Nada De Nós
Odeio o lado vazio da cama onde me deito. Durmo de braços atados para que não transponham os limites do encaixe silencioso que o meu corpo moldou no colchão. Preciso de tréguas da dor da tua ausência que envenena cada inspirar expirado.
Porém, mal adormeço, o meu coração implora aos braços que se estiquem e te procurem na infinitude do vazio, na esperança inútil de te sentir. Acordo cada dia com o sabor caústico da saudade no peito e os braços debulhados em lágrimas. Nesse árido instante a realidade castra-me os sentidos. Não há mais beijos. Não há mais sorrisos suados. Não há mais frémitos de emoções, nem palavras exaladas em murmúrios. Nada de nós.
A inútil existência de mim remeteu-me a um vácuo mórbido que dilata a cada hora que passo sem ti.
E o vazio do outro lado da cama olha-me pétreo e inabalável.
Presente
Na minha incapacidade de te irradiar a tristeza dos olhos, queria com toda a garra criar uma fórmula balsâmica que te arrancasse um sorriso à dor que se aproxima. Melhor, queria desviá-la para outra direcção, como se fosse vento e tu, branca nuvem! Todavia, apenas posso estender-te a mão.
A verdade inevitável, que não vou decorar com palavras bonitas, é que vais sofrer com a borrasca que se avizinha. Axioma por demais óbvio, eu sei. Mas não tão já. O presente é o presente que a vida te confia nos braços. Acarinha-o, gozando o que podes receber, amplificando o que ainda podes (te) dar.
A secura pétrea destas palavras um dia será pó. O que te restará de mais precioso é o que souberes guardar do outro. E serás imensamente rico.
26 de Março, a caminho de Braga.
Aqui está o abraço que não te dei em Campanhã. Há sempre o dia a seguir.
VALSINHA
Dotado de certa astúcia que eu te percebi, mas fingi ignorar, finalmente conseguiste que fossemos jantar fora. Não fomos sós, mas só estávamos um com o outro. O resto que importava? Senti-te entusiasmado porém tenso, como se aquela fosse a tua grande oportunidade de auto-promoção, de te dares a conhecer, tentavas falar naturalmente, mas consciente do peso que casa frase teria em mim. Em nós.
Pediste ao dono do restaurante que pusesse o “teu” cd e entusiasmado apresentaste-me o Martinho, o da vila, claro. No início apenas apreciei o ritmo samba. Sorrias dizendo que o melhor ainda estava para vir. E veio. Fiquei maravilhada com a “Valsinha”! E os nossos olhares dançaram, afagados um no outro. Acho que se fosse hoje, dir-te-ia talvez que era lamechas, mas naquele momento… era tudo o que sentíamos: “o mundo compreendeu/ e o dia amanheceu/ em paz…”
Terminado o jantar caminhámos à beira do rio profundamente inebriados com o aroma da maré vaza, ou seria como o hálito um do outro? Faz diferença? Recordo com exactidão que naquele espaço de tempo entre o restaurante e os carros (nota: odiei e odeio aquele restaurante mas para estar contigo, qualquer sítio serve se tu lá estiveres)fumaste precisamente três cigarros. Recordo que caminhávamos lado a lado colados um no outro como se os nossos casacos estivessem cosidos e bem rematados. Recordo de pensar que já não queria ir a mais sítio nenhum sem ti.
Enquanto nos ríamos de umas anedotas de ocasião, observei o teu perfil: percorri o teu nariz largo e ligeiramente arrebitado, os teus lábios carnudos com promessas de sabor a aventura, apreciei a tua silhueta elegante e o teu porte de homem que sabe o que quer.
Subitamente uma vaga electrizante percorreu o meu corpo de uma estremidade à outra, deixando-me um rubor no rosto e o coração que tentava fugir pela ponta dos dedos...
E foi assim que soube que ias ser tu. Porque tu eras ainda antes de te saber, a razão da minha espera. Essa vaga, realizei depois, chamava-se desejo.
Semeamos sonhos naquela noite, amor, que mais tarde colheste em botão pela vez primeira e em cada vez como primeira.
http://www.youtube.com/watch?v=Bg5nSELduD4
DUETO BEIJA- FLOR76 & ANA MARTINS
Poupa-me aos teus joguinhos de palavras e aos teus clichés de algibeira rota. Preserva-me do teu ser excessivamente pensado que não se equilibra. Deixa que o teu corpo esferográfico me desenhe na pele os poemas de raiva que não escreves, e que de uma desgraçada vez deflagre em nós este desejo ferino que nos une e nos separa na intermitência fervorosa da nossa pele.
Sente-me folha de papel e silencia no meu corpo as tuas inquietações, planta no meu ventre a raiz dos teus medos e verte em mim teu raciocínio liquefeito. Se calares esses pensamentos histéricos, verás que no eco da tua insatisfação sombria resta apenas o respirar de dois corpos. Exaustos.
Este é o grito que não sabia ser capaz de rasgar. Irrompe-me pelas artérias sangue pulsante em ânsias de ti. Não me remetas à fragilidade de um vidrinho de Murano susceptível de quebrar a cada gesto teu. Sente-me. Olha-me com o enlevo a que debalde renuncias. Deixa que as tuas palavras brotem em êxtase por entre as ervas daninhas do teu desassossego.
O marasmo incipiente dos inexpressivos dias cinzentos, fenece a cada frémito de desejo que desabrocha na minha pele, e com aliviosas nuances, este torpor inesperado liberta-me das amarras do azedume que exangue vai dando tréguas aos dias que me atravessam. Não deixes que retorne à concha onde me fiz cinza e acre, e dos meus dias noites de savana sem luar.
