Poemas, frases e mensagens de Gideon

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Gideon

Pingou uma lágrima

 
Pingou uma lágrima…
Nem notei que estava chorando…
Percebi somente quando a senti cair na mesa…
Em frente a você…
Em frente a sua lembrança…

Eu lia o que escrevera sobre as lembranças…
E, então, chorei sem lamentar…
Simplesmente pingou uma lágrima…

A felicidade, parece às vezes fugir da legitimidade…
E se esconder no impossível, no ilegal…
A felicidade esteve aqui…
No meu peito, ilegal, ilegítimo…

Seu corpo esbelto, por aqui parece passear...
Indo para a cozinha,
Vindo para a sala..
Deitando-se no sofá…
Penteando-se no espelho do quarto…

Mas estou só…
E talvez para sempre só de você.
Agora são várias lágrimas…
Mas que logo secarão
E já não mais serão…
 
Pingou uma lágrima

A grande viagem

 
Dava dó avistar aquela gente conectada uma à outra pelo cadeado inteligente, aguardando a vez de embarcar no aerotrem que os levaria para Yo.

Senhores, senhoras, crianças, bebês de colo e até cachorros e gatos. Todos condenados a separarem-se definitivamente da Terra.Certamente muitos deles não sobreviveriam a dura e longa viagem, por uma questão óbvia de tempo necessário até Yo, ou por conta da validade do medicamento pluslife, muito utilizado para estender em algum percentual de tempo a longevidade das pessoas. Enfim, somente alguns, de fato, fincariam os pés em Yo.

Os gestores até esforçaram-se em providenciar as melhores condições para que aquelas pessoas pudessem ser felizes durante a Grande Viagem e assim minimizar a dor e o sofrimento pela separação definitiva de seu planeta, aonde deixariam parentes, sonhos, alegrias e esperanças.

A vida na Terra iria morrer, disto ninguém duvidava e todos tinham consciência de que alguma coisa precisava ser feita para que a espécie humana não fosse definitivamente extinta. O pensamento unânime era de que a forma mais racional, humana e decente de encarar o problema seria mesmo enviar estas pessoas para Yo. No futuro todos sabiam que iriam também, pois a Terra seria inabitável após o impacto, conforme concluíam as irrefutáveis e infelizes pesquisas científicas.

Apesar da maioria estar convencida disto, alguns grupos ortodoxos fundamentalistas lutavam para arregimentar seguidores para o que eles, eufemisticamente, chamavam de a grande passagem, que seria o suicídio em massa no dia X. Quando seria esta data ninguém sabia ao certo. O que as autoridades sabiam era que deviam proteger o grupo que embarcaria para Yo das ameaças terroristas feitas pelos fundamentalistas, que não concordavam que a raça humana deveria ser enviada para outro planeta, e lá dar continuidade à vida consciente.

Antes de chegar a Yo os viajantes iriam aportar em um imenso cometa, que passaria a aproximadamente duas vezes e meia a distância da Terra à Lua, ou seja, em torno de 960 mil km da Terra. Esta era uma chance preciosa e irrecusável oferecida pela natureza para chegarem bem próximos de Yo, aonde algumas naves construídas pelos exploradores com materiais próprios do planeta, iriam resgatar as pessoas em diversas viagens.

Todos receberam os treinamentos para a Grande Viagem e a vida em Yo. Em milhares de postos espalhados munda à fora aprenderam como flutuar, dormir, usar o banheiro, comer etc. Algumas pessoas saíram-se melhores que outras, mas na maioria todos acabaram acostumando-se com esta nova realidade. Já há muitas gerações as crianças vinham aprendendo na escola os conceitos básicos da vida em Yo e do comportamento que teriam de ter na Grande Viagem.

Os robôs, juntos com os técnicos, já estavam há séculos em Yo e já haviam alcançado o nível planejado de autonomia para não dependerem mais dos recursos da Terra. Lá eles cultivavam diversas espécies de alimentos preparados há muitas gerações para serem consumidos pelos homens e animais.
Na Terra todos tinham acesso às imagens e imersões virtuais para simularem a realidade de Yo. Diversos brinquedos, equipamentos, cursos, etc., eram comercializados com abundância nas feiras e nos centros de consumo estando acessíveis a todos.

Os centros de realidade virtual reproduziam fielmente as condições climáticas, geográficas e de temperatura de Yo. Na verdade, havia controvérsia se estes aplicativos não eram muito otimistas cumprindo, desta forma, uma estratégia dos governantes.

A merenda escolar era formada, em grande parte, por alimentos que também eram cultivados naquele cometa. O organismo das novas gerações já estava sendo adaptado, aos poucos, para esta nova realidade.
Apesar de todo o esforço de adaptação e transição, na fila existiam pessoas que não queriam embarcar agora. Algumas delas não haviam passado por todo este treinamento, principalmente os mais idosos que se negavam a atualizarem-se com as novas versões dos treinamentos. Outros questionavam por que levar os idosos já que, possivelmente, eles não iriam além do cometa transitor. No entanto as autoridades, por mais questionadas que fossem, insistiam na necessidade de enviar também estas pessoas, pois desta forma a célula familiar estaria completa proporcionando uma maior autoestima aos viajantes.

Alguns poucos, mesmo assim, tentaram desistir da viagem na última hora, mas o cadeado inteligente era irreversível, como todos já sabiam e aceitaram. Os mais conscientes sempre lembravam aos indecisos da responsabilidade coletiva que fora exaustivamente debatida com a sociedade.
Por outro lado, outras pessoas que ainda não estavam agendadas para a viagem insistiam em embarcar agora.
Na verdade esta já seria a terceira leva de pessoas para Yo. As duas primeiras foram de técnicos e aconteceram em períodos muito distantes um do outro. Ninguém tinha notícia clara de como estas pessoas estavam virando-se naquele planeta. Apesar dos boletins oficiais, pairava no ar uma certa desconfiança de que o “Cérebro Central” não dizia a verdade plena sobre o assunto. Afinal, até o momento nenhum técnico tinha dado algum depoimento ao vivo. As raras entrevistas foram, visivelmente, editadas pelas autoridades para passarem sempre uma imagem de felicidade e otimismo.

