Nono dia – sábado
Ao suspender a porta de rolo da oficina, sentiu uma fisgada dilacerante nas costas, na altura dos rins e depois uma dor que o obrigou a sentar-se na cadeira abacial para tomar um ar. Respirou fundo. Mesmo com essa dificuldade colocou as três folhas de janela na calçada, mudou de roupa, ligou o transformador de solda, deitou a ultima grade ao contrário e começou a solda-la. Quinze minuto depois tudo concluído, deu gracias a la vida.
Começo da tarde
A bomba d’agua enchendo a caixa baixa e a filha lavando as roupas no quintal. As oito fechou o atelier e seguiu para comprar os ferros do portão da irmã de Joãozinho mecânico da rua Bom Jesus. Tomou um susto ao saber dos novos preços dos ferros que aumentaram assustadoramente quase 100%. E o pior teria que repassar para os clientes com preços nada agradáveis. Pensou em mudar de ramo, mas fazer o quê? Dos duzentos e quarenta reais que levou, sobrou apenas vinte reais que dividiu com a senhoria. Gasparetto adiantou um vale de cincoenta reais e zarpou feliz com a Family para Alcantara. Com quitou-se com seus vizinhos Gordinho e a Pasteleira Dona Ciça.
Estirado no colchão depois de algumas latas pelo mercado, ouvia a Senado FM – na sala de jantar, a senhoria bem espirituosa viajava ao passado distante, narrando reminiscências da Casa Grande da rua Afonso Pena.
O terror de ficar sem uma caneta o obrigou a sair no meio da noite para compra-la. A dele sumiu misteriosamente de cima da cama, quando a procurou depois do jantar não a encontrou. Revirou tudo minunciosamente literalmente de cabeça para baixo, colchão, livros, cadernos. Entrou em pânico, era inadmissível ficar sem uma numa noite de sábado. – E agora poeta? – Coçou a rala barba grisalha, sentia-se como um viciado sem sua droga. Pensou em pedir emprestado. Desistiu. Corajosamente tomou a decisão de ir compra-la. Vestiu a bermuda e a camisa polo roxa. A senhoria estranhou ao vê-lo.
- Para onde o senhor vai nessa hora?
- Vou comprar uma caneta – respondeu abrindo a porta e a gata preta esgueirou-se por ela.
O movimento típico das noites de sábado – Zamba atendendo, a batateira agoniada, um moto-taxista comendo uma maça sentado sobre ela, tia Neneca ensaiando uns passos de regae, mamando uma cerveja em pé no bar de Zé Filho
Assustado encostou no finado Bispo, a filha mais nova que lhe atendeu – comprou uma fiada e retornou de imediato para a pensão para alivio da preocupada senhoria. Desnudou-se ficando apenas de calção e deitou-se, apanhou “O Lobo das Estepes” de Hesse e começou a relê-lo.
Decimo dia de 2021 – domingo
Bem disposto acordara no mesmo horario de todos os dias o seja as seis horas da manhã. Pensara em passar o domingo todo deitado lendo, então resolveu fazer uma excursão até a Praça do Bacurizeiro. O mercado ainda estava com as portas fechadas, abrindo somente para os feirantes e entregadores. No canto da frutaria da esposa de Zeca, um gatinho dormia tranquilamente num degrau da escada em espiral, antes do portão da rua 16. Na praça a rapaziada já estava reunida em torno da primeira garrafa, sentados num banco. Con sentou-se num caixote de madeira ao lado de Seu Ruben e ficaram conversando.
- Minha mulher me botou chifre e me expulsou de casa – disse o senhor de cabelos grisalhos, ambos da mesma idade e com o mesmo histórico familiar. Foram abandonados por suas respectivas mulheres por abuso de álcool. Apesar de tudo Seu Rubens não perdeu o bom humor e falava sem rancor, mas com muita ironia – Mas arranjou um homem pior do que eu. Agora se largaram e ele que voltar. Deus me livre!
Com despediu-se da rapaziada, DJ deu quatro reais para outra garrafa. Foi postar-se na outra extremidade da praça, por trás da quadra com as costa para a rua 17 – outra lateral do mercado. Começou a reler “O Lobo das Estepes” e fazer algumas anotações:
- E ai não fura? – interrompeu lhe o robusto Goiaba, vendedor de CD piratas sentando ao seu lado para curiar o qu’ele tanto escrevia – E ai, para fazer um livro é preciso quantos cadernos?
Um cheiro adocicado de marijuana invadiu o ar. Mas Com não localizou a origem e começaram a papear. Depois entraram no mercado.
- Um dia encontrei seu Riba na praça, quase umas duas horas em pé no canto. E ai macho? Perguntei. “Estou esperando um pau nu cú, que ficou de me apanhar”. Rapá, esse pessoal tem cada expressão, não é poeta? – caíram na risada separando-se.
Na pensão, digitou seus textos. Deitou-se voltando a Harry Haller, o solitário “Lobo da Estepes” de Hesse.
As onze saiu novamente para ronda. Recolheu se no começo da tarde. Almoçou uma boa carne de porco bem crocante com o toucinho derretendo na boca. Uma Petra oferecido pela senhoria e cama.
A noite, o Fantástico e a bela serie da BBC wild – bichos espiões. Na TV Assembleia um documentário sobre o grande mestre da canção maranhense Antonio Vieira. Começou assistir Mad Max, mas o sono foi maior. Good Night!