Poemas, frases e mensagens de lobodaescrita

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de lobodaescrita

Porque não lês os olhos que se abrem á tua volta

 
Porque não lês os olhos que se abrem á tua volta
Olho as casas alinhadas sobre a linha de água dos olhos. De repente um corpo atira-se e acende-se a luz da eternidade ou como alguém comenta mais uma alma entregue ao inferno. Não suportas a tua vida, mas porque não lês os olhos que se abrem á tua volta, olha os frutos e o vento que os saboreia. Tu não precisas das minhas mãos para que te aponte uma direcção, sou eu que preciso de te ver respirar, de te pedir que não morras, a terra precisa de ter raízes, nós somos essa força, essa linguagem que não precisa de se justificar. Se tu morreres, que seja a morte necessária, essa que dá expressão ao amor dentro de ti, ao amor além de ti.
Lobo 05
 
Porque não lês os olhos que se abrem á tua volta

Os ratos tomam conta do mundo

 
Os ratos tomam conta do mundo
O mundo tem cócegas nos pés e nós dançamos e o nosso corpo perdeu o lugar, está deste lado e parece que está do outro. As paredes do quarto tem bolor, a canalização está rota e pelo chão há um limão e umas seringas velhas. Os ratos tomam conta do mundo, os sonhos dos anjos são cigarros e ratos. Naquele corredor anda uma mulher triste, naquele quarto há uma pintura abstracta e um poema selvagem. E de repente a caixa da musica parece respirar e há qualquer coisa que faz esquecer o amor. O velho preto recita a biblia e lá longe aquela árvore parece a tua alma a repousar.
O mundo tem cócegas nos pés e nós dançamos, fechamos os olhos e não sentimos nada, absolutamente nada.

lobo 08
 
Os ratos tomam conta do mundo

As palavras a fugir dos homens

 
As palavras a fugirem dos homens
Assim de repente dou um salto, ponho as palavras a fugir dos homens ou leio nas cartas de amor subentendidas histórias de polícias e ladrões. Foi assim; desenterras-te o machado de guerra, depois beijaste-me os lábios. Lisboa ficava no lugar daquela cicatriz. O amor era profundo e o sangue que corre alimenta as feridas de te desejar, de não ter palavras. Assim de repente dou um salto, parece que sou eu o movimento da terra, que sou eu no meu silêncio a dizer que te quero. Agora desejava nascer, nascer no sentido de não perceber o lugar onde estou e ser ai o prazer na primeira forma de existência. Assim de repente dou um salto, ponho as palavras a fugir dos homens e no entanto há as músicas e do outro lado do mundo o pulsar do coração. A meu modo fiz a minha viagem á lua, dou um salto e desço á tua profundidade. Entretanto fico na minha superfície de homem e de aventureiro.

Lobo
 
As palavras a fugir dos homens

Agora as palavras bebem água

 
Agora as palavras bebem água
a que sai dos lábios
para o deserto dos livros.

Os passos lentos da vida
aquele modo de fechar os olhos
quando adormecemos sem historias
ou crimes de desejar.

Agora as palavras ferem
mas a lua é como um cão.
Quando voltares á tua infancia
pergunta ao mar onde estão as tuas memórias.

Agora as palavras bebem água
e entre os dedos corre o vento.
Disseste-me as palavras dos livros
senti o universo em todo o teu corpo.

Lobo
 
Agora as palavras bebem água

Cheirar-te por dentro das flores

 
Mesmo que a água não corra e o teu braço não inaugure afectos na circulação do meu corpo, estarei contigo. Estarei onde a musica não se escutar e a palavra for secundária. Estarei com o mesmo poema e com a mesma gota de sangue a cheirar-te por dentro das flores e a dar-te o infinito céu , longo como os cabelos dos velhos musicos. Mesmo que falte água para os olhos chorarem e luz nas canções quando elas falam das crianças e dos recem nascidos que gritam como bezerros no dia de acção de graças. Estarei contigo enquanto o vento for o folego da tua respiração e os barcos sigam, como os teus olhos seguem o céu. Agora não terei vontade de morrer, nem me vou esquecer dos pássaros do bairro pobre da minha infancia.
Mesmo que a água não corra e a revolta dos homens entre com a força de uma bala no peito que enfraquece estarei contigo. Estarei sempre, até doer de imaginar tanta solidão dentro da água que se bebe e que o teu corpo a si mesmo chama de rio.

lobo 05
 
Cheirar-te por dentro das flores

A pobreza está a dormir

 
A pobreza está a dormir dentro da garrafa do vinho e a garrafa do vinho é a casa do mundo. A pobreza é uma mulher louca que anda pelas tabernas a mostrar as pernas aos homens disfarçados de anjos, mas na verdade são frustrados actores de cinema fumando cigarros de papel de jornal. A pobreza está a dormir no jardim municipal escutando a orquestra Africana. Na tecla do piano anda uma borboleta como um barco na água dos olhos. A pobreza está a dormir dentro da garrafa do vinho e a garrafa do vinho é a gruta do homem solidão. A pobreza escuta o ruído do comboio e ela desenha nos vidros os medos infantis dos gangsters Americanos.
A pobreza está a dormir dentro da garrafa do vinho e a garrafa do vinho é a casa do mundo.

