Défice geométrico
Tubérculo surge.
A planta do lábio evasivo
na pofundidade da terra
debaixo da pele -
preciso,
fixa-se.
No perímetro de um grito
o despiste das palavras,
a folhagem que berra,
o vidro que corta a medula
onde ainda me travas.
Um pomar de ilusões,
rios de flores
assombradas pela sede,
o perfume das searas
ofuscadas
e o pólen carbonizado
na dormência interna
da fecundação.
Cai centeio sobre os ombros
varridos pela soberba
dos "importantes".
Não chegam cartas felizes
que me falem sobre o crescente,
a água morna e não fervente,
em sal misturado de esperança.
O pão é travesso,
a fome afunila o sorriso
a noite teima em ser demónio
na manteiga que derrete.
Lacrado é o sistema,
o quarto indiviso de uma maçã
presa ao ramo
que não descola o barco
da semente envenenada.
De amor também não falo,
porque me devora uma paixão
incontrolável
surda
inquieta,
oculta
e sobejamente solitária
que não posso revelar.
Na curva do mundo
traço linhas rectas moribundas
com o desejo (sofrível)
de que um dia
ambas as raízes frágeis
se cruzem
e se tornem profundas.
Quero o diâmetro.
rainbowsky
Sangue inflamável
Ceifas as pálpebras,
esmagas o céu escarlate
com a timidez oblíqua
num vaso esquartejado.
.
O campo adormece-te na pele,
a noite nasce-te da boca
em flutuação irrespirável
para lá do firmamento refractário.
.
Arrancas a neblina da aragem
que absorve a corrente de ar
nos rodados enlameados
pela força motriz
de um beijo relâmpago.
.
Ninguém te ouve serenar
para lá do último hectare
regido por sonhos
que os herbicidas teimam
em querer aniquilar.
.
Dilatas as pupilas nas mãos,
abres as portas do rosto,
e no pátio da voz
sopras a imagem do fruto
que amadurece na língua da tua árvore.
.
Acendes um cigarro
com o enxofre do fósforo
humedecido na alma.
.
Lentamente deixas-te embalar
pelo desnível da pastagem
folheada pela saudade.
.
O granizo apedreja-te os sentidos
e tu receias a escuridão.
.
Por isso trago comigo um candeeiro
cheio de sangue inflamável
que te iluminará para sempre
em todos os mundos em que te sinto!
rainbowsky
Expresso descafeinado
E tinha apanhado o expresso,
para evitar a palpitação da dor.
Pediu um descafeinado
fora de horas,
sem açúcar, gesticulado,
derramado no chão, confesso,
hipotético - quase.
E foi um momento trincado
com doce de amoras
nos teus olhos, derretido,
evidência sem ter base;
vertiginoso, sublimado,
pouco certo - denegrido.
.
Em poucas palavras:
capas em mote,
o corpo sugerido, divulgado
que eu não meço.
Convidado quando choras
na terra que lavras,
mordaz universo, elástico;
de um azul que me despeço -
quimera, fantástico.
.
Entre tombos,
gestos em cor consagrada,
desmesurada
na respiração, no cântico
de lábios rombos - fechados;
gelados como os meus.
.
Domínio.
O vento.
Segredos em riste.
A voz do declínio
na saudade genial,
no rodopiar do fascínio
em despiste
amordaçado - fatal.
.
E a noite fugindo
no aroma fugaz.
.
O amor é inverso
a um expresso descafeinado.
rainbowsky
Chego a mim para chegar a ti
Chego a mim. Vírus aberto em módulos,
encaixe que se fixa na parede derrubada.
- Quanta farpa na carne indiscreta.
.
Chego a mim. Segundo atento,
gesto ferido que transborda sensação.
- Frágil norma de aviso prévio sucumbido.
.
Chego a mim. Alerta de brilhantes,
corrosivos séculos de azul profundo.
- Querer arte nova e tinta residual.
.
Chego a mim. Grama rainha de encanto,
frágil ponte, análoga sombra descritiva.
- Compilam-se revés à importância amorosa.
.
Chego a mim. Escura trégua que não vai.
Ferrugem em pensamento que te chama.
- Clorofórmio do meu eterno desejo.
rainbowsky
Guerra e uma pequena esperança
Flocos de neve amarela caem na montanha cor de laranja.
Os aviões violeta voam sobre casas negras com janelas verdes
e largam bombas cor-de-rosa diante de rostos
com olhares transparentes em lagos de pele azul desesperada.
.