Havia polêmica quanto a este comportamento. Alguns achavam absurdo as autoridades manipularem os fatos, enquanto outros entendiam que isto era justificável, pois certamente nem tudo correria como planejado, no entanto, não havia outro jeito. Com problemas ou sem problemas, a Grande Viagem precisava ser feita, pois a Terra não abrigaria mais seres vivos. Também havia a preocupação em não dar argumentos para os grupos ortodoxos, revelando problemas que surgiam em Yo.
Eu me afastei correndo daquela gente e mergulhei na multidão indiferente ao embarque, e fui pensar sobre o assunto mais detidamente, agradecendo a sorte de ainda não ser a minha vez.
 
A grande viagem

Porque escrevo

 
Escrevo porque sou livre.
Não porque sei escrever,
Já que sei que não sei escrever.
Escrevo porque não sou dono do meu ser
E nem tenho o direito de sê-lo.

Escrevo mesmo sem querer escrever.
Às vezes passo tempo sem me atrever
É preguiça mesmo e vontade de nada fazer.
Mas, enfim, quando ele, o meu ser,
Quer e insiste em querer,
Não tenho como fugir.
Quando menos me dou conta
Cá estou a escrever.

Não o faço para que outros possam ler.
Tanto é assim, que não divulgo, jamais, para valer.
Vez outra, para um amigo, conhecido
Ou outra pessoa que julgo merecer,
Certifico-me, antes, se gosta de ler.
Se percebo que sim, apresso em escrever
O endereço deste site, e logo me esconder
Temendo que, quando ler, nunca mais me venha ver.

De fato, percebo que amigos e conhecidos
Que outrora me tinham como sério
Inteligente, e culto para valer,
Depois que apresento este site,
A sua amizade, penso nunca mais merecer
Pois, por mais que insista, procure-o, me desculpe,
Mesmo assim, percebo, que aquela amizade,
Que outrora, era tão sólida, linda,
Agora, parece perecer.

Enfim, se você até aqui lendo estas besteiras
Conseguiu sobreviver.
Logo vai, sem muito esforço, perceber
Que os demais escritos, aqui, nada têm a ver
Com este ridículo, infantil, e ultrapassado,
Poema, que escrevi não sei porquê.

Acredite, podes crer, que quando este pobre poeta
Começou a escrever,
Não queria rimar, até porque
Este estilo é coisa do passado e,
Mesmo assim, poucos sabem fazer.
Drummond, Pessoa, e outros grandes poetas,
Que poucos conseguiram entender
Evoco aqui covardemente, apenas
Para que o Google, Yahoo, Altavista
E outros mecanismos de busca na web
Venham me socorrer.

Enfim, chega, pule o restante para não se aborrecer
Clique logo no menu ao lado, e comece a ler
Ou se és teimoso e até aqui chegou,
Um poema de amor, penso, vai tocar o seu ser
E se chama: ”O Amor que não aparece“
Mas eu torço para aparecer
 
Porque escrevo

Um delírio

 
Ampliei a sua foto
Remexi cada cantinho de seu rosto
Enfiei-me pelos seus olhos redondos
Atirei-me em sua boca indecente.

Atraquei em seu pescoço...

Mordisquei nervoso suas orelhas
Queria o seu amor, o seu som
Busquei a sua respiração
Atravessei a sua pele e lá fiquei.

Ampliei o seu olhar com o fotoshop
Virei a cabeça prá melhor te observar
Balancei seu rosto prá seus cabelhos voarem
Agarrei os seus lábios, deliciei-me.

Busquei na mente resíduos de você...

Recitei poesias batidas, prá ti já oferecidas
Fiz declarações absurdas de amor impossível
Imaginei ter você, em toda a vida.

Desliguei o virtual...
Chega, apaguei você...
Sacudi o rosto e pela sala andei...
Esfreguei a cara com sabão
Prá calar o delírio da paíxão...

Não sei, não sei e não sei...

Ainda bem que vou prá longe
Lá de cima vou arremessar
Esse sentimento torturante
Prá um felizardo, coitado,
Cá em baixo encontrar.
 
Um delírio

Deusa da minha paixão

 
As coisas tomam formas diferentes dependendo do ângulo em que são vistas.
No meu ângulo, tempos atrás observando embasbacado uma escultura falante, viva, alegre, ligeira e inteligente, posta em um lugar poético e historicamente cultural, o elegante Café do Odeon.
Ela, a escultura, a medida em que eu a observava fazia surgir em minha mente formas em revoluções sobrepostas, meio psicodélicas que passeavam pelo meu interior desarmando-me e imobilizando-me completamente.

Restava-me, ali, indefeso, continuar inebriado e imobilizado pela beleza dinâmica da deusa.
Claro, o trato era, e acabou sendo cumprido, o de estudar português do Décio, prof. da Academia dos Concursos.
Foi produtivo, e não poderia ser diferente. A eficiência dela é inigualável.
Entrego-me confiante ao seu ritmo, certo de que ela sabe o que faz.
Ainda não assimilei completamente o impacto da beleza que invade o meu interior.
Esta beleza que embala as minhas noites e intrometida apodera-se da minha mente impondo uma nova arrumação, espanando com certa arrogância lembranças obsoletas que já deveriam ter saído de lá há muito tempo.
E assim ela vai apoderando-se dos meus pensamentos.