Lobo
 
A pobreza está a dormir

o rio não está á porta parte 2

 
Voltei ao tempo do rio, ao tempo em que o rio se ajoelhava como um imperador inclinado aos teus pés. Ainda tens na tua memória aquela expressão o rio está á porta, agora os teus olhos parecem rebanhos a pastar na margem das tuas recordações. Abres a caixa de costura e escolhes um botão para pores na tua saia azul. Regressaste da tua viagem à casa dos teus pais. A tua mãe que tinha a profissão de fazedora de bolos agora vende caixas de plástico da tapawere, a tua mãe é um agente secreto, a tua mãe anda metida no terrorismo das caixas de plástico, ela anda toda pintada, tem os olhos carregados. Desde que o teu pai morreu que ela carrega na pintura, que foi duas vezes à discoteca e apanhou uma valente bebedeira. Tu ficaste preocupada com ela, querias protege-la como se ela fosse porcelana, imaginaste que uns homens maus, uns marginais iam abusar da tua mãe. Tu não és uma gaja conservadora mas acontece aquela fase em que queremos ser o rei do nosso rei. A tua mãe também usa as calças rasgadas e anda a aprender danças de salão, o seu par é um Argentino de meia-idade que depois das aulas convida a tua mãe a beber chá preto enquanto ele saboreia o seu rum com limão e começa a contar-lhe o azar dele com as mulheres, que gostava de levar a tua mãe para a Argentina, que ele era dono de muitas terras mas que gostava de possuir o céu dos olhos dela, ele a dizer isto numa conversa fiada a tua mãe a escutar com muito interesse e a interrompe-lo com um; e depois? Ela a ficar com os olhos arregalados como uma criança que só com os olhos faz derreter um gelado.
Estás a arrumar o quarto, o quarto acumulou alguma poeira, passas os dedos no chão nos moveis, fazes um traço de poeira e tens um arco-íris e tens uma aranha gigante a contemplar o teu arco-íris, a comer gulosa essa poeira acumulada nos moveis, nos livros, nas arcas. Pensas em piratas, achas que a tua mãe encontrou um pirata Argentino, que um dia ele a vai empurrar, que ela vai cair no poço ou cair nos braços, se os braços forem de apertar e de dar calor. Mas tu não confias nesse Argentino, mas tu que tropeças-te nas próprias pernas, que acertaste umas coisas e falhaste outras. Se a tua mãe se apaixonar, o bonito, o verdadeiro dessa paixão é não desistir, mesmo que seja engano a água pura continua a ser pura e se ela tem sede mesmo que a água seja imprópria a sede dela e a água que há nela, a verdadeira intenção não a pode magoar ou perder. Gostavas de ficar sentada junto ao rio, parece que o rio não envelheceu, não lhe encontras uma ruga. Fizeste trinta anos e parece que te sentes com a idade de Abraão. Começas a sentir vontade de criticar tudo e todos, gritas, perdes a paciência, choras até transbordar e nessas alturas tenho medo de te tocar e ao mesmo tempo não quero ficar indiferente, talvez arranje um pretexto, perguntar-te como vão de saúde os teus bichos-da-seda. Sei que perguntar isto é um disparate, j á não tens idade para coleccionares bichos-da-seda, mas isso da idade, sim a idade é mais um peso na balança ou cada qual rouba no peso, seja como for quando estás assim difícil de descrever é melhor não te fazer estremecer.
O velho Argentino e a tua mãe juntaram os trapos, a tua mãe sabia que ele era um malandro, mas o mundo com as suas guerras, os seus crimes, os seus casos de corrupção também é um malandro e nós sempre acreditamos que o mundo vai mudar, que h á uma parte dele que faz sonhar. Carlos o amante da tua mãe conquistou-a com o perfume das orquídeas, nunca ninguém lhe ofereceu orquídeas assim. Tu foste ao casamento deles, foi um casamento civil, o copo de água foi lá na colectividade, foi uma cozinheira velha também Argentina que confeccionou a comida. Tu provaste pela primeira vez comida argentina, conhecias a musica de Piazola, o futebol do Maradona a banca rota, tu já sabias que aquele amor era pobre, ele tinha uma pequena reforma e algum dinheiro que tinha conseguido no jogo. A tua mãe sabia que o seu D. Quixote era um batoteiro, a tua mãe amava aquele batoteiro, gostava do cheiro a rum das suas roupas. O teu padrasto estava sempre bem-disposto, a tua mãe gostava de comparar ele ao teu pai. Entre vinte anos a ser parte da decoração e agora ser a devoção de um pobre Argentino. Ele gostava dela, Carlos escrevia poemas de pé quebrado, poemas de amor e salsa. Quando ele lia aqueles poemas a tua mãe sentia-os como se fossem os melhores poemas do mundo, ele próprio se gabava deles, que a tua mãe era a única que os compreendia. A tua mãe ficou com ele metade dos anos que esteve com o teu pai. Ele Carlos o batoteiro romântico não conseguiu fazer batota com a morte. Os últimos meses da vida dele passou-os a confessar-se á tua mãe como o ladrão arrependido das escrituras. Se a tua mãe tivesse um sorriso tão forte capaz de abrir um buraco na terra, capaz de o trazer de volta á vida.
A tua mãe passa horas a falar dele, agora dorme na sala porque julga que o espírito dele anda a vaguear no quarto, ela também ouve o barulho do baralho de cartas a bater na mesinha de cabeceira. Tu queres levar a tua mãe ao médico, os vizinhos acham que devias levar a tua mãe 
ao centro espírita, que j á houve um caso de um espírito bêbedo que dormia nas escadas, era o espírito de um marido que em vida só conseguia declarasse bêbedo. Tu achas os teus vizinhos umas criaturas malucas embora desejasses perguntar se era possível comunicar com a alma dos bichos-da-seda, saber se eles tinham mensagens do alem para ti.
Tu decidiste não levar a tua mãe ao médico, nem leva-la ao centro espírita. A tua mãe não vai atacar ninguém na rua, a mania da perseguição vai passar-lhe.

Lobo
 
o rio não está á porta parte 2

Como um gesto simples de fechar os olhos

 
Como um gesto simples de fechar os olhos
Tu fechas os olhos, pareces uma flor ou caso não parecesses o importante é que fechas os olhos e dormes e isso também a terra o faz e os bichos que por lá moram.



Fechas os olhos, se alguêm te olhasse dentro via a noite, não essa só de estrelas e de lua, mas a noite dos sonhos secretos e das viagens simples, das paisagens nitidas e concretas daqueles que depois do trabalho seguem o rumo de outro corpo, de outra liberdade.

Tu fechas os olhos, pareces uma flor. Tenho uma flor para atirar. Agora corre a água transportando nos teus olhos a minha flor.

E o barqueiro que vai entoando as palavras na água, recolhe a flor como um gesto simples de fechar os olhos.

