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Poindexter e a Vingança dos Cinco.

 
Numa alusão a um certo conto lá atrás, (maldito shampoo) anteriormente falava eu da capacidade vingativa da figura do nerd, espécie misteriosa e escorregadia, que vive em todos os habitats do mundo... Costuma usar da inteligência e da perspicácia para compensar o que lhe falta em força física, embora eu conheça nerds deveras musculosos, e faixas-pretas em diversas modalidades de artes marciais, mais isso fica pra outra história.
O que interessa aqui é outro fato, que guarda profundas semelhanças com a tática de Toinzinho do conto supracitado, mas que possui as suas peculiaridades.
A figura da vez é Poindexter, nerd de primeira, de quem Toizinho na verdade deveria era engraxar as botas. Poindexter não se limitou à ciência para vingar-se dos anos de sofrimento envergados por sobre o lombo, dada a sua figura ímpar: branco, cabelo afro, estrábico severo, dentuço, aparência desleixada (em 1998 usava roupas da década de 70), inteligência (Q.I estimado em 415) e fobia social (tem vergonha de conversar com a própria mãe). Ele inventou uma nova modalidade de filosofia empírica: a magiência - magia com ciência. É, a coisa vai ficar cabeluda...
Quando Poindexter morava no beco do chiqueiro, bairro mal falado da zona oeste, isso porque inteligência não é sinônimo de dinheiro e nem de ser bem sucedido - devemos nos lembrar que Poindexter mora no Brasil - onde a meritocracia passou longe, e quem cresce mesmo é quem tem bunda grande, é puxa-saco, ou passou a vida inteira jogando bola na rua sem estudar, para depois virar jogador de futebol. Mas isso também é outra história...
Morar no beco do chiqueiro não melhorava em nada a sua situação, e um dia, um grupo de cinco pessoas armou pra ele bem na entradinha do beco - sem trocadilho de palavras...
Carmélia, Suzane, Ivo, Joaquim, e Mário... sim, aquele mesmo, o famoso... Colocaram acima de um poste na entrada de um beco, um balde de piche cru e encheram um saco com o que há de pior no mundo do lixo e das nojeiras, e colocaram penas de galinha molhadas juntamente com toda essa porqueira e armaram uma armadilha. De tal maneira, que ao passar por ela, Poindexter teria a cara e o corpo todo coberto de sujeiras, depois, coberto de piche, e depois, salpicado de penas...
Dirão alguns: Ah... Mas armadilhas assim não dão certo... eu mesmo já tentei fazer uma, e... É, mas aqui deu certo! E deu tão certo que o nariz de porco que estava dentro do saco caiu certinho na cara de Poindexter, deixando ele com o corpo de galinha e cara de porco. Motivo do qual deixaram de chamá-lo de porcaria para chama-lo de "porcalinha". Acho que vocês sabem que isso significava guerra, não é?
Os meandros da magiência é tão intrincado quanto qualquer outra ciência. É preciso um conhecimento apurado de certos conceitos e ferramentas, um bom laboratório para se trabalhar, e entregar de bandeja sua alma para o capiroto. Então, lá foi ele para o cemitério...
A primeira vítima seria Carmélia: Ela era conhecida por sua vaidade em relação ao corpo. Sempre magrinha e contando vantagem... Pois bem: Depois de assinar uma promissória com o capeta, Poindexter foi ter às três da madrugada num cemitério, abriu a sepultura do indivíduo mais gordo do lugar - não me perguntem como ele soube isso - e costurou na boca dele o número de celular de Carmélia... Não deu outra! Toda vez que o telefone emitisse um ruído qualquer, a menina comia tudo o que tivesse na frente! Eu vi pessoalmente ela comer o braço do sofá. Depois ela comeu o seu cachorro de estimação, comeu o sabonete, a escova de dente... Meu, Poindexter tinha o número dela, claro! E cada vez que ele mandava um watsapp, cada mensagem enviada... cada ligação... e a mulher comia o mundo! Ele me convidou para assistir a cena final. Estávamos sentados na pracinha, e lá vinha Carmélia, já não era mais a mesma, claro. Barriga enorme, cara inchada, olhos esbugalhados, talvez uns 110 quilos... Ele esperou só ela passar na frente do lixão do restaurante popular de lá e: discou o número... A mulher deu uma pirueta pra frente e caiu no meio dos restos, como se fosse uma piscina olímpica e ela competisse por uma medalha de ouro... passou comendo tudo como uma escavadeira: pratinho de plástico, repolho, meia velha, vassoura... Poindexter mandou outro watssap, um ruído... e ela correu pra sobremesa... borra de café, caco de vidro, um mendigo distraído... depois outro, e naquilo a barriga dela ia aumentando, e aumentando, e os olhos esbugalhavam, e ela comia, e os botões de sua calça arrebentavam... e ela comia... que a única coisa que eu me lembro de ter feito foi sair de fininho, enquanto o povo, pasmo, assistia àquela cena grotesca. Até que eu ouviu um "buuuummmmm"! E comida voando para todos os lados...