“Meu Deus! Não me desampare nesta hora poética!” Talvez gritasse o salmista Davi, em seus passeios matinais pelos montes de sua inspiração.
Não ouso orar como Davi, mas o sentimento talvez seja bem parecido.
Ele era um homem sempre apaixonado, diria até meio exagerado a ponto de se apaixonar pela mulher de Urias, o coitado capitão e guerreiro de seu exército.
Mas, com a mesma valentia com que enfrentava o inimigo também, quase que candidamente, tangia de forma magistral a sua velha harpa, elevando-se ao nível dos deuses poéticos…

“Meu Deus, traga-me de volta à terra dos homens mortais!” Oro agora desesperado querendo retornar do devaneio que a imagem da deusa me remeteu.
Mas isto tudo foi ontem, somente por duas horas corridas que confirmaram as teorias de Einstein, sobre a relatividade do tempo.
Como passou rápido, voando! Mas foram suficientes para presentearem-me com uma noite descansada e revigorante, depois de tocar a minha guitarra até meia-noite, claro, embalado pela imagem da deusa, que àquela hora já se apoderara completamente da minha decência e vontade.

Talvez ela ao ler isto assuste-se pela impetuosidade das palavras, mas digo-lhe: Leia somente, é tudo muito leve e respeitoso, sem planos ou esperança de qualquer conseqüência.
É o fenômeno humano atuando em um homem que de repente depara-se diante de uma beleza poética que a deusa, talvez, nunca imaginara inspirar nos homens.

Aliás, ela nem sabe que é uma deusa.
 
Deusa da minha paixão

Ter você e nada mais

 
a urgência de estar com você...
um beijo molhado que tem de logo secar...
um abraço apertado que dor não pode deixar...
um olhar profundo que pouco depois se vai...
uma esperança de ficar que logo se esvai...

a urgência de estar com você...
continuar com você...ter você...
logo se desfaz a esperança frente a realidade
do seu lar, sua vida, sua sina, talvez....

hoje já quero ter você sempre...
não um encontro fortuito...
que força uma irresponsabilidade...
que roça, somente roça, o meu coração.

quero acordar com você
ver você cabelos ao léu.
olhos pegajosos da noite,
bochechas marcadas com linhas do sono.

quero acordar com você.
uma preguiça da noite bem transada.
dos beijos estalados misturados aos gemidos
do prazer de ter nós dois.

quero correr para o banheiro, fazer barba...
você em pé na porta a espreguiçar-se, observando-me
depois fazendo um café prá nós dois...
que já embaraçados nos braços
mistura creme de barbear à alegria de nos termos.

quero correr pro banho, pela manhã...
você trazer a toalha e me apressar pro trabalho...
me puxar prá cama pro último amasso.
catar pedaços de linhas presos ao meu corpo.

quero correr atrasado pro trabalho...
te acenar o último cumprimento e gritar, já na esquina,
que te amo... te quero sempre.

vale sonhar, devanear.
vale quando quase se tem
o que não se tem bem pertinho de si,
parece que para sentir o gosto de ter você sempre...
para mim.

sei que acho que não sei esperar você.
sei que sei que quero te amar...
e contar pros meus próximos o quanto
vale ser meio louco quando se tem a quem amar...

quero ver você no luar, fazendo sombra na grama
que logo nos terá agarrados, espremidos, esmagados,
prá amar debaixo das estrelas
como a sua fantasia te faz lembrar...

quero você hoje, agora e sempre...
seu amor assustado com um turbilhão
de paixões que parece se aproximar...
com beijos saudosos que nunca acabam...
 
Ter você e nada mais

Com anjos no frio - Lembranças de Joinville

 
Ontem foi um dia frio. Estive durante o dia todo envolvido com o meu projeto do DRH e às 18 horas tinha marcado com um amigo para tocarmos blues. Deu 18h10min saí correndo para casa. Ao pôr os pés lá fora parece que me desliguei completamente do trabalho. Senti aquele frio nas orelhas, nos cotovelos... Veio-me assim, meio de sobressalto, as lembranças de quando eu morava em Joinville. Lá fazia muito frio, mas era um frio gostoso de sentir... Eu adorava me agasalhar bem e sair pela cidade, bela cidade, sentindo o vento nas minhas bochechas. Onde eu morava, um bairro chamado Atiradores, o mais arborizado da cidade, era ótimo caminhar pelas ruas floridas e com o vento frio batendo nas orelhas...

Cheguei em casa correndo. Muito frio. Tirei a roupa do trabalho. Tomei um banho quente e agasalhei-me bem com meias grossas e casaco pesado. Joguei-me no sofá, liguei a TV e fiquei assistindo o A&E Mundo, um canal a cabo... Mas a minha mente insistia em remeter-me à Joinville. Meio que magicamente comecei a sentir o perfume das flores do local. A mente trouxe-me lembranças que achei já estarem sepultadas. As ruas sem saída sempre floridas, os bairros de alemães com aquelas crianças de cabecinhas aloiradas, as meninas lindas com os vestidos compridos, super compridos...

De repente, percebi que evocara, um dia antes, os anjos para povoarem o meu apartamento e agora eu os via na minha cozinha. Levantei e fui até ao quarto e fiquei olhando para a cabeceira da cama observando um anjo pousado lá. Vim caminhado devagarzinho até a cozinha. Recostei-me no marco da porta, e com as mãos no bolso, corpo jogado de lado, fiquei observando a pia, a geladeira e verificando se lá também não existiriam anjos...

Despertei do sonho com aumento repentino do volume da TV por entrar um comercial. Revolvi meu corpo meio com preguiça e afundei novamente no sofá. Olhei agora desperto, para cada canto de meu apartamento e fiquei imaginando se ainda me lembraria daquele lugar quando cinco anos se passassem... Imaginei também um anjo ali, não um mais cinco, talvez seis, encarregados de me protegerem... Lembrei que essa coisa de anjos começara quando recebi um e-mail simples, mas definitivamente profundo de uma linda colega de trabalho desejando-me, do nada, um bom dia com um anjo ao meu lado.

