Durante um longo período, consumi conteúdo de forma passiva em busca de construir um repertório mais vasto, que me permitisse, aos poucos, expressar uma perspectiva mais substancial e autêntica sobre a realidade — ir além da simples manifestação de emoções imediatas.
É verdade que essa escolha corre o risco de tornar a escrita cerebral demais, artificiosa; e fui acusado disso mais de uma vez. Ainda assim, preferi seguir esse caminho para evitar um erro comum entre escritores autodidatas: tornar-se apenas eloquente, com um rebuscamento vazio. Por exemplo, considero a palavra “deveras” pomposa demais. Não consigo imaginá-la sendo usada naturalmente numa conversa informal entre amigos, onde a vida de fato acontece. Se não posso utilizá-la nesses contextos, prefiro deixá-la de fora também das minhas composições.
Tenho refletido sobre a escrita desde o momento em que compreendi que ela é uma comunhão, algo que se expande para além de uma simples digressão individual. A partir dessa compreensão, passei a tratá-la como um ofício: o ofício literário. Já me acusaram de ser rígido, metódico, até burocrático, mas recebo esses adjetivos com serenidade, pois aprendi a enxergar a escrita sob duas perspectivas: a de quem a produz e a de quem a vivifica; ou seja, o leitor.
Borges, em seu ensaio O Livro, afirma que “um livro tem de ir além da intenção do seu autor”, e, para mim, é nesse ponto que reside todo o mistério e beleza da literatura. O que torna a leitura uma experiência transcendente é precisamente essa tensão entre os sentidos imaginados pelo autor e as significações que o leitor projeta, baseadas em sua própria vivência — afetos, leituras, conhecimento. A arte, então, nasce dessa interseção. Embora a materialidade da obra seja fundamental, pois é por meio dela que apreendemos o objeto artístico, é o leitor quem lhe concede vida; o livro, por si só, permanece inerte.
Este exemplo sintetiza o argumento inicial: não fosse o esforço de compreender mais a fundo os variados temas que, em simbiose, formam um artista, talvez ainda carregasse certa ilusão romântica sobre o ofício. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra; se o pêndulo pender mais para um lado que para o outro, o leitor perceberá com facilidade.
Entre o corpo que sente e a mente que escreve, procuro um estilo que não traia nem a vida nem o pensamento. Que o rigor não separe a escrita da realidade, e que o lirismo não a dissolva em confissão. Se a palavra não nasce da convivência com o mundo, talvez devesse calar-se.