossa história conhecida.
 
A vida é uma viagem

Viagem

 
Forte fogo farta o forte,
Longe, largo, foge ao corte,
Canta contra o quinto norte,
Rasga, rompe, rói a sorte.

Puxa, pula, aponta a sul,
Rola, enrola, onda azul,
Larga, zarpa, vela, tule,
Vento lento o forte anule.

Ilhas, quilhas, mares d'oeste,
Brisas, lisas, de nordeste,
Olhos, escolhos, tons de peste,
Terra, guerra, fera agreste.

Praia, saia, onda calma,
Choro, riso, sons da alma,
Chega, abraça, beija a palma,
Mão que aperta a mão que espalma.
 
Viagem

Momentos de desinspiração

 
Acorda em sobressalto, sente um frio, arritmia,
Salta do colchão alto, fica a olhar a noite fria.
Pensa na vida que tem, tão banal, tão vazia,
Desce a escada a correr, sem sair já a descia.

No patamar há um cheiro, mas é mofo, é velharia,
Na rua passam os carros, na rua é quase dia.
Vagueia pela manhã, vagueia sem companhia.
Olha p'ra todos os rostos, em nenhum deles ele confia.

Segue ao longo da praia, sorve o sol, a maresia,
decide voltar a casa, "sempre alcança quem porfia",
senta-se na escrivaninha, retoma o texto, o afia.

Agudiza o que sente, escreve sobre o que o guia.
E transforma o velho no novo. Num novo já tão diferente,
Que quem o vê transformado pensa que é doutra gente.
 
Momentos de desinspiração

Fantásticas Criações II

 
Cascais é nome duma tarde calma,
Duma vila quente, duma dor ausente.
Cascais ardente, sem se ver vivalma,
Manhã sombria, dia incandescente.

Chegaste tu. Atravessaste a rua,
Trânsito parado, como fosses nua.
Cascais suspirou, de vida suspensa,
Cascais eras tu, e tu, imensa.

A vida pára. Cascais, vacila.
O teu vestido ondula. O teu olhar cintila.
As ondas estacam, pela velha praia,
E a areia pasma, a maré desmaia.

Calam-se os pássaros, não se ouve o mar,
O sopro do vento, ninguém a velejar.
Todos se concentram num único olhar,
E, dum só folego, vêem-te passar.

Tu passas veloz, sem tomares noção,
Do sofrimento alheio, de todo este tormento.
Repensada mãe entrega a vida ao vento,
Repensado pai ao cais, e ao turbilhão.

E finalmente enfrento a dor da minha alma,
E finalmente falo com a mulher distante,
E o que que digo faz, para meu grande espanto,
Pairar esta paixão, pairar uma paz calma.

Olho-a nos olhos, encontro-a no cais,
E morro num olhar, azul, como Cascais!
 
Fantásticas Criações II

Cowboy

 
Deixei a vida com a sensação errada de ter acabado de sair duma sala de cinema de bairro, onde o filme pode ser muito bom mas onde a decrepitude da sala...o odor a mofo, o mau ambiente...dão cabo de tudo! Os ingleses têm bom nome para isso: "bad surroundings". É isso, essa chusma, o cheiro a bafio que nos deixa atordoados.
Entrei no cemitério já batiam as onze. Ainda se sentia uma neblina de fim-de-manhã no ar e o som comprido e afiado dos carris do eléctrico transportou-me até ao jazigo. Prazeres, nunca percebera o nome deste cemitério, pensei, enquanto apagava uma beata na pedra calcária frente à porta de ferro fundido. Olhei para o interior através da grade da porta: três caixões já ocupavam três das quatro prateleiras disponíveis, que a família não era rica. Não gostei do que vi. Tinha tempo. Deitei fora o maço, percorri calmamente o caminho até ao "piolho", entrei na sala escura e tacteei o caminho até à fila H, lugar 15. Quando me sentava, o palhaço do índio lançou-se em vôo, gritando enquanto aterrava sobre a faca do John Wayne, acocorado na amurada da caravana. Acordei com o grito e jurei para mim mesmo que nunca mais frequentaria sessões da meia-noite, sobretudo depois de morto.
 
Cowboy

Fim de tarde

 
Era um bom fim de tarde. Daqueles fins de tarde de filme. Na praça a esplanada, as muitas mesas verde-escuro com guardanapos de algodão grosso e imaculadamente brancos. A heroína, sentada escondida entre o guarda-sol e a sua capeline, e atrás duns óculos muito escuros, largos e redondos de massa, segurava lentamente no copo de vidro, o Martini transparente e fresco, como a brisa que começava a soprar naquele fim de tarde e fazia flutuar o vestido Givenchy azul com pintas brancas, a brisa quente daquele fim de tarde.
As pombas, inquietas, voam e arremessam-se em bando contra a estátua a meio da praça, desviando-se no último momento, numa demonstração quase imperceptível mas real de auto-controlo. Ela tenta imitá-las; há largos minutos que o ponteiro dos segundos ganhou um cariz irritante, teimando em rodar sem parar em torno do centro do relógio. E o seu aliado ponteiro dos minutos, esse estúpido, corre atrás dele como ele lhe fazia a ela quando se conheceram. Ah, se o tempo tivesse parado então! O relógio vence. Deixando uma nota sobre a mesa, desliza discretamente até ao passeio. Ele não veio. Subitamente, um forte chiar de pneus trava quase dentro da esplanada. É ele. Sai de mãos nos bolsos, a sorrir. Desculpa, (elas adoram que se peça desculpa!), vim pela marginal. Quase não chegava cá hoje, riu-se. Parei para comprar isto, estendendo-lhe uma rosa vermelha. Sentaram-se. Os pombos já te tinham ausentado. Curiosamente parecia que o ar ficara mais quente, aquecido pela noite que estava a começar.
 
Fim de tarde

Vera

 
Espera...sinto um som...quem era?
O prelúdio duma espera? Ou o ronronar da fera?
Pára...a guerra. Para a vida, pára a Terra...
Verso sem saber quem era que elogiara a minha mera..simples, esfera, que me mostra que a vida...
Pára, aterra, quando leio teu elogio...Vera
 
Vera

Violência gratuita

 
Soa, trina, bale, berra, grita a acordar.
Corre, espuma, raspa, corta, limpa a barbear.
Puxa, tira, enfia, aperta, apruma a vestir,
Corta, barra, trinca, bebe, pronto a sair.

Abre, entra, cinta, arranca, sai a conduzir,
Grita, rosna, curva, chia, sem poder sair.
Trava, salta, corre, de pasta na mão,
Sobe a escada toda a medo, medo do patrão.

Bate teclas, muito atento todo o santo dia,
Volta tarde, já de noite, pela maresia.
Chega a casa já estafado, entra no saguão,
Cheira a lixo na cozinha, roupa pelo chão.

Chega o dia em que diz basta, desta confusão,
Chega o dia para fazer valer sua razão.
Sai de casa aprumado, de arma na mão,
Chega o dia em que diz basta, o dia em que diz: “Não!”
 
Violência gratuita