O frio aumentou mais ainda. A preguiça levou-me novamente para o sofá. Não dei bolas para o blues que iria tocar. Estiquei o braço e consegui alcançar uma revista na mesa de centro... Folheei-a, mas não li nada… A joguei de volta na mesinha de centro e adormeci no frio...

Acho que o anjo percebeu que agora poderia descansar e sentou-se me observando adormecer...
 
Com anjos no frio -  Lembranças de Joinville

Beijos e selinhos

 
Beijos.. simplesmente beijos...
Somente beijos,
Talvez selinhos.
Beijos, talvez selinhos…

Selinhos são safados,
Porque fingem serem inocentes,
Mas são sarcásticos,
Pois nos levam quase ao prazer
Da língua escondida lá dentro, pronta pro bote...
Mas que não vem.
Esconde-se no alvéolo.

A boca até saliva preparando-se para o ataque,
Mas o selinho não deixa.
Retesa os lábios que ficam durinhos,
Fechados, e se selam
Ccom um estalido…

Beijos de selinhos...
Hoje... somente hoje.
Fique com os selinhos…
A língua não perde por esperar…
 
Beijos e selinhos

Ao pé do Mar

 
Olhar o mar sem par
olhar o mar sem caminhar
caminhar na areia sem olhar
viver sem amar.

Olhar o mar. Que mar!
armar os búzios prá amar
amar o mar, somente o mar.

Perder o olhar, olhando o mar
a esperança, perdida no mar
lançar-se ao mar, prá um amor buscar.

Procurar a esperança, perdida no mar
para uma última paixão tentar
ou morrer na eterna desilução sem lar.

Olhar o mar e evitar
uma gota de lágrima que teima em jorrar
talvez queria ao mar se juntar
pois não mais nasceria da tristeza de um olhar.

Olhar o mar, espreguiçar-se
esticar lentamento o olhar
a procura de uma nau a navegar
com o mastro sumindo bem devagar.

Para que existe o mar?
para o marujo navegar...
para o casal namorar...
ou para o solitário lamentar?

Vou-me embora do mar
ou talvez vá com uma onda pro mar
quem sabe uma sereia cantora
acalente o meu lamento, prá sempre no mar.
 
Ao pé do Mar

Na calada da noite

 
Na calada da noite..
Cá esto eu, olhar em uma fotografia de mulher, mistério
Teclando peosias brotadas dos fragmentos da emoção
Diálogos rápidos e diretos. Sensualidade espremida nas palavras...

Cá estou eu, hoje.. sozinho.. nesta noite de sábado de Outono...
Coração sem dono... estoque de amor, por falta de uso
Do coração entornando.
Esperança espreguiçando-se no fundo escuro da mente..
Preparando-se para acordar do longo sono profundo...

Cé estou eu cometendo os mesmos pecados
Que outrora jurara não voltar a cair...
Dando atenção uma imagem, que me responde...

Ela linda e inquieta, sonolenta, aguenta firme
Os reclames da solidão que nos mantém acesos...
Mas agora.. bem.. pedimos arrego...
Vou domir.. com o coraçao pobre de amor...

Quem me dera essas letras tornassem-se realidade...
 
Na calada da noite

A jornada sem fim

 
O caminho da minha vida é sinuoso
É longo e estreito
Não tem iluminação e nem placa de sinalização
Os buracos aparecem de repente
E não nunca sei a sua dimensão.
Quando consigo, desvio,
Quando não dá, neles caio.

O caminho da minha vida é escuro
Tenho medo às vezes de sair dele.
Quando o Sol aparece,
Consigo ver os rostos das pessoas ao redor
Quando ao Sol se vai, nada vejo.
A escuridão toma conta da minha frente
E somente sinto o resvalar dos braços
E ouço o barulho dos passos.

O caminho de minha vida às vezes tem morros
Somente os percebo quando estou ofegante,
Pois algumas inclinações são imperceptíveis
Somente percebidas pelo som da respiração.

Algumas vezes paro para descansar
Procuro uma beira ou uma pedra para me sentar
E aí vejo as pessoas que estavam mais lá atrás
Passarem por mim seguindo para os seus destinos.
Levanto, sacudo a poeira e continuo caminhando.

Algumas vezes encontro caminhos cruzando com o meu.
Vejo pessoas interessantes passando por mim
Em direção ao seu destino.
Algumas delas me encantam
E experimento mudar o meu curso
Mas logo, algumas milhas à frente,
Percebo que aquele não é o meu caminho.
Aí tenho que retornar todo o trajeto
E retomar o meu destino.

Às vezes encontro pessoas
Vindo em sentido contrário ao meu.
Também me encanto e vou acompanhado-as
Até que percebo que estou retornando e não indo.
Elas seguem o seu destino
E eu tenho que, mais uma vez,
Refazer todo o meu trajeto de volta
Passando por lugares que já havia passado antes.

O caminho da minha vida é melancólico
Tem vezes que percebo que estou sozinho.
Todos se foram, ou estão muito à minha frente,
Ou estão muito atrás de mim.
Nessas horas dá vontade parar e ficar plantado ali,
Esperando alguém passar por mim para acompanhá-lo.

Outras vezes no meu caminho chove.
Nessas horas tenho que me abrigar
Em baixo de alguma árvore ou uma caverna
À beira da estrada para proteger-me da chuva.
Outras vezes vem um vento fortíssimo
Que insiste em jogar-me pra fora do caminho.

Algumas vezes saio do caminho e piso na grama,
Quando não tropeço na beira e caio abismo abaixo,
Tendo, nesse caso, que empreender uma força descomunal
Para retomar a estrada.

Algumas vezes passo por árvores frondosas cheias de frutas.
Paro de caminhar e subo nelas para me alimentar
São momentos bons, mas logo enjôo daquele fruto
E retomo a minha jornada.

