Á tona
À tona
Aflora aurora perdida
Vem transformar dias novos
Trazer de volta aquela praça
Teu sorriso sem graça
Revoar dos pássaros ao entardecer
O beijo inocente que enlaça.
Tão distante parecem os anos
Tão perto as emoções do coração
Diante do espelho semblante sorri faceiro
O pente desliza nos cabelos brancos
Nos lábios o queimou da saudade
No peito ofegante desejo...
Jamaveira
Fístula
Fístula
Lamento a aurora perdida
Soubesse eu curar tantas feridas
Saberia perdoar a mim mesmo.
Jamaveira®
Passagem secreta
Passagem secreta
Tarde nevoenta sem vento...
Meu pensamento estagnado
Não sai daquele tempo
Insiste na felicidade de uma época
Onde o sorriso que se estampa
Não passa de arco-íris distante...
Os anos já se perderam na poeira
Foram embora com a aurora colorida
O bem-querer partiu
Decidiu sua vida por outro caminho
Eu fiquei exatamente aqui
Aqui onde tudo aconteceu
Jamais a vida me convenceu que existe
Que existe outro lugar para se ir
Não parti, continuei em teu coração
Mesmo sabendo dele não fazer parte
Não me importa, és o túnel do tempo
Vou e volto pela porta dos meus sonhos
Porta que jamais será fechada
Segredo de um amor que nunca se foi.
Jamaveira®
Frio na Alma
Frio na Alma
Prestei atenção no vazio do infinito
Lá estavam aqueles pássaros voando
Gritavam à proximidade da chuva
Fiquei ali de olhos grudados no além...
Longe, muito longe, árvores envergavam.
Tudo escureceu, assim como meu coração.
A chuva no telhado chorava nas biqueiras
Alagando o chão fazendo redemoinhos
Meus pensamentos iam-se no aguaceiro
Desaguando nos bueiros em desesperos.
A paisagem acinzentada invernava
Acobertava a saudade hibernada.
Jamaveira
Bigodeadas
Nos versos que ora improviso
Dou de cara com grande risco
Mas, não importa me arrisco.
Na casa do congresso olho vivo
Por todo lado há perigo
Palavras ferem tal qual navalha
Canetada muda destinos
Em surdina elegem apadrinhados
Atos ferem, democracia sem cura.
Na contramão da razão palavrões
Todos na mesma panela
Enganam a nação.
A quem diga isso vai mudar
Outros cospem de indignação
A maioria de mãos atadas resguarda
Sabem serem enganados.
O sorriso cínico nos bigodes engravatados
Faz o humorismo deleitar-se
Tirar de foco tal gravidade.
Por traz de tanto desvarios
O poder sem passaporte
Estalam-se do sul ao norte.
Os barões bradam em bom som
Que se dane o povo
Mente curta logo esquecem
Uma casinha ali, uma feirinha aqui...
Pacote social eis à salvação.
Próximas eleições
Nas urnas devoção, tantas emoções.
Nesta terra de escravidão
Nunca foi diferente
Burguesia escarra hegemonia
A plebe em massa aplaude desgovernada.
Jamaveira
Sentado na Varanda
Sentado na Varanda
Já não enxergo o balançar das arvores da minha rua como outrora
Havia algo de mágico em seus alvoroços
Pareciam festejar o meu passar
Acenavam de alegria quando me viam...
Aqui na varanda sentado nas sombras da noite
Vejo-as balançando aos ventos
Não são mesmos sentimentos que exalam
Parece agora acenar em adeus
Pressagiando a era que enegreceu
Anunciando o fim que se aproxima.
É triste sentir a tristeza da sua rua
A expressão nas linhas dos casarões
A distância que de repente encompridou as calçadas
Nos passos miúdos que o tempo freou
Todo um cenário em forma de nostalgia
Abraçam os pensamentos em devaneios desatinados
O ontem e o agora choram
E o balanço das arvores continuam...
Entre seus galhos sinfonia de despedida.
Jamaveira®
A roupa e o couro
A roupa e o couro
Carcaças penduradas lá no terreiro
Balançam ao sabor dos ventos passageiros
Formas distorcidas assombram o chão em pingos
Trapos que já tão frágeis perderam as cores
Desgastados pelo tempo parece minha pele
Foram ela que amassadas com teus carinhos
Sujeitaram-se ao abandono no espelho do ninho
Foram elas que vestiram todos os dias
Suadas, congeladas, sujas e lavadas
Sempre as mesmas sugando o suor dos sentimentos
Do canto da janela espero o entardecer
O vento agora impaciente arremessa aos ares
Faz dos trapos bandeiras cheias de ar
Como sendo eu que vôo em liberdade
Espalhando o cheiro surrado do passado
Quem tem nas vestimentas sua identidade
Veste-as como sendo sua própria homenagem
Todos dizem: “Lá vem ele, eu conheço de longe!”
Jamaveira®
Feiticeira
Muralhas são teus olhos
Espelhos cobertos de negro
Embrutecidos pelo tempo
Frio lago no inverno
Breu na noite sem lua...
Fico a pensar a desejar
Mergulhar nas tuas trevas
Desvendar teus segredos
Acalmar os tormentos
Ser tua menina dos olhos...
Face esculpida em pedra
Traços marcantes
A ponta do cinzel talhou
Pudera enfeitiçá-lo com amor
Quebrar o feitiço do desamor.
Jamaveira
Fuga
Disfarça tua ira
Os olhos denunciam
Vai chegar teu dia.
Paixão virou poeira
Carinhos uma porqueira
Vida sem eira nem beira.
Junto os cacos e parto
O sapato perdeu o salto
Descalço pego o asfalto.
Lá onde o corpo descansa
O credo pra todos os santos
O destino se lança.
Jamaveira®
Aquela maravilhosa tristeza...
Aquela maravilhosa tristeza...
Nas sombras dos arvoredos espalhados no cemitério
Mausoléus sombrios desenham cenário introspectivo
Caminhando por entre jazigos frios emudecidos
Viajo nas definições do tempo perdido...
Atmosfera misteriosa abraça os pensamentos sem sentimentos
Nesta utopia de fazer a respiração parar
O sangue gela nas veias.
A atração pela tristeza reina rara beleza
Eleva o espírito para depreendê-lo das futilidades do mundo
Colocando o ser em contato com a própria morte.cccc
A sociedade marca-nos como depressivos
Não entendem a atmosfera do pensamento em elevação
A introspecção com todos os seus encantos
O desejo de poder ser triste.
Coisas que parecem horríveis aos olhos que reprovam
Enxergamos como maravilhosas belezas artísticas.
Jamaveira
Poesia que me deu o 3° lugar no 4° concurso Gótico “Vale das Sombras”