Lobo
 
Como um gesto simples de fechar os olhos

Vais começar a voar

 
Vais começar a voar. Na margem do rio inicias-te o exercício do voar. Voar não é apenas um dom, é uma forma de educação, de conhecimento espiritual. Nós guardamos este conhecimento nos sonhos. Anjos e pássaros voam, além destes as máquinas e o peso não é uma desculpa para não se voar. Nós não voamos porque o peso nos prende á terra, nós criámos raizes , voar é uma capacidade, não é por si uma coisa importante. Sentir os pés no chão, o calor e o frio, ter a sensação da energia a fluir sem ficar preso ou dependente deixa-nos espaço e liberdade para decidir e para transformar. Foste até ao jardim de Gautama , com o matemático aprendeste as formulas matemáticas , com o agricultor as épocas de cultivo e com o teu silencio interior a escutar a chuva e a meditar. Meditar com as folhas de ch á o teu corpo e a tua mente flutuam na á gua, os cheiros dos frutos e das ervas entram em ti enquanto ficas ocupada a espalhar o fumo na sala onde era costume o buda repousar ou simplesmente ficar no estado de não existência. Preparas o chá o vento bebe-o, a terra também absorve gota a gota o fogo e a á gua do ch áNo jardim de Gautama há uma erva, no mercado da aldeia há um homem que vende dessa erva. Antes de fazeres o exercício da arte do voar tu respiras os seus vapores, ficas imóvel e vês o Gautama a caminhar para ti.Tu não queres fazer a conversa comum mas a conversa comum, o rio que corre, o sol que brilha, a nuvem que passa, a criança que nasce, a vida a morte. Gautama vai sorrir e os olhos abertos dele vão saudar os teus.- Bom dia- Está a chover.A água e a terra são irmãs.- Venerável gautama pensas que com a água e a terra posso aprender a formula do voar?- A capacidade de voar est á em ti, es tu. Voar é reter a natureza nos olhos, é ficar com ela é ir alem dela, é ficar sem exigir nada.- Hoje estive no mercado, andava por lá um comerciante de chás quando era criança gostava de olhar a cor das folhas e a cor amarela da á gua do ch á recordava-me o rio amarelo e as suas histórias e canções. gostava de adormecer com a cabeça deitada nos seixos e de ouvir o meu irmão mais velho a recitar os mantras enquanto chapinhava nas poças. A água a saltar era o sorriso dele a molhar-me os pés.- Sabes! A á gua cristalina ó sorriso do Buda das cinco ervas.- E quem é o Buda das cinco ervas?!- O Buda das cinco ervas é o comerciante que viste no mercado.- Mas buda não tem o caminho do negócio.- Os nomes das coisas são só o nome das coisas, buda tem o caminho da abundância , do negócio prospero do coração, não h á o bom e o mau fruto, nem a boa e a m á árvore, h á o fruto que o teu sabor precisa, h á a á rvore que espera o viajante, o peregrino, o pastor, o negociante, o generoso e o avarento.- Vou preparar um chá- Faz um chá de folha de figueira, tritura bem as folhas, estas devem ficar pequenas como as gotas de chuva, depois fazemos a oração do chá e lemos os salmos do Buda das cinco ervas.- Vou ferver a á gua, olhar a nuvem que se desprende do vapor, talvez apareça no ar o génio do chá dos desejos.Enquanto preparavas o chá Gautama adormeceu, durante a sua viagem ao inconsciente da natureza ele viu o génio do chá dos desejos. O génio do chá dos desejos tinha as duas partes da natureza. Gautama foi recebido por ele. Na gruta onde morava o génio havia uma mesa e sobre ela um bule de chá. O génio ofereceu ao senhor Gautama o chá do enlouquecer. Gautama sentou-se no chão, segurou uma pequena taça dourada e sorveu de um gole todo o chá depois sorriu, estendeu as mãos ao céu, alcançou uma estrela e pô-la na á gua do cháEle viu a noite e os planetas, não sentiu medo nem viu monstros ou com o seu olhar transformou essas criaturas em ilusão. O génio olhou Gautama , depois desapareceu, logo apareceu no monte sagrado e venerou toda a linhagem dos budas, das árvores, dos pássaros s dos homens de todas as cores, de todas as sabedorias e ignorâncias.Quando Gautama regressou da sua viagem, tu penteavas os cabelos e o vento massajava-te o rosto. No ar havia o aroma ainda quente do chá. Gautama serviu-te uma pequena taça e pôs as folhas de chá nos cabelos. O vento tocava no galho das árvores e parece que saia uma musica suave, o aroma do chá misturado no aroma da musica. Enquanto bebiam o chá, sentiam um silêncio puro. Quando estamos com demasiados pensamentos o ar também fica pesado. Gautama levou os seus olhos ao firmamento dos teus, havia um calor e uma cor diferente do calor do fogo. As palavras não aconteceram, não aconteceram os desejos, o amor aconteceu e nada estava preparado pela vontade do corpo e da mente. Como as raízes se entrelaçam na terra vocês se entrelaçaram. Uniu-se o pequeno coração do corpo ao coração da terra ao coração do universo. Os teus lábios e os lábios de Gautama tocaram-se. A noite chegou tranquila e bebeu os restos de chá que sobrou das taças. Tu e Gautama seguravam nas mãos uma luz, tinham um arco irís que passava das mãos aos olhos.Moonli continua a exercitar-se no oficio do voar. Moonli é o teu nome, na lingua dos antigos habitantes da montanha a palavra do teu nome significa aquela ou aquele que faz o ritual. quando fores capaz de esvaziares os pensamentos, as tuas riquezas e as espalhares pele terra, tu não possuindo nada, tu não estando sujeita a nenhuma condição ou a nenhuma lei a natureza entra em ti e tu voas. Tocas o céu e a terra. Abraças o pássaro, abraças a árvore, dás-me um abraço forte. Quando me abraças é a tua energia que trabalha o meu ser como as sementes que trabalham cada poro de terra, cada poro da pele. Gautama foi o teu amante espiritual, mais tarde encontraste cabelos compridos, cabelos compridos fazia musica, a musica também é um exercicio que prepara os seres para a magia do voar, com o som é possivel voar, com a vibração das pedras, com a vibração da luz. Cabelos compridos passa muito tempo a tocar citara, a musica da citara é doce como cerejas. Quando Moonli preparava o chá a musica entrava no vapor e eles e as crianças sentiam vontade de dançar. Com a dança nos unimos á força do silencio e á força da palavra, a dança harmoniza a luz e a escuridão. Quando escrevias dançavas, quando pintavas executavas o voo das aves, sentias o esvoaçar das flores no ar na água do chá, na linha dos dedos que adivinham o passado e o futuro, o amor e o trabalho. Vais começar a voar, vai ser preciso que a eternidade entre no teu ser, que o teu ser faça voar o teu corpo com o impulso da memoria que é o impulso da criação, o impulso da arte de criar e de viver, a arte do morrer e do renascer. Quando preparas o chá, quando preparas diferentes variedades, quando sentes os teus olhos a terem a cor do chá diluido na atmosfera tu ficas feliz, pareces uma criança, brincas e no teu faz de conta, na tua profunda imaginação esqueces as palavras sérias e as responsabilidades mundanas. Tu precisas da energia flutuante da vida, concentra-te no teu sorriso, no desabrochar da tua flor. Cada ser tem uma flor guia. As petalas das flores são os diferentes caminhos, os diferentes cheiros que tu inalas e que a floresta inala de ti. Tu, cabelos compridos, as crianças, o Buda Gautama, o espirito que corre no vale, que abençoa cada pedra, que é testemunha dessa magia prodigiosa, dessa pulsação da mãe terra que acompanha a respiração dos bichos, dos homens, de todos os seres, esse ser que medita, que ondula como uma folha na água do chá. Foi com a água do vale que preparas-te a prece para o começo do voar. A tua barriga está a crescer, um pequeno ser voa no teu interior, um pequeno ser que vem de uma gota de energia que desce do céu á terra e se envolve com os elementos, elementos que formam um corpo, uma mente. Tudo será conduzido pelo espirito, a grande alma que não tem principio nem fim, que guarda dentro dela mesma a decisão do bem e do mal.