GRITOS DO SILÊNCIO
Meus gritos são silêncios sepulcrais…
Minha alma é surda; meus órgãos, mudos.
Ainda assim, soam-me tensas gargalhadas
E eu me tapo da audição que fecunda loucos
Devaneios que bailam sobre a inconsciência
Desnuda… Algazarras fremem meu íntimo…
Deserto enxurrado pelas lágrimas que correm
Por veias aquáticas e deságuam na superfície
Dum coração combalido e holocausto agreste,
Sem areia e sem pasto para alimentar sonhos…
Minha alma desterra a utopia das premonições
E se vê envolta em retalhos de longes destinos,
Já carcomidos pelos ensejos ultrajantes da vida.
Não há eco. Tudo é puro silêncio que se conspira
Contra os gritos que amadurecerão as verdades!
DE Ivan de Oliveira Melo
FUTUM
Estou assustado, confuso, tenebroso...
Sinto o que se apodera de mim: gangrena!
Percebo em tudo o que faço... o odor.
Fragrância nas palavras e, até, em meus pensamentos,
Razão pela qual os abutres mentais me cercam
E desovam sobre mim uma terapêutica carnificina.
Minha consciência é húmus febril e dantesco,
Tudo apodrece em meu íntimo e é inhaca...
Minhas ideias estão em derredor desse ranço
E é uma caatinga que se faz em mim sertão...
Estou nauseabundo, preso a uma trincheira de dejetos
Que me retêm o olfato inadimplente das rosas...
Noto-me depósito de uma urina ácida e sem cor,
Por isso uma insanidade atrevida comanda meu eu
E me leva a diagnosticar-me estrume da existência!
DE Ivan de Oliveira Melo
INSTINTO METAFÍSICO
Vejo-me seduzido por pensamentos acrobáticos
Que contracenam amiúde com sonhos malabaristas,
Em vértices perpendiculares sinto-os idealistas
Consumidos pela vertente do consciente alopático.
Meu raciocínio faz piruetas num céu de fantasia
E a inconsciência se vê rachada por uma ideologia tosca,
As estrelas luzem alegorias pálidas no céu da boca
Consorciando-se à memória na confecção da nostalgia.
Percebo-me verdugo de uma imaginação quadrangular
Em que perímetros tímidos se unem para sonhar
Num trapézio onde sutis devaneios são os artistas...
Noto-me exausto... meu campo cefálico pede socorro,
Então encaro a realidade e em minúcias discorro
Sobre o que é aventurar-se no onírico sem ser cientista!
TUDO EM TI...
Teu nome está inscrito nas asas do vaga-lume,
Pisca-pisca que é convite para um colóquio particular...
Eu e tu... nós dois, singrando o espaço, buscando voar
Sobre o manto da terra: livres, audazes, impunes...
Teu sorriso parece asas de borboleta: beija tímida flor
E o colibri que amamenta as pétalas suga o pólen, demente...
A essas alturas, eu e tu... tu e eu... juntamos docemente
Nossos lábios para divinizar o mel: essência de amor!
Teu corpo é catedral onde preces sensuais são átomos
Que, em sua indivisibilidade, energizam dois bálsamos
Fundidos numa só carne temperada à exaustão das delícias...
Teus olhos são êxtase que inundam meu índigo incolor
Seduzido pelo orvalho que brota sereno do teu ardor
E me regaça entre os lírios cristalinos das carícias!
De: Ivan de Oliveira Melo
Noiva do Silêncio
Brilham as primeiras estrelas do anoitecer,
O sol atrás das colinas esconde-se ressabiado,
A lua beija a atmosfera sobre o mar agitado
Ensinando aos namorados as vertentes do prazer.
O arrebol leva ao êxtase o artesão da poesia
Que inspirado tece sua moldura num painel multicor,
No bailado das nuvens mãos ébrias semeiam uma flor
Em cujo olfato resplandece o aroma de sua fantasia.
Com o crepúsculo as aves do dia buscam o aconchego
E bocas anônimas sussurram indeléveis segredos
Que ficam gravados no éter da noite soturna...
Leve brisa acaricia a paisagem nos campos
Enquanto germinam-se sob a luz dos pirilampos
Doces súplicas pelo conforto salutar da multidão oculta!
INEXORÁVEIS
Quando neste trabalho ou passatempo
Feito sob as luzes dum candelabro
Numa noite augusta de tempestade
O sono chega... O devaneio se evapora
Sobre o catre molhado do suor escaldante
E a Lua não brilha na matreira madrugada
Contaminada pelo calor da atmosfera fria.
Tertúlias sobre colchões macios de madrigais
Traz uma sede de amar sem testemunhas
E onde segredos são revelados de soslaio
Deixando avessos os corações sem chaves...
Nutre-se a fome pelos desvelos da consciência
E nas páginas da vida há os tornados silenciosos
Que acariciam os peitos dos amantes embriagados
Pela disfunção orgânica que segrega os arrepios
E abraça uma voluptuosidade anacrônica e amarga
Que o destino confere aos desavisados da noite...
O salário do amor é o orgasmo que tinge os corpos
De vergonha e da libidinagem ortodoxa do leito!