Encara a mais premente realidade que se desnuda perante o teu olhar fugidio e inquieto: há uma mulher que acorda em mim. E com implacável disposição para pagar o preço da desilusão, para sofrer as lástimas e as penas dos sentimentos vindouros, deponho o meu escudo de indiferença e, rasgados os véus do pudor e da descrença, assumo e enfrento este querer desejoso de ti.
Não me condenes numa mecânica encravada e lancinante, emanada pela fervura vinhesca e agre das percepções, sabias-me reticente nos minados campos do douto amor, derramando em gorjeios de insegurança, toda a seiva envenenada do meu pródigo passado.
Queria tatuar-te as noites da solidão, encharcar-te os dias das incertezas, deitar-me nu e entorpecer quieto no leito morno do teu coração, apesar da dose exacerbada de passado, que me amarrava sem lamento.
Ainda sinto em mim, o eviterno desejo de me ser em ti, cruzando-te os mares da tez rosada, atracando-me de cansaço, em teu porto seguro. Este desejo exequível, irrompe impertinente, me esgaça as dúvidas sombrias do teu olhar, e pede-me que busque no teu corpo a perfeição.
Só hoje senti veemência em tua voz paulatina, abrindo portas e janelas, escancarando o meu mundo de muralhas e defesas, tombando as ameias indisciplinadas do meu casto orgulho, só hoje saboreei o brilho mais cadente e pueril do teu olhar...
Quero-te folha de papel, sim, no silêncio auspicioso de dois mundos, na consumação secreta das palavras mudas, deixa ressoar em mim o vibrar garrido do teu fértil solo, terramoto de loucura exausta na junção elementar da consumação final.
Silenciados os gritos da revolta, resta apenas o respirar isento de dúvidas entre dois corpos acabados de nascer.
Meu querido Amigo, agradeço-te este momento único de partilha. Um beijo enorme!
POEMA FATELINHA
Guardo-te no peito,
semente de luz.
Serei útero seguro
da tua fertilização,
serei ventre maternal
de tão ansiado embrião,
serei coração fecundo
sustentando tuas raízes.
Brotarás, enfim, esplendorosa.
E em refulgente germinar,
Serei mulher.
Repousa no embalo
deste acontecer da vida
Segreda-me, serena, a alma...
… ainda não é o teu tempo.
MOTIM
Geme o verso
na gota de chuva,
sulca o rosto vencido
rumo à foz revoltada.
Clama o corpo em fúria
amotinado
E no dilúvio implacável,
o poema acontece
23/02/2010
INSCRIÇÃO
ANA
Semente inesperada em ventre mimoso
Criança de sorriso fácil e folia em riste
Adolescente que sempre se achou pouco
Menina moldada mulher nos teus braços
Respeitável esposa, amante enlouquecida
Perdida na escuridão da tua ausência
Obstinada na procura do Sol em si
Mãe de um sonho em forma de rapazinho
Aquela que Nunca soube não te Amar
CANTATA
Maviosa pela manhã,
A tua voz enche a casa.
Irradia a força vibrante
que falta aos raios de sol
neste final de estio.
Canta sempre!
Porque me afagas a alma
e o meu coração sorri-te
com leveza…
Numa manhã de Setembro, enquanto espalhavas Peter Gabriel pela casa, e eu troçava do “Carpet Crawlers”...
TOP DO VI ENCONTRO DO LUSO-POEMAS
TOP DO VI ENCONTRO DO LUSO-POEMAS
(Post com data-valor de 06/12/2009 )
- A persistência da Vony e a realização de um sonho que depois foi de todos nós! Mulher de garra!
- A procura de um lugar para estacionar em plena hora de mercado
- O (des)contro no comboio com o Rogério, ou Caopoeta para quem preferir, e a nossa conversa sobre música finlandesa.
-Os “tios” adoráveis que ganhei de presente. Pena não ter vindo o primo glp.
- A vitela acompanhada pela gata, pelo capachinho do outro… e pela salsicha do Moreno.
- A reinação e cumplicidade com a horroriscausa, a Mathilde Conceição e o Moreno… e com a Isabel que não escreve mas comenta.
- Os miminhos dessa mulher de fogo chamada Rosa. Que mulher!
- As gargalhadas à chuva. Momentos que ficarão.
- A doce Catarina com a sua afabilidade e os seus cachinhos.
- (Os manos Saiote e a esposa que me perdoem) O Minixis!!! Portou-se como um homenzinho, e de facto, foi a presença masculina mais linda do evento.
- A ternura e a cumplicidade do meu querido Rolim e da doce Mariazinha. Vocês são do melhor, meninos!
- A simpatia e a simplicidade da Mim, da Cleo e da Vanda.
- A euforia das pilinhas, isto é, do digestivo.
Animaram os senhores a fizeram corar as senhoras…
- As declamações maravilhosas do Armindo Cerqueira.
- A organização. É certo que não esperava outra coisa em tratando-se de malta minhota, mas que foram do melhor, ai isso foram.
- Os projectos e/ou ideias do José Torres para o site. Agradou-me particularmente quando o ouvi falar em “oficinas de escrita”…
- A algazarra no armazém do Café, aí já éramos todos velhos camaradas!
- Conhecer aquele que para mim é o melhor cronista do site: Flávio Silver. O tipo é um mimo!
- A promessa de até logo.
Vocês não acharam que isto ia ser um TOP 10, pois não??? Exclusão de partes aqui é impossível!
Pelo contrário, lanço o desafio de acrescentarem o top…
AQUÉM
Esquálidos versos
cinzelam minhas mãos
Nunca uma rima
mitigará a pena
gravada no peito
Nunca uma estrofe
espelhará a dor
da tua ausência
Nunca um poema
será um hino
justo e perfeito
ao nosso amor.
13/01/2010