O que me impressiona muito nesta jornada
São os caminhos que cruzam pelo meu.
Às vezes vejo pessoas tão felizes, sorridentes,
Famílias bem formadas indo por esses caminhos
E então me pergunto por que estou nesse caminho
E não naquele.

O caminho da minha vida é longo
Às vezes ele segue em linha reta
Nada acontece, nenhuma paisagem nova
Até que em uma curva qualquer
Toda a paisagem muda.

Tem vezes que no meu caminho
Encontro pessoas caídas e trôpegas
Tenho aquele ímpeto da ajudá-las
Dou-lhes meus braços, mãos e ombros
Mas logo elas desatrelam-se de mim e também seguem
Por uma curva em direção aos seus destinos.

Algumas vezes quero desistir de caminhar
Mas logo percebo, pelo intenso movimento da estrada,
Que não tenho opção. Preciso ir, seguir em frente
Na direção do destino, na jornada do sempre.
 
A jornada sem fim

Sem Rascunho

 
Veio-me a palavra “rascunho”...
É isso mesmo: “rascunho”…
Não deu tempo de fazer rascunho.
Não deu tempo de ensaiar palavras bonitas.

Não deu tempo de comprar um perfume novo,
Ajeitar o cabelo (pode? risos)
Ensaiar gestos no espelho…
Nem dar uma corridinha para sentir-se atleta…
Não teve rascunho…
Isso mesmo, sem “rascunho”!

O turbilhão de sentimentos
Pôs-me de ponta-cabeça,
Como dizem os paulistas,
E nem as unhas dos pés tive tempo de aparar…

Não teve rascunho e nem terá…
Tudo é novo, diferente,
E completamente desconhecido para mim…

Questiono hoje se eu amara antes…
Pois o que sinto agora não tem nada a ver
Com o que já sentira no passado…

Meu coração teve de ensaiar, às pressas,
novas batidas, novos ritmos...
A minha mente não teve tempo
De convocar faxineira
Para varrer lembranças esquecidas por lá…

A enxurrada da paixão invadiu-me de dentro a fora
E está lavando tudo…
Acho que terei de aprender novas palavras,
Comprar novos mapas… tudo novo..

Não teve rascunho,
Só lamento, meio desajeitado,
Não poder ter preparado um poema rimado,
Metrificado e bem formatado…

Não teve “rascunho”...
E nem terá com esse amor urgente
Que arrebata o meu ser sem piedade.
 
Sem Rascunho

Caminho do Amor

 
Um raio de luz brilhou
E não quer se apagar...
Tem estrada de barro iluminada
Que leva prá algum lugar...
Te encontro lá...
Se a pilha acabar...
Me ilumine com o brilho de seu olhar...

Tem galho caído na estrada...
Pule, Maria, foi o vento da paixão
Que encobriu esse luar...
Acende a lanterna pro meu amor passar....

Pegue a esquina sanfonada
Que desnuda uma praia abandonada...
É lá que o nosso amor está
Fazendo covas na areia prá nos acomodar...

Acende a lanterna, Maria.
Pro nosso amor andar...
Não pisque os olhos redondos
Nem deixe a boca fechar...

Quero um beijo no escuro
Prá sentir o amor inundar
Nossas almas sedentas de carinho,
De vida, de esperança
E de um ninho prá ficar

M.....a...r..ia
Pule o galho no chão
Que o vento da paixão
Varreu na escuridão.

Vamos amar na praia
Aonde o nosso amor nos aguarda
Prá em um devaneio nos levar
Em uma escuna sem fim
No mar, prá sempre navegar...

Vamos correndo, Maria,
De mãos dadas ao ar
Quem sabe não é lá, no Mar,
Que vamos o amor eterno, enfim, encontrar.
 
Caminho do Amor

O Trem da minha sina

 
O sentido da vida
jamais poderemos saber,
os dias corridos e apressados
jamais poderemos reter.

Observo os outros, próximos,
que ao meu lado movem-se
pelo instinto do viver.
Vão e vêm sem perceberem
que uma sina oculta
cumprem sem merecerem.

Eu também da minha sina
não consigo fugir,
de tudo fiz, de tudo aprendi.
Faculdade de gente rica,
como diziam lá na vila,
profissão de família boa,
que não se consegue à toa.

Pois bem, por mais que tentasse
e tudo fizesse ao meu alcance,
cá estou em pé no trem parador
seguindo obediente pro meu labor.

A trilha do ruído dos trilhos
remete-me às histórias de meu pai,
que cumprindo por si também a sua sina
nos mesmos trens paradores e diretos
apertado e inconformado subia e descia.

Não, não entrego os pontos assim facilmente,
da bolsa de couro macio
saco a caneta e o caderno, paciente.
Anoto as expressões dos pobres coitados
e transformo-os em atores,
essa gente de recursos tão parcos.

Pelo vagão procuro feições tristes
prá rechear os meus tristes escritos,
mas sorrisos ingênuos e olhares candentes
surpreende a minh’alma de poeta reticente.

Volto-me para a minha própria condição,
passageiro desta tão pobre e nobre condução.
Na chupeta pendente agarro a minha mão,
pro balanço do trem não jogar-me na solidão.

Por de trás de meus óculos, disfarçado,
observo Maria de cabelos ondulados
e tosca roupa na moda dos rebolados.
Mastiga um chiclete já meio deformado.

Ela serve, quem sabe,
prá ser a minha heroína dum conto qualquer,
que insisto escondido ali existir,
e naquele cenário tão pobre
tento ainda alguma arte produzir.

Com uma das mãos sustento o caderno
com a outra a caneta retiro do terno.
Próximo à porta apoio as minhas costas.
As histórias de Maria
vou tentando dar forma
com letras tortas.

A sina da vida sofrida de Maria
insisto incluir no meu conto,
mas ela é bonita demais
e distraio-me com o seu encanto.

