Quarta-feira, 20
Madrugada -00:30 – comecei com “Viagem ao fundo do mar” - coloquei o colírio e irritou a minha garganta, fazendo-me- pigarrear e tossir ecoando pela silenciosa pensão Depois que jantei, arroz, feijão e um cozido de abobora começou um festival de peidos.
Desde sexta-feira que não leio o meu adorável Dashiel e nem assisto nada no You Tube, somente ouvindo o radinho.
Manhã de volta da clínica. A sala de recepção lotada, muitos em pé e a maioria dos idosos como eu, todos de óculos escuros – a senha PPR – 06 – não demorei muito. Doutor Ocelio fez uma avaliação meticulosa com uma lanterna típica dos médicos e concluiu que está tudo bem e adiantou-me a solicitação para a cirurgia do olho direito. Começando o novo ciclo. Não tenho pressa, a vista está cicatrizando aos poucos sem efeitos colaterais, está se adaptando as novas condições, por isso as oscilações.
Aleluia! Aleluia! – aos poucos vou reaprendendo a ler as letras ficaram mais visíveis e bem firmes, devolvendo-me a alegria de viver.
Maravilha, obrigado Senhor meu Deus por ter aberto essa janela antes do tempo marcado de dois meses de espera. Mas Deus é bom, louvado seja toda sua magnificência e Dr. Ocelio, um excelente cirurgião oftálmico e no quarto dia voltei a enxergar. Agradeço de coração ao amigo e poeta Janaike que me surpreendeu dando trezentos e sessenta reais para pagar o único exame dos quatros que o SUS não cobria – e assim dei início a essa saga que iniciou-se em fevereiro, depois de várias tentativas nos centros de marcação, saindo de casa as cinco horas no primeiro ônibus, enfim encaminharam-me para uma consulta no Oftalcentro na Cohab com Doutor Mauro Cesar.
Os pombos no telhado do vizinho da frente e uma pequena manada de vacas pastam silenciosamente o capim que vicejou no rego da sarjeta da calçada da antiga casa do carpinteiro surdo-mudo. As vacas dão meia-volta e descem a ladeira refazendo seus rastros no asfalto.
Antes onde era cinza e nevoa, agora o verde dos mangues fere o olho com tanta luminosidade, as cores vibrantes das fachadas das casas. Meu filho também foi uma peça importante, não falhou quando precisei que me acompanhasse para os exames e íamos e vínhamos de Uber, mesmo quebrado e desempregado bancou tudo, comprou os colírios e um anti-inflamatório e óculos. Deus lhe dê longa vida e prosperidade e saúde e encontre o seu Norte. Nem consigo imaginar sem a sua preciosa ajuda. Obrigado Deus por ter me agraciado com um filho maravilhoso e muito atencioso, que sempre o conserve assim.
- O senhor cuidou de mim quando eu era criança – disse uma vez – Agora é a minha vez de cuidar do senhor!
23:00 – uma secreção amarelada no canto do olho me tira de tempo, assim como o pigarro chato na garganta. Li com algumas dificuldades umas paginas de “Continental Op” do mestre Hammett, discípulo da linguagem telegráfica de Hemingway. Assisti três filmes no you tube “Sombras da Morte”, “votos Mortais e um “Natal muito britânico” e na sessão da tarde um bom filme com Cuba Jr – Black Nativisti – uma jornada inesquecível que se passa no Harlem, o bairro negro de Nova York.
O silencio impera nos bares da Praça Sete Palmeiras e adjacências e bem baixinho ouço no radinho uma velha canção brega de Bartô Galeno “No toca fita do meu carro”- a mesma que ouvi há uns trinta anos atrás num bar de madrugada numa rodoviária de uma cidadezinha do Piauí a caminho de Barbalha no Ceará ao lado da minha amada Dona Van.
Estou vivendo um milagre da avançada medicina oftálmica.
Quinta-feira, 21
Uma hora e quinze minutos da manhã, leio as anotações desse caderno verde, desde o dia 08 – uma fomizinha enjoada que amenizo bebendo agua em abundância. Desliguei o radinho para economizar as as pilhas. O barulho do ventilador no quarto da menina e o tic-tac sutil e eletrônico do relógio negro pendurado na parede da sala de visita. Um cão ladra, uma moto desce a ladeira – a garganta renitente. A sra. Vince pigarreia e o marido deitado ao lado dela solta um sonoro pum que ecoa na pensão.
