Contos -> Minimalistas : 

Anástrofe

 
Dormitava num vácuo escuro e frio quando um brilho expulsou a treva. A claridade mostrou no centro uma taça borbulhando fogo e percebeu-se, de repente, a girar no entorno, como que adorando, reverenciando a compoteira em chamas. Nebulosas sedosas lhe acariciaram o corpo sussurrando o nome da luz: - Amor... Amor... Amor. Tome-o... Tome-o... Tome-o para si. Logo, tomou posse dessa sedução, desse incentivo, se lançando rumo à fonte luminosa, esticando-se em sentimentos carinhosos e dedicados, até encostar a ponta da alma naquele clarão. Assustou-se! Foi vertido do alvo um líquido quente amarelo citrino, formando poças num chão ainda feito de sonhos. Estremeceu o peito condoído; não queria machucá-lo. Queria amá-lo, entregar-se completamente ao seu interior pra alimentar as brasas que acendiam aquele corpo. Adentrou mais um pouco e mais outro e percebeu que, a cada investida, mais líquido da chama descia. Não se importou. Queria ser parte do centro e tanto insistiu que acabou por se alojar naquele imo, mas, percebeu que, nada ali havia vazado. Lá dentro tudo era iridescente e intocável. Então veio a dura constatação: não fora dele o desmanche. E mais ainda; não restava mais nada de si.


Aquela mania de escrever qualquer coisa que escorrega do pensamento.

Open in new window

 
Autor
MarySSantos
 
Texto
Data
Leituras
1232
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
13 pontos
11
1
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Transversal
Publicado: 28/05/2014 16:07  Atualizado: 28/05/2014 16:07
Membro de honra
Usuário desde: 02/01/2011
Localidade: Lisboa (a bombordo do Rio Tejo)
Mensagens: 3755
 Re: Anástrofe
Ao centro "uma taça borbulhando fogo
como que adorando
Amor... Amor..." como essa queria manifesta a inversão sintática das palavras ou sintagmas, estremecendo o peito, sem magoar "pra alimentar as brasas que acendiam aquele corpo", alojando-se "naquele imo", nada mais restava... nada mesmo? Sensualidade das palavras é brutal. Parabéns Maria.

Obrigado.

Agradeço-te


Enviado por Tópico
Robertojun
Publicado: 28/05/2014 16:40  Atualizado: 28/05/2014 16:40
Membro de honra
Usuário desde: 31/01/2014
Localidade: São Paulo
Mensagens: 2286
 Re: Anástrofe
Olá, MarySSantos!

Parabéns pelo lindo conto.
Amei a leitura.
O início é sensacional:
"Dormitava num vácuo escuro e..."

Abraço,
Roberto Jun


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2014 18:26  Atualizado: 28/05/2014 18:26
 Re: Anástrofe
...e não passou de um sonho.
Belo e criativo Mary!

Abraço
Luzia


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2014 19:22  Atualizado: 28/05/2014 19:22
 Re: Anástrofe
Excelente bjs


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2014 19:22  Atualizado: 28/05/2014 19:22
 Re: Anástrofe
Excelente bjs

Enviado por Tópico
Maryjun
Publicado: 28/05/2014 20:40  Atualizado: 28/05/2014 20:40
Membro de honra
Usuário desde: 30/01/2014
Localidade: São Paulo
Mensagens: 7106
 Re: Anástrofe
Olá MarySSantos,

Parabéns!!

Um conto

belíssimo...

Escrito com

maestria.

Beijos,

Mary Jun

Enviado por Tópico
Volena
Publicado: 30/05/2014 13:24  Atualizado: 30/05/2014 13:33
Colaborador
Usuário desde: 10/10/2012
Localidade:
Mensagens: 12485
 Re: Anástrofe P/MarySSantos
Não será bem a inversão mas uma versão de que somos um nada...Beijinho. Lindo poema1