Um lugar prá Maria, enfim,
não encontro no meu conto.
Contudo logo percebo,
que o personagem que descrevo
sou eu mesmo,
que do trem da Central do Brasil
ainda é prisioneiro.

A sina da vida, insisto,
ainda quero incluir no meu conto.
Mas não é a realidade que de fato vivo?
Pergunto-me com desencanto.

O sofrimento do enredo
que sobrepõe a minha inspiração
vai desfazendo daquele conto
que não consigo continuação.

A minha sina parece que segue
no trem da minha vida
e cá estou de caderno fechado,
caneta no bolso borrado,
observando Maria que com charme
o chiclete ainda mastiga.

O balanço desse sofrimento
atormenta o meu coração
que é solitário de paixão,
Maria, quem me dera,
que prá ter o seu olhar tudo faria
mesmo que fosse por compaixão!

Na estação da Central
o meu sofrimento fita o chão.
O olhar de Maria se foi na multidão.
Meu caderno de escritos agora
descansa triste na minha mão.
Ainda ouço, ao longe, com emoção
o clamor da última pregação.

Anúncios saindo dos alto-falantes da estação
ecoam agora inundando o saguão.
Eu caminho apressado
esbarrando nos braços
de tantas marias
e em tantas mãos.

O poeta desce pro Metrô, frustrado,
e na escada rolante, agarrado.
desvia-se dos braços de esmola, esticados,
pendendo o seu corpo pro lado.

O conto sobre Maria
e o trem dos amontoados
ficarão prá outra viagem.
Quem sabe um dia sem esperar
a inspiração virá
e outras marias com outros penteados
serão heroínas do poeta,
que segue a sua sina
no trem dos desafortunados.
 
O Trem da minha sina

Amor prá ser lembrado

 
Sentirei falta
Do sorriso escondido
Dos pezinhos ligeiros
Da cinturinha fina
Da vozinha débil e sussurrada.

Sentirei falta
Do abraço acolhedor
Do beicinho birrento
Da mãozinha acomodada à minha
Do sorriso treinado, mas sincero...

Sentirei falta
De sair do trabalho e ir correndo
Encontrar-te arrumadinha
Esperando-me para o café.
De apressar os passos,

Atravessar na frente dos carros
Prá não perder um minuto sequer
E encontrar logo aqueles lábios úmidos
Sedentos de amor.

A menina sapeca que sabia pecar
sem parecer pecadora
Que sabia amar,
sem parecer apaixonada
Que queria carinho
sem parecer carente.

Sinto falta de a meia-noite chegar
E eu ter de ir correndo embora
Antes que a madrugada nos traísse
Entregando-nos ao amanhecer descuidado.
Os beijos ardentes e quentes
Que pareciam nos tragar,
Aprisionando o nosso amor dentro de nós,
Pra nunca mais escapar.

São tantas coisas que não dá prá contar
Mas dá prá lembrar e sentir saudades deste amor
Acelerado e quente que nos envolvia ardentemente.

Essa droga de tempo,
Que não tem manivela prá deixar voltar
Que segue incólume sua marcha em frente
Como que debochando da gente.

Quando a conheci, não imaginava amá-la.
Não procurei o seu olhar, nem a sua atenção,
Mas fomos logo tragados pelo abraço do acaso
Disfarçado de circunstância qualquer.

A diferença de idade logo ressaltou o especial.
O deslumbre nos impulsionava
contra as horas marcadas e o tempo.
Queríamos estar juntos sempre, o tempo inteiro.
Ela, esperta e viva, mas avexada e arredia
Foi entregando o seu amor na velocidade dos beijos.
Os beijos que libertaram o amor que estava preso em nós.

Logo vieram os planos e atitudes.
O sonho da felicidade possível
pousou em uma árvore ao lnosso lado
plantada em uma praça especial
aonde costumávamos devanear,
e ficarmos nos deliciando com as possibilidades.
Dia após dia foram passando
e o nosso amor descobrindo novos sabores.

Sinto falta do bolo de fubá com café
que se derramava em meu estômago
forrado de amor e carinho despendido por ela.

Não é assim! Não basta desligar o sentimento
que a nossa mente esquece, desacostuma-se!
Leva tempo, e muito tempo, às vezes...

Que droga de tempo...
 
Amor prá ser lembrado

O agora que não preciso

 
Tudo o que não quero agora
É o que sempre quis e busquei.
Voce que não preciso agora
É por quem no passado apaixonei-me.

Tudo o que não penso agora
É tudo o que sempre pensei..
O que sou agora...
É o que nunca, no passado, planejei.

As conquistas que não são agora
Foram tudo como o que sonhei.
A felicidade, que foi embora
Trouxe-me uma solidão que nunca desejei.

Tudo o que preciso agora.
É o que sempre recusei.
Pois o que tenho agora
São restos de sonhos inacabados.

Será que o amanhã me reserva
Tristezas e solidões
Que nunca planejei?

Será que o amanhã será triste
Solitário como o presente o é?
Pois com ele jamais pactuei.

Tudo o que recuso agora
É aquilo por que sempre briguei.

A solidão nessas horas
Abre as suas asas peludas
E me acolhe gentil e amiga.

Tudo o que não preciso agora
É o que sempre precisei.
Pois se só nesse mundo vim
Só, deste mudo, irei.
Gideon Marinho Gonçalves
 
O agora que não preciso

DESCOBRINDO O SAMBA

 
Macaé/RJ – Maio de 2002

Descobri o samba, sem querer e sem planejar... Tudo começou de repente... Veio o festival. Apareceu um CD. Encantei-me com o "O Feitiço da Vila" de Noel Rosa e Vadico. Montei um grupo com
formação de chôro, mas para tocar samba.