- A montanha elevasse acima dos teus olhos cabelos compridos.- Há muitas luas atrás subi aquela montanha, vi homens que procuravam ouro, estavam cansados e isso via-se no rosto deles, um dos homens perguntou-me onde ficava a aldeia mais próxima, tinha por lá um velho familiar que em tempos tinha trabalhado numa loja de chás provenientes do Paquistão. Ele seleccionava as folhas que eram expostas ao luar. A lua minguante dá sabor e é bom para fazer sonhos tranquilos.- Vem deitar-te comigo- Estou cansado, o meu espirito viajou como a lua cheia que segue as nuvens.- Sabes ler as mensagens das nuvens?- É como ler as palavras da água.- Temos de meditar nas lágrimas de Buda, os agricultores algumas luas antes da colheita visualisam as lágrimas do precioso. A terra será fertil e os frutos abundantes.- O fruto de mim, o fruto da terra que há em mim alimentará o amor, o amor do espirito, do corpo que o recebe e do pensamento que realiza o conhecimento. Longo foi o inverno, cabelos compridos partiu em busca de alimento e de agasalho, levou com ele o moinho das orações. Cabelos compridos não se despediu de moonli. Do outro lado da montanha ficava o mar, no porto de shiva grande era a azafama de pescadores descarregando e salgando o peixe. Durante muitas noites e muitos dias cabelos compridos alimentou-se de raizes e frutos silvestres. A terra foi o chão onde dormiu e antes de se deitar praticou a quinta essência do yoga, cem vezes se prostrou visualizando a roda do samsara, o circulo da morte e do renascimento. Ao longe ouviu-se o uivo frio dos lobos, ouviu-se ao longe o andar do rebanho fazendo rolar as pedras, remexendo a terra, as suas sementes, as suas raízes. Os pés descalços do pastor amaciando o solo selvagem. Levi o pastor andava guardando as suas cabras desde os sete anos. Cabelos compridos sentiu a terra mexer, a cor do céu vestiu os seus olhos e o seu corpo. Durante dez dias apenas bebeu água, alimentou-se do frio que descia do desfiladeiro e dos ruidos invisiveis do fogo que se esconde nas pedras, nas nuvens escuras do céu, no carvão que dorme na garganta do vulcão. Levi atravessou o rio com as suas cabras. Naquele lugar havia o veneno das serpentes e o polen das flores de ópio sobre a planta dos pés da Deusa Maya a Deusa da ilusão, a conselheira dos generais, aquela que presta favores ao mundo material. Levi tinha agora 14 anos, conhecia todas as suas anteriores vidas. Levi atravessou o rio com a arte de quem não se move, com a tecnica da morte. Assim iludiu a senhora da ilusão e as serpentes venenosas. Levi cantou os mantras e namorou a senhora ofertando-lhe o cristal das pedras e o brilho das areias aquecidas pelo sol forte. Levi o pequeno pastor projectou diferentes seres com oigem no seu ego e com o esplendor das riquezas temporarias fez a Deusa Maya tropeçar na sua própria ilusão. Levi o pastor tinha a visão apurada da águia, viu cabelos compridos e telepaticamente falou com ele.- Chamo-me Levi.- Chamo-me cabelos compridos.- Não és um peregrino!- Sim, também sou um caminhante.- Que procuras?- Procuro o grande mar.- Tens ainda muito caminho a percorrer, olha, quando chegares á próxima aldeia pergunta pelo velho Gatso o pescador, quando o encontrares diz-lhe que vens da minha parte, pede-lhe que te ensine a arte da pesca, tu lhe ensinarás as posições do yoga e as mil maneiras de preparar o chá, o sagrado chá que aquece o coração do Buda das cinco ervas.- Como sabes que sei a linguagem do yoga e a arte de preparar o chá?- Escuto o vento e tudo o que o vento sussurra as águas guardam e as árvores da floresta quando o vento lhes sopra a brisa do oceano e as histórias de amor, de raiva, de sobrevivência.Quando Gautama regressou da sua viagem, tu penteavas os cabelos e o vento massajava-te o rosto. No ar havia o aroma ainda quente do chá. Gautama serviu-te uma pequena taça e pôs as folhas de chá nos cabelos. O vento tocava no galho das árvores e parece que saia uma musica suave, o aroma do chá misturado no aroma da musica. Enquanto bebiam o chá, sentiam um silêncio puro. Quando estamos com demasiados pensamentos o ar também fica pesado. Gautama levou os seus olhos ao firmamento dos teus, havia um calor e uma cor diferente do calor do fogo. As palavras não aconteceram, não aconteceram os desejos, o amor aconteceu e nada estava preparado pela vontade do corpo e da mente. Como as raízes se entrelaçam na terra vocês se entrelaçaram. Uniu-se o pequeno coração do corpo ao coração da terra ao coração do universo. Os teus lábios e os lábios de Gautama tocaram-se. A noite chegou tranquila e bebeu os restos de chá que sobrou das taças. Tu e Gautama seguravam nas mãos uma luz, tinham um arco irís que passava das mãos aos olhos.Moonli continua a exercitar-se no oficio do voar. Moonli é o teu nome, na lingua dos antigos habitantes da montanha a palavra do teu nome significa aquela ou aquele que faz o ritual. quando fores capaz de esvaziares os pensamentos, as tuas riquezas e as espalhares pele terra, tu não possuindo nada, tu não estando sujeita a nenhuma condição ou a nenhuma lei a natureza entra em ti e tu voas. Tocas o céu e a terra. Abraças o pássaro, abraças a árvore, dás-me um abraço forte. Quando me abraças é a tua energia que trabalha o meu ser como as sementes que trabalham cada poro de terra, cada poro da pele. Gautama foi o teu amante espiritual, mais tarde encontraste cabelos compridos, cabelos compridos fazia musica, a musica também é um exercicio que prepara os seres para a magia do voar, com o som é possivel voar, com a vibração das pedras, com a vibração da luz. Cabelos compridos passa muito tempo a tocar citara, a musica da citara é doce como cerejas. Quando Moonli preparava o chá a musica entrava no vapor e eles e as crianças sentiam vontade de dançar. Com a dança nos unimos á força do silencio e á força da palavra, a dança harmoniza a luz e a escuridão. Quando escrevias dançavas, quando pintavas executavas o voo das aves, sentias o esvoaçar das flores no ar na água do chá, na linha dos dedos que adivinham o passado e o futuro, o amor e o trabalho. Vais começar a voar, vai ser preciso que a eternidade entre no teu ser, que o teu ser faça voar o teu corpo com o impulso da memoria que é o impulso da criação, o impulso da arte de criar e de viver, a arte do morrer e do renascer. Quando preparas o chá, quando preparas diferentes variedades, quando sentes os teus olhos a terem a cor do chá diluido na atmosfera tu ficas feliz, pareces uma criança, brincas e no teu faz de conta, na tua profunda imaginação esqueces as palavras sérias e as responsabilidades mundanas. Tu precisas da energia flutuante da vida, concentra-te no teu sorriso, no desabrochar da tua flor. Cada ser tem uma flor guia. As petalas das flores são os diferentes caminhos, os diferentes cheiros que tu inalas e que a floresta inala de ti. Tu, cabelos compridos, as crianças, o Buda Gautama, o espirito que corre no vale, que abençoa cada pedra, que é testemunha dessa magia prodigiosa, dessa pulsação da mãe terra que acompanha a respiração dos bichos, dos homens, de todos os seres, esse ser que medita, que ondula como uma folha na água do chá. Foi com a água do vale que preparas-te a prece para o começo do voar. A tua barriga está a crescer, um pequeno ser voa no teu interior, um pequeno ser que vem de uma gota de energia que desce do céu á terra e se envolve com os elementos, elementos que formam um corpo, uma mente. Tudo será conduzido pelo espirito, a grande alma que não tem principio nem fim, que guarda dentro dela mesma a decisão do bem e do mal.- A montanha elevasse acima dos teus olhos cabelos compridos.