- Virge maria! – repreende a sra. Vince – Vira pra lá.
Me prendo para não ir ao banheiro urinar. O ronco sinfônico do Sr. Vince que ainda pouco levantou-se para mijar. Um grilo cricrila apaixonadamente em busca de uma parceira para acasalar
02:45 – Acabo de ler o segundo conto de Hammett – “Ferradura dourada” – sentado na cadeira da mesa da copa cozinha, local perfeito para ler. Para amainar a fome, surrupiei uma enorme banana que jazia sobre a geladeira e tirei o meu litro do congelador e o coloquei sobre a fria pia de inox, para descascar a banana e entocar a casca sub-repticiamente na lixeira debaixo da pia. Levei o litro para colocá-lo ao ar livre na grade da janela para descongela-lo e furtivamente devorei a banana sem muita cerimonia. Porem antes dei uma boa urinada. Apanhei o colorido e pus sobre a mesa, onde, onde numa pequenina travessa de vidro repousam seis diminutos mamões do mamoeiro do fundo do quintal – barulho dos motores na avenida Sarney Filho e dos pios esparsos dos passarinhos distantes – e os relógios no seu tic-tac compassadamente.
03:30 – Comecei o terceiro conto intitulado “A casa de Turk Street” do livro “Continental Op” de mestre Hammett - arrependi-me por não ter trazido outro livro de Chandler e por pouco quase devolvia Hammett, por acha-lo que não conseguiriam lê-lo. É hora de pôr o colírio, para isso tenho que deslocar-me até os meus aposentos, deitar-me na cama, posicionar a cabeça para trás no travesseiro, mirar bem no centro do olho, e nervoso, aperto e pronto uma gota cai sobre ele, ardendo um pouco. Bem acho que devo me recolher, os passarinhos estão alvoraçando-se – Ainda pouco o sr. Vince levantou-se e passou direto para o banheiro -urinar e peidar como sempre.
Os passarinhos na Praça das Sete Palmeiras dão os primeiros pios. Fiquei alguns minutos em pé na janela vendo claramente a rua vazia e silenciosa.
- Bom dia, vida!
Aleluia! Aleluia! Agradeço ao nosso Eterno e Divino Deus por ter restaurado a minha visão através das hábeis mãos do Doutor Ocelio. Quando fecho o olho operado, Meu Deus – como estava quase cego correndo perigo de ser atropelado, olhando as luzes sem brilho e as cores mortas.. Ontem nesse horário estava num ônibus a caminho da clinica na Cohab para fazer a avaliação da cirurgia.
Iniciei o quarto conto “A Garota de olhos prateados”.
Três gatos esparramados tranquilamente sobre a tampa da caixa d’agua no meio do quintal encimentado cochilam pesadamente depois de perturbarem a noite toda, brigando entre si, mijando nos cantos e nas coisas e fazendo suas sujeiras debaixo da minha cama.. Ainda pouco a sra. Vince varreu o quintal e aguou suas plantas rente ao muro do fundo. Um pedreiro trabalha no telhado vizinho consertando uma goteiras. A garganta continua irritada.
As dez horas da manhã o sr. Com desligara o radinho, relia “Os Ultimos 100 dias” do historiador e especialista da segunda guerra Jonh Tolland – o desespero da derrocada nazista na Europa em janeiro de 1945.
Sr. Com estava no sexto dia de convalescência da cirurgia que lhe devolveu a visão do olho esquerdo – encontrava-se quase cego. Desde fevereiro vinha lutando para fazer os exames e em setembro os entregou e marcaram a cirurgia para fevereiro do ano que vem. Um choque, pois o olho direito piorava a cada dia e até lá se sobrevivesse estaria cego. O homem entrou em depressão, sentia-se muito pra baixo em nenhuma boa perspectiva.
Ficou alguns minutos deitado, seus aposentos foram repaginados, o senhorio fez umas intervenções mudando para aloja-lo melhor no seu pós-operatório. Mudou a cama, trazendo-a mais para frente, próxima a porta e colocou a estande de canos no lugar ao lado da janela, dando um novo aspecto ao quarto do poeta.