DE Ivan de Oliveira Melo
MITOLOGIA MODERNA
Veneram-se imagens nos pedestais da Terra...
A mitologia não feneceu, segue viva, in natura
Perante as potestades humanas da modernidade.
Deuses e deusas de pedra são adorados por reféns
Que guardam em seus âmagos o platonismo da fé
E a eles se debruçam e entregam suas vidas finitas.
Tais seres são silenciosos em seu mutismo do nada,
Porque do tudo as consciências resgatam o equilíbrio
Psíquico de suas almas... No Olimpo contemporâneo,
As forças da natureza rechaçam o impaludismo falso.
A centelha da verdade é a fé racionalizada do infinito
Donde de obtém o respaldo carismático dos milagres
Que confeccionam da existência atributos palpáveis
E investigados a olho nu... A cegueira domina o átrio!
Divindades iconoclastas: imprudência da razão enferma!
DE Ivan de Oliveira Melo
Tempero Linfático
Conflitos abastecem o mercado da hipocrisia
E a mentira se alastra onde a verdade repousa,
Debaixo do tapete joga-se o lixo com a velha vassoura
Enquanto o mundo apodrece eivado de fantasias.
Ambientes ilusórios camuflam o odor da realidade
Que se acumula diante de um tela que é fachada,
Microorganismos se multiplicam e acessam a porta de entrada
Envenenando o pseudo requinte da sustentabilidade.
Tudo com macrobiótica, em doses homeopáticas,
Assim a vida mergulha numa nebulosidade linfática
Em que a cura é transcendental, quase um sonho...
Sobe-se em ladeiras e segue-se em retas de precipícios,
A queda é livre e muitos se amontoam em hospícios
À espera do inconcebível milagre do viver que fica enfadonho!
Você se foi... Tu chegaste!
Esperei tanto por ti,
Tantas vezes disse: “te amo”,
Chorei tua ausência, desfiz planos
E ainda hoje zombas de mim...
Meus olhos atônitos ficavam quando te viam
E meu coração disparava alucinado,
Um arrepio era o sinal desesperado
Dos desejos sequiosos de ter-te que me consumiam...
Naveguei pelos braços de uma esperança sem retorno
E me senti só a enxugar-me as lágrimas da madrugada,
Outra vez o sol brilhava anunciando uma alvorada
Que me trazia o desdém de ver-me abandonado de novo...
Durante meses aguardei eclodir tua paixão,
Pois de tua boca escutei que me amavas,
O tempo voou e pela brisa insólita que me enganavas
Destruíste o flúor que fecundava de amor meu coração.
Quantas vezes ansiei por teu abraço...
Quantas vezes sonhei dormir em teu peito...
Agora choro a amargura do devaneio desfeito
E no único beijo não te beijei, beijei o espaço...
A vida é linear e tudo segue em frente,
O mundo gira ao redor de nós e vêm outras etapas,
Na face do passado arquivam-se as velhas capas
Para que no futuro tudo possa vivificar diferente...
Donde menos esperava um novo amor surgiu,
Entregou à paciência o momento certo de vir à tona,
Perspicaz foi se aproximando demarcando zona
E no instante oportuno deu o bote e me seduziu...
Disse o clichê: a pressa é inimiga da perfeição,
Aventurar-se no escuro é perder de vista o objetivo,
Na agonia em que estavas poderia ser vão meu tiro,
Então decidi chegares ao desfecho de tua aflição.
Quando me viu acabrunhado a sofrer pelos cantos,
Teve a certeza de que a solidão me maltratava,
Assim chegou de mansinho, confessou que me amava
E me presenteou com o beijo que ofuscou meus desenganos...
Levou-se à velha casa onde vivera com seus avós
E se pôs a acariciar-me o corpo com ternura,
Desnudou-se e me vi perante uma nudez tão pura
Que de agora em diante sei que jamais estarei só...
Não posso ainda dizer que amo esta criatura profundamente,
Contudo estou consciente de que a felicidade bateu à minha porta,
Entrego-me ao recente sentimento e nada mais importa
A não ser usufruir de uma existência que não me é indiferente...
Sobre uma cama macia permito-me consumar o ardor
Que busquei sem resposta na pessoa errada,
Viajo no êxtase das carícias e não penso mais nada,
Já que desnudos e sem fantasias, saboreamos do amor!
Lauda Poética
Posso despir as palavras e rasgar suas vestes,
Deixar que o conteúdo semântico cause taquicardia,
Fantasia é universo deveras indispensável à poesia...
Sem ela, quem escreve não é poeta, é herege!
Versejar é criatividade, a imaginação alimenta o texto,
Na tessitura do vocábulo amplia-se o tear linguístico,
A sensibilidade atua como matriz do senso estilístico
Que roga ao campo ideológico ineditismo sem incesto!
Intimidade com a linguagem é recurso que o artista
Deve dar prioridade sem que se torne preciosista,
Pois, os vícios do idioma podem triturar sua obra...
Elegância e concisão... atributos do escrever bem,
Ilusionismos são fragrâncias que a arte não contém
E o contexto necessita do primor que a beleza implora!