- Há muitas luas atrás subi aquela montanha, vi homens que procuravam ouro, estavam cansados e isso via-se no rosto deles, um dos homens perguntou-me onde ficava a aldeia mais próxima, tinha por lá um velho familiar que em tempos tinha trabalhado numa loja de chás provenientes do Paquistão. Ele seleccionava as folhas que eram expostas ao luar. A lua minguante dá sabor e é bom para fazer sonhos tranquilos.- Vem deitar-te comigo- Estou cansado, o meu espirito viajou como a lua cheia que segue as nuvens.- Sabes ler as mensagens das nuvens?- É como ler as palavras da água.- Temos de meditar nas lágrimas de Buda, os agricultores algumas luas antes da colheita visualisam as lágrimas do precioso. A terra será fertil e os frutos abundantes.- O fruto de mim, o fruto da terra que há em mim alimentará o amor, o amor do espirito, do corpo que o recebe e do pensamento que realiza o conhecimento. Longo foi o inverno, cabelos compridos partiu em busca de alimento e de agasalho, levou com ele o moinho das orações. Cabelos compridos não se despediu de moonli. Do outro lado da montanha ficava o mar, no porto de shiva grande era a azafama de pescadores descarregando e salgando o peixe. Durante muitas noites e muitos dias cabelos compridos alimentou-se de raizes e frutos silvestres. A terra foi o chão onde dormiu e antes de se deitar praticou a quinta essência do yoga, cem vezes se prostrou visualizando a roda do samsara, o circulo da morte e do renascimento. Ao longe ouviu-se o uivo frio dos lobos, ouviu-se ao longe o andar do rebanho fazendo rolar as pedras, remexendo a terra, as suas sementes, as suas raízes. Os pés descalços do pastor amaciando o solo selvagem. Levi o pastor andava guardando as suas cabras desde os sete anos. Cabelos compridos sentiu a terra mexer, a cor do céu vestiu os seus olhos e o seu corpo. Durante dez dias apenas bebeu água, alimentou-se do frio que descia do desfiladeiro e dos ruidos invisiveis do fogo que se esconde nas pedras, nas nuvens escuras do céu, no carvão que dorme na garganta do vulcão. Levi atravessou o rio com as suas cabras. Naquele lugar havia o veneno das serpentes e o polen das flores de ópio sobre a planta dos pés da Deusa Maya a Deusa da ilusão, a conselheira dos generais, aquela que presta favores ao mundo material. Levi tinha agora 14 anos, conhecia todas as suas anteriores vidas. Levi atravessou o rio com a arte de quem não se move, com a tecnica da morte. Assim iludiu a senhora da ilusão e as serpentes venenosas. Levi cantou os mantras e namorou a senhora ofertando-lhe o cristal das pedras e o brilho das areias aquecidas pelo sol forte. Levi o pequeno pastor projectou diferentes seres com oigem no seu ego e com o esplendor das riquezas temporarias fez a Deusa Maya tropeçar na sua própria ilusão. Levi o pastor tinha a visão apurada da águia, viu cabelos compridos e telepaticamente falou com ele.- Chamo-me Levi.- Chamo-me cabelos compridos.- Não és um peregrino!- Sim, também sou um caminhante.- Que procuras?- Procuro o grande mar.- Tens ainda muito caminho a percorrer, olha, quando chegares á próxima aldeia pergunta pelo velho Gatso o pescador, quando o encontrares diz-lhe que vens da minha parte, pede-lhe que te ensine a arte da pesca, tu lhe ensinarás as posições do yoga e as mil maneiras de preparar o chá, o sagrado chá que aquece o coração do Buda das cinco ervas.- Como sabes que sei a linguagem do yoga e a arte de preparar o chá?- Escuto o vento e tudo o que o vento sussurra as águas guardam e as árvores da floresta quando o vento lhes sopra a brisa do oceano e as histórias de amor, de raiva, de sobrevivência.- Vamonos encontrar?- Em breve.cabelos compridos chegou de noite á pequena aldeia de patcha- luna. A casa do velho Gatso era forrada com argila e o telhado coberto de palha. Gatso o pescador estava á porta de casa consertando a sua velha rede de pesca. Cabelos compridos aproximou-se dele- Venho da parte do jovem Levi.- Falas-te com ele?- Falámos telepaticamente.- Que me queres?!- Aprender a arte da pesca.- Tens de treinar a paciencia.- Podes ensinar-me...- O próprio mar te vai ensinar, a floresta, a montanha, o dia e a noite tem muito para te ensinar.- E tu?- Eu estou velho, a unica mestra que me pode ensinar é a morte.- Aprendemos todos com ela sobre o renascer.- Vejo que estás cansado e com fome, em cima da mesa há uma tijela com caldo de peixe.- Vou comer um pouco e deitar-me.Cabelos compridos foi acordado pelo ruido do vento. O mar estava eriçado, parece que tinha a furia dos homens em guerra, parecia que tinha dentro dele um coração a bater acelarado. Cabelos compridos passou algum tempo observando o velho Gatso construindo e consertando as redes. A primeira aprendizagem foi o treino dos olhos, os olhos e a mente treinadosno oficio da atenção. Cabelos compridos tinha de conhecer o mar, conhecer-se a ele próprio, o seu conflito interior era sentir-se dividido não obstante ser a parte e ser o todo. Cabelos compridos e o velho Gatso partiram numa manhã que era o dia do aniversário do Buda Shakamuni o senhor das forças. Foram muitos meses de mar, meses de tentar não lembrar aqueles que deixamos em terra. O mar testava os nossos apegos, a nossa resistencia. Em forma de doença a morte se escondeu no corpo de cabelos compridos. Cabelos compridos parecia que tinha mil demónios dentro dele. O velho Gatso entoo o mantra da levitação e com o poder vibratório desse mantra flutuou sobre a espuma e sobre as mãos invisíveis do Sr shakamuni aquele que conhece a profundidade e a escuridão, a luz e a superficie. Durante quarenta dias cabelos compridos ficou cego. A sua cegueira foram os seus desejos os seus pensamentos de luxuria. Esses pensamentos não eram sua essência. Maya a senhora da ilusão era a sua mestra. Na natureza tudo pode ser o nosso mestre. A flor que desabrocha e o raio que fulmina.O velho Gatso pousou sobre a sombra de cabelos compridos, uma sombra escura, fatalmente escura deu lugar a um foco amplo de luz.- A febre baixou- Que me aconteceu?- Entras-te no reino dos demónios.- Quem me salvou?- Ninguém, tu próprio sais-te da escuridão, quanto mais te dividias mais nas trevas penetravas. Quando tomas-te consciencia que a causa da tua ignorância, que a causa do teu medo estava em ti reconciliaste-te com os teus demónios e eles copnverteram-se no Deus supremo que há em ti.- Mas disses-te que entrei no reino das trevas...- Os medos que a tua mente guarda são uma porta que recebe todos os lixos, o medo é uma porta que que se fecha, quando abres essa porta esse lixo sai. Através de ti aprendo a arte do yoga.- Aprendes comigo a arte do yoga?- É verdade.- Como pudeste aprender com o meu medo, com a minha insegurança.- Com a divisão descobresse a unidade, com o medo a ter-se cuidado e com a incerteza a reflexão.- Mas...Tu não vences os teus medos se lutas com eles, essa é uma luta inutil. Tu aceitaste-os, tu transcendeste-os.- Penso que o mar me lê o pensamento, ele sabe que não há tempestade em mim.- Ele aceita a tua fúria, a tua calma. Tu foste guiado até mim para que eu pudesse partir.- Aonde vais?- Vou deixar o meu corpo- Vais morrer?- Como as lágrimas saiem dos olhos o espírito sai do corpo.- E quando é que isso vai acontecer?- Quando me esqueceres. A morte chega quando nos esquecemos de alguém.- Não me consigo esquecer de ti.- O que a tua mernte esquece o teu coração guarda.Numa noite de profundo silêncio em que ele cabelos compridos estava calado como se não houvesse dentro dele pensamentos e dentro dele fosse uma folha a flutuar e a subir até desaparecer do horizonte, o velho Gatso deixou o corpo. Agora tens de esquecer, qualquer recordação é um iman que puxa as almas ao mundo dos desejos, ao mundo fisico dos apegos e das paixões. Cada ser tem de seguir o seu caminho, fazer a sua vontade. Acende um pau de incensso, depois lança o corpo dele ao mar.