As horas castanhas passam devagar - caem folhas cinzentas
nas ruas cobertas de fumo ensurdecedor, vermelho, árido.
.
Corre nas veias uma espuma de mares revoltos - estilhaços
de amargura - indomáveis nos passos de uma criança.
.
Depois, por entre toda a devastação cinzenta
e o cheiro nauseabundo da mórbida carnificina
surge uma mão que se estende a uma outra que está ferida;
um raio de sol surge por entre a neblina de pó -
os olhos cheios de lágrimas agradecem.
.
Num qualquer momento pode cair um rocket,
mas no momento seguinte haverá alguém, algures,
que arriscando a viagem às brumas do silêncio íntimo,
percorre a cidade levando no peito
um pequeno gesto, um pequeno apoio...
e por mais ínfima que seja:
A ESPERANÇA!
rainbowsky
Fim sem fim
Escarpa.
.
A estrutura leve embala um ponto.
A corda gelada sufoca o extremo.
A pálpebra funde o mar.
.
Térreo.
.
Bombeia o sangue nublado.
Bravo silêncio nas vielas.
Brusco grito para a multidão.
.
Ocaso.
.
Límpido retrato de ondas desviadas.
Líquido aspersor de fantasia
Lua de encanto na sombra da alma.
.
Retrato.
.
Vento em vão cometido.
Vespertino aroma de mágoa.
Vácuo trucidado nos lábios feridos.
.
Fim sem fim.
Quelíceras da alma
Lanças uma teia que não é,
teces com fio que não existe,
prendes-me na dor - afta.
.
Rodeias-me flexão em espelho,
de pantufas fazes o escrutíneo ao meu desejo
sem que te importe o fim.
.
Quelíceras na alma
com que me injectas o veneno
e paralisas o rosto do meu sonho.
.
Adormeces-me,
sonífero galopante no sangue
adverso às rédeas do império.
.
Atravesso o limbo.
Atravesso o tempo.
Cumpro a última viagem.
.
Formal. Fico.
Informal. Vou.
.
E quando o organismo te detecta
já fui queimado...
como o último cromo da colecção.
rainbowsky
Silencio-me nas tuas mãos
A ventoinha abre os olhos para o pesadelo
comprimido numa lata de conserva em suspense.
Uma borboleta gira no meu pescoço sem oxigénio
e abre fendas no céu escarlate da noite.
.
Escorrem as palavras por um fio de néon
que a noite soletra na sombra de um beijo -
apagado no contorno frágil da minha mão,
onde outrora dilatou os poros reluzentes com a brisa.
.
Silencio-me nas tuas mãos.
.
Enterro os dedos na terra vermelha da pulsação,
tento estancar as feridas descarriladas.
Ardem as carruagens, estilhaçam-se os vidros
que os olhos plantaram nas bermas dos caminhos;
ouve-se o cantar do monóxido de carbono
nas inclinações do corpo deposto na ravina.
.
Segues com os teus passos irregulares
sem nunca olhares para trás, onde, imóvel - me entrego.
.
Silencio-me nas tuas mãos.
.
A luz da lua pousa nas ervas manchadas,
o rio corre rápido como uma chita...
como se tivesse pressa de dizer ao mundo
que os meus lábios sedentos de saudade
são como um atentado à bomba para o rosto da alma;
onde me despeço e as constelações vibram.
.
Silencio-me nas tuas mãos.
Adormeço nas metáforas da noite.
.
E sou.
E parto.
E nada sobre o eco permanece.
rainbowsky
A chuva no retrato
A chuva cai no meu retrato,
a neve tem trajes de intriga,
Gelam-se-me os dedos, perco o tacto,
sou poeta menor que comigo briga.
.
Há fragmentos de luz na solidão
e um diário em movimento destemido
com a dor de um coração
Esmagado em leques de amido.
.
A imperatriz entra na corte primorosa
a alma é história comovente,
tenho um mundo codificado em prosa
Que em verso é deprimente.
.
Talvez fosse príncipe com carisma
Ou apenas influência diligente!
Ou talvez uma grande cisma,
noite escrita, fria para toda a gente!
rainbowsky
Não vejo
Entreaberta,
mas fechada.
.
Recostada,
mas desamparada.
.
Invulgar,
mas comum.
.
Especial,
mas falível.
.
Serena,
mas nervosa.
.
Líquida,
mas mortífera.
.
Cega,
mas poderosa.
.
Ausente,
mas incrédula.
.
Aguçada,
mas frágil.
.
Tímida,
mas nua.
.
Única,
mas imensurável.
.
Alma,
mas não vejo.
rainbowsky