Tocamos com traje caracterizado. Achei que ficaria melhor com um casal dançando samba. Ficou ótimo. Dormi aquela noite sentindo-me realizado em mais um sonho.
Depois disso desandei a ouvir o samba. Apareceu o Fundo de Quintal. Baixei MP3 sem pretensões e sei lá o porquê. Baixei outro MP3 e outro e outro. Apoderei-me do cavaquinho. Toquei, toquei e toquei. Depois tive de entregá-lo ao Glauber, meu
primogênito. Comprei outro.

Sei lá, mas passei a amar o samba. Imaginando os primeiros sambistas do morro. Sem cultura e pretensões. Simplesmente cantando e dançando os pagodes e partidos altos. O samba falando do cotidiano deles.

O ritmo expressando a alegria, enfim, o samba.
Pesquisei vorazmente pela web tudo sobre o samba. Hoje o samba faz parte da minha vida. Tive de quebrar barreiras culturais em minha formação musical.

Uma coisa ainda não consegui vencer, é o ritmo difícil acelerado tocado no cavaquinho.
 
DESCOBRINDO O SAMBA

Hotel de Solidão

 
A noite cinzenta no hotel de solidão
A foz do Iguaçu que não ecoa na escuridão
O frio do Sul que sufoca o meu coração
Os pés trepados um no outro, protegidos, no chão.

O filho no MSN pedindo explicação
A sobrinha adolescente exigindo uma benção
Uma amiga solitária pedindo atenção
E o meu coração, esse, bem, sofrendo de solidão.

Ao fundo um smooth jazz tocando uma bela canção
Que me faz murchar de saudades do meu violão.
A distância de casa, dos filhos, amor, amigos e do cão,
Quero voltar correndo pro meu Rio, pisar no meu chão.

Escrevo sempre que estou triste
Melhor isso que ficar remexendo na cama.
Há tempo não sei como sorrir.
O afago de um beijo e o aperto de mão.
O som de meu sax, flauta, violino, latido de meu cão.

A saudade veio escondida na bagagem, no avião
Intrometeu-se no 206, em baixo de meu colchão
Ainda bem que não trouxe a sua irmã, a decepção.
Dias desses a vi escondida, telefone na mão.

Deixa estar, se desconfiar que chama a sua irmã
A despacho de volta pro Rio, sem compaixão.
Também vou, claro, em outro vôo, correndo pro meu violão.
Não quero a companhia da Decepção.
Em Foz do Iguaçu, não.

O som das águas que abundam por aqui
Não chegaram ainda ao meu coração.
Ledo engano, pois dissera a uma amiga
Que, cá, tocaria meu violino, na escuridão.

Olhando pro manancial de águas turvas
Misturaria os sons vindos da imensidão
Com a minha débil música, sofrida.
Pois bem, não vieram o sax, o violino e nem o violão.

E cá estou eu, MSN, estudando com meu filho
Que insiste não precisar do Inglês.
E nada de música, som, alegria e criação.
Sobra-me, somente, a melancolia
Nesse hotel de solidão.
 
Hotel de Solidão

A Arte da prostituição de Gabriela

 
Estou envolto em um mundo de pensamentos. Aqueles que nos assaltam parecendo ninjas insurgentes da escuridão. Livros, um após o outro, um junto ao outro, um por cima do outro. Estava lendo Exegese Bíblica, um livro maravilhoso e profundo sobre interpretação bíblica, mais ainda, sobre a interpretação do Cristianismo. De repente após o almoço, caminhando incertamente pelo Centro do meu maravilhoso Rio de Janeiro com a intenção de fazer a digestão do almoço, encaminhei-me para a charmosa Livraria Imperial, no Paço Imperial. Entrei e vaguei de um lado para o outro observando os livros sem pretensão e disposição financeira de comprar qualquer um deles, os quais eu olhava displicentemente. Como sempre faço, caminhei para a estante de Artes para ver alguma coisa sobre música e pintura. Deparei-me, então, com dois imensos, pesados e envelhecidos volumes de Arte em perfeito estado de conservação. Dois "tomos" com pinturas famosas desde a Renascença até a publicação dos livros, que se deu em 1932. O texto, com aquele português antigo e regra de acentuação diferentes da atual, me cativou profundamente. As pinturas são coladas nas páginas conforme aqueles álbuns de fotografias da época de nossos avós. Meus olhos brilharam. Me apressei e comprei os dois volumes. No caminho para o caixa, casualmente olhei para o lado e vi um outro livro: "Eu, mulher da vida" de Gabriela Silva leite. Alcancei-o instintivamente e folheei-o rapidamente. Resolvi também comprá-lo. Cheguei ao caixa, paguei-os e os enfiei em duas sacolas grandes. Saí saí e apressei os passos de volta para o trabalho.

Imediatamente quando cheguei em casa, comecei a ler os livros. Ora, eu iniciei este escrito falando dos diferentes livros lidos ao mesmo tempo, lembram-se! Pois é, assuntos contradizentes, conflitantes, etc. Mas não é assim a nossa imaginação, o nosso pensamento? Náo é tudo misturado mesmo? Nossos pensamentos parecem preemptivos e compartilhados. Folheei com atenção e curiosidade os livros de Arte. Realmente muito bonitos. As obras são fotografias autênticas, ou seja algumas tiradas pelo autor e outras reunidas e organizadas por ele diretamente de onde estavam expostas. O livro inicia com obras do século XIII. Para cada pintura o autor descreve as situações que as envolvem etc. Vou usá-los para decorar a minha sala e o meu quarto no futuro. Ficarão expostos, abertos ao acaso... Bem, mas o que me impressionou muitíssimo mesmo foi a Gabriela. Isso mesmo. O tal livro que veio como de brinde junto aos de Arte. Trata-se de uma prostituta que se tornou líder de todas as outras prostituas. Ela hoje deve ter uns 54 anos, mas na época em que escreveu o livro tinha 40. O livro foi editado em 1992. Devorei-o em 3 dias, dando descanso para o de Exegese.