Lobo
 
Vais começar a voar

Gatos entre páginas

 
De repente estalas os dedos e aparece um gato, não parece ter sido assim que apareceu o mundo, mas acredito que cada um tenha uma fórmula pessoal e credível para fazer surgir do nada ou do que se julgue mais insignificante um mistério ou algo tão prodigioso como um dia de chuva num domingo incolor. Que faria um gato num dia de chuva saído dos teus dedos trémulos andando aos ziguezagues na folha amarrotada? Sabes que essas criaturas andam nos telhados, cada um tem o corpo que o destino lhe deu ou a habilidade que mais se ajuste ao circo da vida. Há quanto tempo andas instável, sabes o motivo que faz os gatos e os ratos e as serpentes sacudirem as pedras e tentarem aparecer no sonho dos homens? Não sabes... é estúpido o que vais dizer, não acreditares no amor porque o vento levou todas as pétalas da tua flor, um caminho de espinhos parece um limite incontornável mas se olhares o teu sorriso quanta porção de coisas importantes escondes, quanta mentira impões á tua natureza. Não creio que seja a serpente que mata, és tu que o fazes porque não sabes habitar o seu mundo, não tomas cuidado até onde podes ir e a todo o lado podes ir com precaução. A tua fantasia, toda ela dentro de uma chávena de chá, não julguem que o trabalho dos pintores, artistas e contadores de histórias, não é uma coisa séria e respeitável, são estas coisas que fazem com que o homem não imite o leão que devora o veado. Não está comprovado se o leão come o veado por ter fome ou por não o suportar. A filosofia não é um pacote de bolachas, enquanto rezavas apareceu o gato a espreitar sorrateiramente da cortina, os gatos das folhas de papel sabem rezar, e tu abres a boca como se o mundo tivesse sido criado com espanto, que surpresas nos reservam o mundo animal, imaginas as nações unidas dos ruminantes, dos roedores, dos abutres, não sei se o mundo assim fica mais lógico mas também assim como está precisa de concerto. Mostra-me as tuas mãos, olho-as como se me olhasse a um espelho e me quisesse certificar da minha aparência, para cada situação uma respiração, uma roupa, somos todos loucos, todos fingimos um papel, precisamos de uma certa quantidade de ego para que não seja demasiado caótica a nossa existência. Vou afirmar mais uma vez que gosto dos teus gatos, parecem-se muito aos gatos de um certo pintor catalão, gatos infantis que andam á chuva e se são pretos parece que os vamos encontrar na guerra ou no funeral da nossa avó. Tu deixas-te cair para trás, lembro-me desse exercício teatral, tu tocavas-me o rosto, escrevias-me no rosto muito suavemente e na sala a música do filme e a mulher de todos os homens e os homens conservadores a tentar boa impressão com a entoação banal do amor livre. Apanho-te a conversar com um gato, os dois sentados numa cadeira de palha, gostas de xadrez e de um charuto depois do jantar, estas comodidades muito bem imaginadas graças ao esforço que a pobreza provoca na nossa capacidade empreendedora. Aquele pintor que como tu, pinta estrelas e gatos e que põe bailarinas e poetas afogados no azul e no amarelo ele que vagueia ainda nas ruas, que se transforma em sete vidas, em tantas cores, muitas perguntas, tantas que vai ser difícil voar... não chores, repara no gato que está ao teu colo, podes fingir que tens a existência sentada ao teu colo, ajoelha-te e pede-lhe perdão pelos teus pecados, não permitas que a dor te tape os olhos, o sofrimento não é uma diversão, não estás na lista de espera para trabalhares como um santo no céu. Não estás no céu, nem estás numa pastelaria a mexer a massa dos bolos, nem julgueis que se deixares de ser a harmonia que há no céu e na terra, no cão e no gato, no barro que faz o criador e que lhe coze a palavra, porque a alma dos homens é um forno a lenha e sabe muito bem comer o pão no forno da alma dos homens e sabe ainda melhor rezar os salmos e ouvir os sinos na torre e tu pões as tuas mãos á volta do meu pescoço. A minha vida também precisa de concerto, a minha vida parece um armário desaparafusado. Que achas que posso fazer? Dona Maria Das dores uma espírita encarnando a escumalha dos subúrbios, pessoa versátil em ciências e bolsos ocultos, não tem sorte com a minha desgraça, tenho o azar de ser muito pobre e a sorte de não ser, nem assim tão rico, nem assim tão estúpido. Há pessoas muito dentro das coisas, muito elevadas no saber, na consciência e na pureza da alma. Aquele que desenhar como uma criança mesmo que tenha um passado criminoso ou que ainda seja o mais feio homem das cavernas se desenhar como as crianças será curado de todas as doenças e de todas as alergias, isto também vem escrito no salmo dos gatos, na parábola do senhor aos roedores do templo. Aquele que tiver um queijo e não o dividir mesmo que o tal seja muito pequeno e a fome muito grande não será digno de uma casa limpa, viverá entre os vermes e será lançado no lixo do mundo para todo o sempre. Os roedores do templo não escutaram estas ensinanças, tinham as orelhas tapadas com bocados de queijo. Tu estás sentada perto do fogo, olhas muito fixamente para mim, queres perguntar-me algo com os olhos, depois perguntas se tenho medo de ti? És esquizofrénica paranóica, o teu marido é um pouco violento quando bebe, tu pedes-me um cigarro, digo-te que não fumo e tu mais uma vez revelas que só sabes fazer gatos e anjos e também gostas de fazer pessoas. Houve momentos que fazias os teus poemas mas a tua mão treme e tu que não sabes guiar as palavras ficas a olhar em volta como se as palavras andassem de mesa em mesa como se esse modo que tens de me olhar os olhos fosse uma história, um acontecimento, uma notícia da vida que é dos outros mas nós gostaríamos que fosse nossa porque pensamos sempre que a nossa vida é a mais vazia. Não sabemos de que coisas falam os pássaros, se eles tivessem a vida tão vazia como nós julgamos ter a nossa, nós e eles seriamos feitos da mesma conversa e da mesma rotina, nós e eles no linho dos mesmos lençóis nos deitaríamos. Certo que somos pobres, mas é mais a pobreza de o pensarmos, não nos faz bem a resignação, tu de cabeça cabisbaixa acendes uma vela, há a sombra do gato a trepar a parede, tu mostras-me os teus desenhos, num certo sentido são muito adultos, não sei explicar muito bem, pareces uma criança a tentar ser a vida demasiado responsável e no entanto eu imagino o gato dos teus desenhos ou o gato dos telhados ocupados nos seus negócios. Tu estás nua dentro da tua casa e do teu quarto, o espaço que habitas é uma roupa, vejo-te da minha janela, com os meus olhos acrescento outras linhas ás arestas que o contornam. Outro dia houve uma inundação na rua onde moras, moras num bairro judeu, és a única negra que l á habita, a tua avó costuma dizer que os Judeus cheiram a dinheiro, a tua avó sabe das vidas dos que emigraram para o continente Americano, das coisas que houve faz uma história de encantar, as partes tristes ficam na emoção acentuada das palavras, nem sempre essas palavras são verdadeiras, mas a poesia também é subjectiva como os teus gatos na folha de papel, os gatos no discurso político, nas conversas antigas de namoro á janela. Os teus pensamentos, a importância pessoal deles é que seguram os teus pés, não vais ficar em desconforto, precisas de uma estrutura na tua vida, de uma convicção que sustente a tua razão como os ossos que não deixam cair o teu corpo. Tu tens de afirmar a tua verdade pessoal, tens de vencer essa angústia, quando estás angustiada vestes um personagem sem papel, tu pareces um gato com muitas vidas, tu não consegues tomar conta desse barco. Que é o amor? Não sei se o barco levou o amor, não sei se abris-te as mãos e fizeste de propósito para ele fugir. Gritas, os teus pulmões estão cheios, as guerras duram h á tanto tempo e tu ainda não encontras-te a expressão adequada para a tua revolta. Ela pensa que é um anjo; Na verdade ser se anjo não é doença nenhuma. A doença do mundo é haver falta de sonhos, de paixões fortes, de enganos tão absolutos como verdades sem discussão. Não quero discutir se és um anjo, não é por isso que vou deixar de guardar o melhor gosto, nunca se sabe quanto tempo fica, ter algum poder é melhor que não tentar nada. Ela declarou-me o seu amor impossível. Estava preocupada. Perguntei-lhe se tomava os medicamentos, reparei que estava com muito medo, tomou a minha mão, com a outra desenhou na folha do caderno um anjo.
O nosso amor vai ter de acabar! Estas foram as suas palavras, havia nelas uma entoação triste. Ela perguntou-me o que pensava eu da maldade humana? Não tenho respostas para me vestir, fica a saber que eu não sou uma m á quina, não serve de nada ficar na margem e não ter uma onda forte, também preciso de quem leia o meu grito. O amor tem a porta aberta ou o amor é a direcção que eu ainda não tenho. Quero muito aprender, não faz mal se tu renunciares, há muito tempo que preciso de renunciar a certos gostos que não me ficam na língua que isso me vai fazer sentir mais em união. Existem os paraísos do engano, os que proclamam a verdade absoluta ou o amor eterno, afirmar que não nos vamos perder, que tudo está á garantido... e que espaço ainda fica para sermos livres, vai embora, ter-te conhecido foi uma armadilha, ameaçaram-me de morte e eu sei agora que a solidão é uma protecção, fica longe, não quero mais os teus gatos e os teus anjos, vou subir na á árvore e ficar anónimo. Regressei ao meu estado solitário as linhas que escrevo não são para ti. Olho as mães que levam as crianças á creche e que as esquecem. Cheira a pão e a pneus queimados. Penso na colorida praça de Palermo e nos juízes mortos pela máfia, há criminosos mortos sem distinção. Vai-te embora, não sou o Cristo das tuas visões... não vou deixar que me leves á praça pública, agora vou ficar tomando atenção ao céu. Oiço o galo cantar e em procissão passa o meu corpo e eu sigo o meu corpo e o vento que lhe sopra. A rapariga do cinema está no cortejo, tudo parece um filme, sou um ser anónimo e é uma sensação sem definição certa. Vou sentar-me no chão, por mim passa o homem cego e o cão, passa uma fila de ciclistas e as mulheres da vida perfiladas no passeio, não quero saber de nada, não h á nada pior que um crime misturado com a chuva, voltar a nascer tem de ser uma coisa muito bem pensada, é melhor ficar por aqui, não pretendo ficar conhecido, a minha fotografia no jornal não gostaria de ver, sou um ser invisível, hei-de ter o meu lugar na rua e na mesa, hei-de ter o meu lugar nos sonhos e nas aspirações. Vou merecer um amor digno... Nos dias em que não apetece vou deixar-me ir. A poesia acontece assim, fria como um fio de navalha. É possível fugir, você quer resolver esse enigma, não causa espanto a sujidade dessas almas. Como são pobres os que habitam a aldeia do lugar-comum. É verdade que uma pessoa nunca se prepara e por isso a morte chega sem avisar. Nós somos como as vacas levadas ao matadouro, no momento em que descobrimos o melhor pasto h á de haver uma faca a esquartejar-nos. Você insiste na mesma pergunta: Se acredito no amor, o amor é como o gato que pode cair do telhado. Olhe parece que inventei um provérbio, fique sabendo que as minhas dúvidas são do tamanho de um monte de palha, você acende um fósforo e arde tudo. Estou confuso, sento-me de olhos para si e não sei como começar. O seu fato preto intimida-me. Quer que exponha o meu problema, não sei se é de interesse a parte dos anjos, dos gatos, das serpentes e dos roedores. Tudo começou á s dez horas. O céu estava azul, isso não condiz com o meu estado clínico no entanto quero enfatizar que o céu estava azul e que o dia da semana era um sábado consagrado ao descanso.
Sabe uma coisa?! Querem matar-me. Não é o amor impossível que me dói, o que me dói é não saber se faz sentido.
Se quer acender o cigarro faça como entender. Se o fumo me incomodar posso escolher outro ponto no mapa. Se eu me levantar, abrir a porta e sair fica tudo na mesma. Se você fosse filósofo não o tratava deste modo formal, contava-lhe as partes medonhas e estranhas do meu percurso de vida, contava-lhe de uma maneira metafórica como è que uma mulher esquizofrénica lançou a serpente a meus pés. Quer saber se eu gosto dos pobres? Agora não há pessoas a fazer os próprios sonhos. Não vejo verdadeiro amor, é tudo a multiplicar. Uma casa, um carro, uma televisão com uma boca cheia de sangue a entrar nos olhos dos pobres, ela deu poder aos pobres e o poder dos pobres é mediocridade.
Que vê da sua janela?
Casas de betão... muitos metros de estrada... e você sabe quem mandou construir tudo isto?
Não acredita que foi um pobre! Os pobres não são todos iguais, não vestem todos o mesmo fato. Este é o mundo dos roedores. A questão não se põe de que lado estou. Gostaria de mudar todo este enredo. Porque me olha desse modo inquiridor? Sim é verdade que andei no ar... como este amor não se concretizou não cheguei a voar. Porque lhe falo por metáforas?! Não o devia fazer... mas o que já sabe é que me querem matar, pois a vida quer matar-nos todos os dias, nós não temos as sete vidas dos gatos e o amor é uma faca longa, viramos ao contrário e fingimos que é uma flor. Sim eu sei que o sol está a apagar-se. É a minha oportunidade de fugir. Também eu sou um gato entre páginas. Lobo 06
 
