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1991 - setembro - Vila Embratel

 
1991
09.09.91 – terça-feira
Vila Embratel, o nosso novo lar, mudamos ontem para cá depois de um ano residindo numa porta e janela na Rua da Saude,. Centro e aqui estamos – eu e a D.Van – ela deitada nua sobre uma colcha vermelha, descansando depois de nos amarmos no quarto– estamos em lua de mel e de arrumar o nosso novo ninho. Eu, solitariamente só na sala entre quatro paredes recém caiadas de branco, ouvindo o velho Philips F 1340, a improvisada estante de tijolos e tabuas encostada com os livros que sobrou da minha antiga coleção, a maioria fora surrupiada depois da mudança da Casa Grande em 1988 – dos centos e poucos volumes resta-me apenas umas poucas dezenas. Leio um livro de antropologia que não é aminha praia. Esta sala será o meu futuro estúdio. A velha maquina de escrever Olivetti na capa no canto, herança do comercio do velho Bamba. A poesia volta a tona e volto assim a viver, o trabalho continua na mesma, talvez na próxima semana, tiro uns dias de folga da oficina e começarei um projeto, dedicar-me a literatura – o espaço e a tranquilidade me inspiram. A casa é espaçosa, três salas, cozinha, um quarto e banheiro – um quintal grande com um coqueiro, caramboleira, bananeira, mamoeiro – a poesia vem aos poucos. A tv deu prego, o técnico pediu-me cinquenta mil cruzeiros – cheguei cedo, ainda era tarde, ouvir e gravei uns regaee. Tento estabelecer um canal entre eu eo meu futuro trabalho literário.
Sinto-me feliz, assim como me sentia no quartinho que dividi com Bang na Rua da Palma e outras lugares que peregrinei depois que papai vendeu a nossa grande casa grande da Rua Afonso Pena no bairro central do Desterro.
Sexta, 13 de setembro de 91
Fumo o quinto baseado como se fosse o primeiro. A cerveja rola e rola a minha cabeça. Dona Van dorme estafada, estamos vivendo uma nova fase em nossas vidas em conjunto.. O finado Gonzaguinha lembra que a poesia ainda vive. Pego o isqueiro, o baseado no canto da boca, esperando acende-lo, mas ainda resta um resto de cerveja no copo de alumínio que sorvo num gole só – agoar sim acende-o e aspiro e o cheiro de mato queimado invade a sala. Procuro outra radio FM. O fedor deve estar a mil e eu não estou nem ai.
Segunda, 16 de setembro de 91
As cinco e vinte e cinco de uma tarde que se esvai em raios mortos por trás do muro do fundo e das bananeiras. Nosso ninho faz-me lembrar a antiga casa grande, muito grande bem no centro da cidade com seu longo corredor. Van ainda não chegou, delicio-me com um licor de jenipapo. E o reggae na sala e u no quintal aos pés de um coqueiro decrepito com cacho de cocos verdes, prontos para a degola.
- Belo quintal! – Diria alguém – leio “O Livro de Daniel” do americano E.L. Doctorow – crianças vizinhas brincam alegremente na rua asfaltada e o barulho delas quebram a minha paz
05:50 – olho no novo Cassio (Made in Paraguai) – as pequenas cadelas correm a esmo com seus sonhos – entorno novamente a garapa e preparo o baseado de fim de tarde – na sala o romantismo de John Holt contemporiza a angustia da espera da minha amada.
Quarta-feora, 17.09.91
15:40 – Pela manhã fui ao campus da UFMA. Em busca de informação a respeito de algum curso de línguas estrangeiras. Não encontrei ninguém no Dpto de Letras, então aproveitei parta flanar um pouco e ver as belas universitárias, mas não tão exuberante como a minha rainha, ela é a beleza em pessoa.
A televisão chegou e funcionou bem mesmo. Ouço um programa de reggae na Difusora FM, mas tarde sintonizarei no “Point do Reggae” na Mirante; Tento compor os fragmentos de um romance que nunca escrevo. A velha Olivetti no canto a espera do pontapé inicial, mas o romance continua em posição fetal. Mudamos há uma semana e nossa rotina mudou radicalmente; Acordamos as seis, despertado pelos gorjeios dos passadinhos, cacarejos das galinhas e o canto do galo vizinho e até o mugido distante dos bois. Uma rapidinha consensual para harmonizar nossos espíritos ao universo. Ela saia da cama ainda nua e vai abrir a porta da cozinha, mas me chama para destravar o portão de ferro ambos se abrem para o quintal. Depois prepara o nosso desjejum e o almoço que levaremos para os nossos trabalhos no centro. Banho-me e assim como ela depois no quintal, um espetáculo a parte – enquanto bolo e fumo o primeiro baseado – ela nua toda branca com seu corpinho bem delineado, as vezes penso que que um sonho, que sonho bem acordado porém bem chilado. Nos vestimos, fecho a casa e descemos para a ultima parada que fica bem aqui atrás., como um belo casal apaixonado vamos bem abraçados. É o amor que o poeta vive aos seus trinta e pouco anos de boy,
16.59 – preparei o jantar, almôndegas, macarrão e arroz temperado come cenouras e queijo coalho que a mãe dela manda do Ceará; Arrumo a mesa na sala de jantar, falta apenas as velas para dar um clima bem romântico, mas com certeza vou colocar Julio Iglesias para ouvirmos enquanto jantamos bebendo uma boa cerveja em taça; Nesse ínterim aperto mais um baseado e vou ouvir reggae e ler Doctorow cada ônibus que chega aumenta as minhas esperanças, venho sempre mais cedo para prepara o seu jantar, ela adora e eu vou aos céus.
A noite tomba e ouço o barulho do ferrolho do portão da rua – finalmente – respiro aliviado e corro para abraça-la – meu Deus como é lindo esse meus dias
Sexta-feira de 91
Uma manhã brilhante com um sol convidativo ao relaxo. Estamos sem serviço na oficina, há duas semanas que não faturamos nada significante, uma leve esperança alimenta-nos, amanhã será um novo dia, uma semente vingará no solo estéril. Karl vestido no tradicional calçãozinho preto e a camisa encardida de branco, saiu para negociar um pequeno biscaite. O locutor anuncia que são dez e quarenta da manhã, institivamente, consulto meu Cassio de segunda linha, Dona Van, a rainha viaja as doze e meia para mais uma viagem ao Paraguai, comprar bugigangas e terei que leva-la até o ponto de embarque. Uma cesta na sexta, sem nada para fazermos o reggae inunda a oficina com sua ondulantes vozes negras. Ultimamente tenho dormido cedo, as vezes nem assisto o Jornal Nacional – a meia -noite levanto-me e verifico a segurança, se todas as janelas e portas estão devidamente fechadas e banheiro para urinar.
Quarta-feira, sem eira e nem beira
Tranquila tarde no eterno das doze e dez. O poeta sente fome. Não essa fome estomacal, a fome de tudo, como meu amigo Jacó certa vez falou. A oficina parada sem encomendas, Pai bamba nos visitou ontem e estava puto – mas passa em frente. Resolvi o problema eventual, segurança, mas não tem nada seguro. Os minutos passam sobre os segundos e uma languida dor vem das entranhas, penso na moçada desconhecida da Vila Embratel – tenho que traze-los a mim. E ela parceira de todas as misérias acompanham-me, nesta tarde que começa justamente ao passo que uma vontade louca de comer, de beber uma juçara com bastante farinha acompanhada de um bom camarão seco, graúdo e salgado. A fome do poeta é pouca perante a necessidade do mundo. Qual fome pior que as fomes etiopes....


 
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efemero25
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