A próxima da lista seria Suzane... Eu não queria estar na pele dela...
Com Suzane o buraco seria mais embaixo... Suzane era a patricinha da turma, sempre limpinha, nunca repetia uma roupa, sempre cheirosinha, comprava os perfumes e produtos mais caros, numa época em que comer pão com mortadela era coisa chique. Poindexter usou das maquinancias da sua magiência, evocando um duende do supra-mundo que se apresenta à nossa realidade nas frequências cromáticas das notas sol, fá e dó. As notas mais fáceis de se realizar em sequência, tanto em musicas quanto na fala... E o que ele pediu ao duende? Que a cada sequência correta de notas, o intestino de Suzane fosse como um singelo beija-flor: livre, leve e SOLTO!
É, meu amigo, e quando dava essa sequência, ninguém ficava perto. E Suzane abria a boca a chorar... e mal sabia ela que o choro se compõem do acorde perfeito... sol-fá-dó...
E ela buuaaa de um lado, e todo mundo corria para o outro! E quanto mais ela punha pra fora... mais as pessoas riam... e a sequência das gargalhadas advinha qual é? Pois é... essa mesmo. E assim, ela chorava... e "splash"... E então o povo ria, e "splash"... e era um círculo vicioso terrível. E eu já não sabia mais pra onde correr!
Depois de três dias Suzane já estava andando de pernas abertas, feito uma siriema manca. Nunca achei que iria dizer isso, mas eu tive dó dela, e isso não tem nada a ver com a homônima nota musical.
Foi graças aos homens da carrocinha que vieram buscá-la para interná-la num local onde ela pudesse se sujar à vontade, onde nenhum desavisado pudesse pisar em suas obras... Mas o pessoal do hospício não a aceitava, doido tem nariz também... Sugeri mandarem ela pra Brasília, mas o pessoal comentou que lá já se fazia muita cagada. O fato é que nunca mais a vi.
Quanto a Ivo, bem, esse também foi de dar dó... Ele era um cara inteligente, iria se formar em engenharia elétrica, já com emprego garantido, era fidalgo de alguém da cidade que tinha os seus contatos, O bom e velho "QI". Tempos atrás ele tinha sofrido um acidente e colocou uma platina na cabeça... Poindexter fora genial! Ele foi até o cata-vento da cidade, maior torre dos arredores, colocou lá um emissor em forma de cabeça de porco, dirigido diretamente para a cabeça de Ivo.
Nada contra, acho muito valiosa a contribuição do homem do campo para todos nós, eu, particularmente, gostaria de morar no campo. Mas Ivo foi muito radical! Ele largou tudo e virou criador de porcos! A pocilga mais azeda da cidade era dele. Ele ficou tão fanático por porcos, que dormia com os porcos, traçava os porcos, e dizem, até se casou com uma! Ele andava pela cidade com uma camisa xadrez, uma galocha de sete léguas, um chapéu de palha maior que um sombreiro mexicano e coberto de lama até às sobrancelhas... Com o tempo, dizem que ele virou um porco. Agora não sei se isso foi de verdade ou só uma figura de linguagem. Mas, sinceramente, eu acho que ele virou mesmo, vez ou outra eu mesmo o vira roncar duas ou três vezes...