Gatos entre páginas

Vamos começar no vicio

 
Vamos começar no vício
antes de começar no corpo

E vamos antes fazer o escuro
antes de acontecer o precipício.

E do escuro e do precipício
Fazer o princípio da fórmula do amor no corpo

Vamos começar no vício
antes de começar no corpo.

Fazer a ferida antes do prazer
e a maresia antes da vida.

Vamos fazer o vício na margem dos olhos e os olhos depois do ritual.

Vamos começar no vício antes de começar no corpo e vamos fazer no eu antes de começar no outro.

Vamos fazer o vício
antes de ficar perdição. E vamos começar no corpo
antes que seja mar.

Vamos fazer no escuro
antes que seja humano. E vamos começar no concreto antes que seja plano.

Vamos começar no vício antes de começar no corpo.

Lobo 05
 
Vamos começar no vicio

Porque ando assim

 
Porque ando assim e estou tão só, sem aves, nem peixes. Porque a palavra me sabe ao medo que tu me deixes. Porque ando assim pelas ruas arrastando o corpo como as mãos que levam a noite para o quarto do cansaço. Porque ando pelas casas como o vento entre os rebanhos e tenho aquela impressao de ter a luz das coisas que já não tenho.
lobo 010
 
Porque ando assim

O que é que na vida verdadeiramente se adianta e verdadeiramente se atrasa?

 
O que é que na vida verdadeiramente se adianta e verdadeiramente se atrasa?
Não sei que perguntas tens
Que respostas posso dar. Aparecemos num lugar e qualquer lugar vale a história que é capaz de nos contar. Agora sei que fazes parte do caminho. A filosofia, a religião, estar com isto e com aquilo e estar sem isto e sem aquilo. Parece que o encontro, aquilo que junta as pessoas, que junta as estrelas no céu e as pedras na margem do rio e a vida que se manifesta no centro de nós e que se completa no olhar que lançamos e no toque que transmitimos. Tu apareceste ou eu apareci, de que margem vim ou de que margem vieste. A ideia de que tudo tem uma razão, uma lógica. A tentativa de explicar tudo, de explicar obstinadamente tudo pode sujar um bonito sorriso. É verdade que estou curioso, não caindo parece que cais-te como uma estrela cadente. Para se conhecer um livro é preciso ler até ao fim. É preciso viver com os homens muito tempo para os amar e para os odiar. É preciso conhecer e depois de muito tempo parece que foi inútil. Sabes eu não sei nada de ti e o meu inconsciente, esta minha alma ou esta minha mente que vagueia que vagueia quando durmo ou quando viajo parece que sabe muito, conhece-te muito profundamente, é o meu estado inconsciente que te conhece. O mistério é não saber nada e ao mesmo tempo é estar dentro de tudo.
Apetece-me tomar café, gosto de ver os cubos de açúcar a derreter no café quente, inventar uma cidade a flutuar. Vou á rua comprar bolachas. O mundo é redondo e apetecia-me dissertar...é redondo e coberto de chocolate. Mas se não for de chocolate qualquer merda lhe fica a matar. Não perguntei se querias café, tu pareces a Alice do pais das maravilhas á espera do coelho de Março. Olha acho que nós lemos os mesmos livros, subimos circunstancialmente a uma mesma árvore. Quero dizer-te que nada é por acaso ou que o acaso não me incomoda, é um vento que nos sopra no rosto quando não estamos á espera. Vamos tentar falar com o olhar. Tu sabes saltar á corda?
sabes brincar de bruxa ou de aparece e desaparece?
porque só apareceste agora com esses olhos mais verdes e mais bonitos que faz Deus não se arrepender da criação. Sei que me estou a perder, quem me traz água, quem me diz como vim parar a este deserto. Ontem ou antes de ontem estava a chorar, chorava talvez atacado de tristeza convulsiva, muitas vezes chorava e não tinha nada para chorar, ninguém para me fazer tropeçar. Quem não tropeça na vida não se emociona, venha a dor ou venha o prazer quem não cai não sabe o prazer de olhar o céu quando nos levantamos. Preciso de me levantar, de começar como se estivesse em coma e depois acordasse e tudo fosse diferente. Não era preciso começar mesmo do princípio, podia ser outro lugar, a água podia ter outra temperatura.
Olha tu ficas na tua janela eu grito daqui.
Manda para aqui as tuas roupas, os teus diários, os teus botões. Temos que desapertar os botões antes que a vida venha cruel e intolerante a nos flagelar. Vai! Corre, ainda há muitas portas para derrubar, muito chocolate para derreter no amargo desta teimosia de não querer olhar a vida. Preciso de saber se gostas de mim, não te pergunto se estás apaixonada por mim, só te pergunto se vais estar quando o abismo me tocar os pés. Tu até podes estar longe mas eu preciso que fiques em pensamento, que cantes e que te rias muito e que chores tanto e que seja tanto o mar, tanto de perder e tanto de profundo

lobo 06
 
O que é que na vida verdadeiramente se adianta e verdadeiramente se atrasa?

O frágil vidro do relógio

 
Quebrasse o frágil vidro do relógio, parece o velho corpo do marinheiro comido pela boca feroz das águas e das horas. O frágil vidro do relógio como o fruto que apodrece na boca das palavras que não se ouvem.
Quebrasse o frágil vidro do relógio, parece o velho corpo de um homem que emagrece como as horas que saem das narinas para o impulso da navegação.