(...) O Lula estava no palanque com o Gabeira, que fez questão que eu
falasse...
Não tive dúvida quando me deram a palavra. Contei a história,
dizendo mais ou menos assim: "Ao conhecer pessoalmente o cara que eu via de
longe falando em São Bernardo do Campo, como sindicalista, a sensação que
eu tive foi uma baita raiva porque ele me molhou de suor quando me abraçou. É
que isso me fazia lembrar dos homens na zona, no verão, e uma coisa que eu
detestava era quando eles iam transar com o corpo suado e ficavam pingando o
suor em cima de mim.
Senti que o povo se assustou um pouco, os
políticos mais ainda ( a não ser o Gabeira, que dava um sorrisinho cúmplice), aí acrescentei: "Depois que a raiva passou, eu fiquei pensando. Então, ele é um homem igual aos outros, porque ele também sua. É igual aos homens que iam na zona e transavam comigo nas tardes de verão."

Continua ela:

Quando desci do palanque, tinha um monte de gente chorando, querendo me abraçar. Era gente comum, que eu nunca havia visto na vida. Mas vieram também meus companheiros católicos do PT, (...), esbravejando comigo, que aquilo não era discurso para se fazer em comício. (...)
Quando foi à noite, estava ainda bastante confusa, achando que no fundo tinha
feito mesmo algo errado. Envergonhada do meu discurso, fui à Churrascaria
Majórica, no centro de Friburgo. Ainda na porta, o Lula me chamou meio de lado, e me disse com aquele vozeirão rouco:
“Gabriela, eu queria fazer uma
perguntinha a você. Minha mulher sempre me disse para eu usar desodorante, mas eu não gosto. Ela diz que eu transpiro demais e que meu suor fede. E hoje você falou disso no seu discurso. Me fala com sinceridade, não precisa mentir: eu estava fedendo muito naquele dia? Foi por isso que você ficou com raiva?”

Imaginem que este livro foi escrito muito antes do Lula ganhar as eleições presidenciais.
O mais interessante do livro é uma coisa que ficou clara para mim. A Gabriela era prostituta e não queria deixar de sê-la. As pessoas e instituições que tentaram ajudá-la o faziam com a intenção de que ela deixasse a sua vida indigna. Ela sempre afirmou que gostava de ser prostituta e mesmo assim ser útil para a sociedade e para as outras pessoas que precisassem dela. Por aí vai o livro.

É uma visão realmente chocante. Confesso que me chocou também. São os nossos preconceitos que são revolucionados com situações que ela conta no livro. Achei bom ler este livro. De fato fez-me ver um pouco o outro lado da moeda, apesar de achar que existem formas de vida muito mais saudáveis e que nos fazem infinitamente mais felizes que a que ela optou, ou seja, a prostituição. A felicidade da família é algo inigualável.
Impossível não associar o estilo de vida de Gabriela com uma obra de Arte. Seria a Arte da Vida? Os lugares que ela freqüentou, as pessoas que ela conheceu em situações e momentos singulares parecem todos tons das tintas de uma palheta de aquarela. Eu aqui, lendo o seu livro e paralelamente pintando na imaginação um quadro!

No início achei Gabriela meio grosseira, mas a medida em que fui passando as páginas fui descobrindo uma erudição espontânea e, talvez, inconsciente. A erudição de Gabriela é especial por não permitir que a sua narrativa tome forma clássica e torne-se comum. Ela pincela, vez outra, doses de “grosseria” na linguagem coloquial que nos faz lembrar a sua origem e forma de vida. Isso é deliberado e me fascinou na leitura, pela sutileza e inteligência que ela demonstrou.

A Arte, pelo menos no meu ponto de vista, não tem de ser necessariamente materializada. Tem de ser sentida. Que seja por uma só pessoa, e isto, de alguma forma é uma característica da Arte, de nos dar a liberdade de subjetivamente vivê-la, experimentá-la. O livro de Gabriela fechado, é como uma partitura na estante. Lido, torna-se uma música executada, com todas as suas componentes, melodia, harmonia e ritmo. Ou seja, a sua Arte somente é sentida quando entramos em seu mundo, quando a ouvimos, quando nos chocamos com a sua firmeza em ser chamada de prostituta. Talvez pelo seu deboche da sociedade careta e hipócrita, como ela repetidamente declara.. Desesperadamente procuro referências nas formas de Arte existentes, como a música, a pintura, para decifrar Gabriela. Mas deveria? Ou seria a prostituição a própria Arte de Gabriela? Gabriela não é prostituta. Gabriela é artista! Não, com certeza, ela gritaria ao ler essa abominação à sua maneira de viver:

- Mais um idiota tentando me redimir para o seu mundo!

E assim segue Gabriela, pintando na vida a arte da prostituição, e com isto me chocando e fazendo-me mais sensível à Arte, a mãe de todas as Artes. A vida!.

Enfim, vou voltar para o meu livro de Exegese que por sua vez está também mexendo profundamente com a minha maneira de encarar o Cristianismo.

É a leitura, os livros, transformando-nos. Viva aos livros! Viva às pessoas!
 
A Arte da prostituição de Gabriela

Morena linda do mar

 
Morena linda, morena brejeira
caminha na praia com jeito, sem jeito
o verde do mar lhe serve de espelho
as ondas se esmeram prá refletir os seus seios.

Linda morena que rouba o meu olhar
disfarçado me faço, com os olhos a laço
a vastidão do mar socorre o meu lapso
meu desejo não se contém, um poema faço.

Morena do mar, cabelos ao ar
passos gingados na cadência do mar
doce requebrado na indecência do olhar
de novo disfarço-me na vastidão do mar.

Morena, morena, linda do mar
quisera eu roubar uma gota somente
de seu sorriso saliente, nesta manhã quente
quiçá este poema não viesse me ocupar
perdido estaria em seu azul olhar.
 
Morena linda do mar

Gideon Marinho Gonçalves