Joaquim e Mário nem podiam sonhar com o que os aguardavam...

Joaquim era um cara bem macho. Pelo menos ele fazia questão de enfatizar isso. Todo bombado, barbado e cara de mal. É, mas um dia ele teve de fazer um transplante de córneas. Poindexter invadiu o hospital e trocou as córneas destinadas ao Joaquim por os de uma mulher, e que ele mesmo preparara cuidadosamente com o seu conhecimento mágico científico...
Em dois meses Joaquim estava chamando urubu de "meu loro". Não podia passar um homem que Joaquim assoviava e se insinuava todo! Tinha virado gay? Não! Tudo o que ele via através das córneas virava ao contrário. Se era um cara feio... ele via uma mulher bonita! Se era um cara baixinho, gordo, feio pra burro... ele via uma loira de um metro e oitenta, de cintura fina e olhos verdes. E mais, Poindexter não se limitou a isso... Se o cara fedia... ele via uma mulher cheirosa... E se por ventura você tentasse alertar Joaquim, com frases tipo esta:
-Cara, você não tá vendo que aquilo é um homem? - Ele entendia assim: " Cara, tá vendo que mulherão?" .
Se dissesse: -Você virou boiola? - Ele entendia: -"Você é o cara mais macho do pedaço!"
E assim ele viveu a vida dele... achando-se um garanhão, mas conhecido na cidade como o cara mais boiola que jamais fora visto antes.
Um dia ele me abordou na rua dizendo:
-Meu, não sei o que aquela mulher faz comigo! Ela é uma deusa, mas fazem cinco dias que eu não consigo sentar...
No que eu respondi:
-Isso que você tá chamando de deusa é o tripé, zagueiro do time do boqueirão, e que tá te pegando de jeito...
Ele entendeu:
-"Isso mesmo, to morrendo de inveja, zé. Aquele mulherão com aquele bocão... tá te pegando de jeito"... - E saiu pra lá todo orgulhoso.
De vez em quando vejo ele fazendo compras no mercado, abraçadinho com o tripé. Acho que eles nunca foram tão felizes...
Ah... o Mário... Este também não anda tendo uma vida lá muito fácil... Ele sempre fora vaidoso. Aquele tipo que passa gel no cabelo, penteado tipo Elvis... perfume, gola levantada...
Poindexter criou uma essência mágica misturada a feromônios de gato, que tornou a vida de Mário um verdadeiro inferno gatal, quer dizer, astral.
O cara punha o pé na rua e Miauuuuuuuurrsss!!... Saía gato do buraco da fechadura, do bueiro, arrastando a dona pela coleira, do quinto dos infernos saía gato! E todos eles cravavam as unhas nas pernas de Mário, na cabeça dele, na bunda, e ficavam agarrados a ele feito carrapicho, arranhando, mordendo, lambendo... E onde tem gato, tem cachorro... E os cachorros vinham atrás, mordendo, urinando, uivando... Parecia uma massa de gatos com topete, a andar na rua escoltada por cães a ladrar. Era uma coisa triste de se ver...
No início Mário tentava se livrar deles, até descobrir ser inútil... Tentou ficar em casa preso, sem ver a luz do dia... Mas os gatos cercavam a casa, e a própria mãe dele colocava ele pra rua...
Com o tempo ele acostumou-se com aquilo, e passou a ser conhecido como o homem dos gatos... Acabou os seus dias num circo, como domador de leões... até ser comido por um deles, não literalmente falando...
Poindexter hoje tem uma vida bastante abastada, casou-se com uma mulher bonita. Melhorou bastante a aparência e é um cara legal. O meu melhor amigo. O melhor cara do mundo. Amigão! Gosto demais dele. Aliás, como visto antes, vou repetir...
Jamais mexam com um nerd!


j

 
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London
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