Lobo 010
 
O frágil vidro do relógio

Da janela do quarto vejo uma borboleta preta

 
Da janela do quarto vejo uma borboleta preta, vejo-a a caminhar até á porta da cervejaria trindade, passados alguns instantes a borboleta é um homem, a sua transformação deu-se quando o sol entrando pela frincha da porta acertou como um tiro nas antenas.
- Uma cerveja preta muito fresca pois o calor é insuportável e a poesia é breve como a passagem dos anos quando fixamos os olhos nas saudades de tempos já distantes. Quando era uma borboleta não conhecia a saudade mas agora que sou homem e começo a sentir o sangue a ferver e a língua fresca de espuma fico a conhecer a ilusão da eternidade coisa que antes não sabia, pois a morte era literalmente um fechar de olhos.
- Não diria que vossa excelência já foi uma borboleta, dá certos ares de poeta, desses que o parecem pela palidez do rosto e pela magreza dos olhos, embora os olhos pareçam estranhos no caso de já ter sido uma borboleta não se viciou certamente nos perfumes do ópio. Pergunto-lhe se gosta da decoração do bar e se a cerveja está fresca. Sabe caro Senhor quando era miúdo adorava e peço-lhe desculpa por dizer isto esmagar borboletas para depois as colar ás saias das miúdas da minha aldeia, depois descobri também que davam sabor á cerveja segredo que me foi revelado por um certo Alemão gordo. Olhando os seus olhos imagino um livro , a capa como um bater de asas, quando fechamos o livro sufocamos as palavras e por isso substituímos elas pelo álcool. Vossa excelência toma mais uma cerveja, brindemos ao poder da metamorfose, o Deus borboleta que se fez homem que veio matar a sede nesta cervejaria, triste seria este Deus acabar os seus dias no fundo de um copo, mas vejo a salvação da poesia, voltámos ao tempo em que Lisboa sabia a cerveja, um sabor de filme antigo

lobo
 
Da janela do quarto vejo uma borboleta preta

Que te olhe os olhos escuros

 
Que te olhe os olhos escuros
Vêm alguem e pergunta quem és? E tu desejas que ele te olhe os olhos escuros. Não há uma resposta imediata, por de tras da janela há aquela árvore magra, o teu pensamento fixo naquela verticalidade que sobe do chão á cabeça, dos pés á linha da coluna. Tu és o que vês de fora, a árvore ou a pedra, o cavalo ou o papel. É de dentro que tu organizas a existencia, os olhos fixam, gravam interiormente a primeira forma ou o primeiro conteudo em que a poesia está implicita no teu prazer primitivo. Tu és o bruto animal, o perfeito animal para o amor, tão salgada a tua lingua que cai de uma boca alta para a curva de uma perna provocante.
Vêm alguem e pergunta quem és? E tu em silencio giras e parece que é o mundo que o faz e não explicas nada. O que é que aquela árvore por de trás da janela pode explicar?! No fundo todos precisamos de teorias para acreditarmos na eternidade.
VÊM alguem e pergunta quem és?
Destapa uma nuvem e desenha um coelho, a seguir te oferece um catálogo da play boy e tu sentes um vento forte nas tuas meias de seda e tu assoas o nariz com esse lenço, acenas para o fantasma da Florbela e para o pessoa que emagreceu dez quilos e a sua barriga parece um papel engomado com todas as palavras dos seus heterónimos. Vêm alguem e pergunta quem és e tu desejas que ele te olhe os olhos escuros, os teus olhos são pretos, não há magia nisto de ter os olhos pretos ou de os ter de outra cor qualquer. Chegou-me ás mãos uma noticia incrivel.”um homem sem olhos consegue ver Deus” incrivel! Depois do poder do homem gramática o poder do homem sem olhos. Vem alguem e pergunta quem és? Quando te toca é a perguntar o que sentes. Não és um relógio de ouro, nem um carro de corridas, não te chamas Carolina nem te chamas Fátima, não usas um cronómetro no batom para contabilizares os beijos.
Sabes mãmã a barbie escreveu um livro de poesia. Neste natal se alguem te perguntar quem és diz que és uma mentira, a mentira é um chocolate que faz mal á barriga.
Olha le-me um poema, na solidão somos todos inteiros e nos tornamos fortes, muito forte e muito unicos.

lobo
 
Que te olhe os olhos escuros

Trago as flores para a margem dos lábios

 
Trago as flores para a margem dos lábios. O rapaz que anda sózinho nas montanhas se deslumbrou com o oscilar da raiz fragil. Trago as flores para a margem dos lábios. O marinheiro que segurava a água do mar, era como se segurasse um livro de poemas, as palavras diluidas na água das páginas. Trago as flores para a margem dos lábios. O rapaz que anda sózinho nas montanhas olhou a raiz curvada sobre os pés. Ali se iniciava uma dança entre os homens e o universo. Trago as flores para a margem dos lábios. Haverá uma oração para um Deus triste que o rapaz que anda sózinho nas montanhas entoará. Trago as flores para a margem dos lábios. Tu que andas em viagem guardarás um raio de sol para a conservação da esperança. O rapaz que anda sozinho nas montanhas tem os cabelos sujos como um anjo que anda nas minas a mexer o carvão como se fossem pétalas de flor. Essas flores que trago para a margem dos lábios.

lobo 09
 
Trago as flores para a margem dos lábios

Estou aqui para te pedir a noite

 
Estou aqui para te pedir a noite
ou um barco para navegar. Não sei onde fica o horizonte dos teus olhos, não sei se vamos juntos nas ruas onde iamos antes inventando fogo depois de cada sobressalto. Estou aqui para te pedir a noite ou um traço de luz que me feche o peito. Escrevo-te esta carta aqui nesta ilha onde o vento forte escreve no rosto a ortografia cicatrisante dos dias. Estou aqui para te pedir a noite...

lobo
 
Estou aqui para te pedir a noite

Quando tudo o que se finge é imperfeito

 
quando tudo o que se finge é imperfeito

E quando mais nada não se pode comparar

e a madrugada for o sentido de quem está habituado

a estar perdido e a se encontrar.

E quando tudo o que se finge é imperfeito

a gente chama o mar e o mar nos vêm ao peito.

E quando tudo o que se crê é mais

que a fé acreditamos no que vêm depois

e não sabemos porquê.

E quando mais nada se pode comparar

o mundo tem a nossa solidão

e o jogo é só aquele instante

em que o amor se faz no chão

e o sentido de acreditar

é mais que a força de um gigante.

E quando tudo não é mais nada

os olhos olham o espelho e o corpo se vê mais velho.

E quando tudo o que se finge é imperfeito

a gente chama o mar e o mar nos vêm ao peito.

Lobo 010
 
Quando tudo o que se finge é imperfeito

Os poetas não comem pão com queijo

 
Os poetas não comem pão com queijo
Os poetas não comem pão com queijo
Os poetas não comem pão com queijo

os poetas que comem pão com queijo

são esquecidos e nostalgicos.

Mas que diferença faz aquilo que os poetas comem?!

O céu continua a ser azul e tu cantas sempre a mesma canção

profunda e doce.

Está provado cientificamente que um poeta por comer queijo

pode ser absolvido de todos os crimes e que só pagará por crimes de amor.

Um poeta é um poeta

um rato é um rato e caso haja falta de papel a dactilografa irá por uma fatia fina de queijo da ilha

na máquina de escrever.

Também o queijo faz com que os poetas adormeçam e quando os poetas adormecem a natureza

adormece com os poetas.

Há dias encontrei um poeta francês e saboreamos juntos vinho e queijo, depois provamos pão saloio

instantes depois não dizia coisa com coisa e trocava tudo

confundia queijos com malmequeres e pássaros com estrelas

Pois o queijo pode provocar alterações na personalidade.

Mas que podemos fazer?! Deixemos os poetas comer queijo.

Nós precisamos da loucura deles para sobreviver
 
Os poetas não comem pão com queijo