Tanto tempo q'inda me lembro
Quando se aproximava o estio
Quando as nuvens no cio
Indicavam o mês de setembro.
Findava os meses de frio
Daquelas rajadas de vento
Agora era o encher de rios
Mudança brusca do tempo.
Brilhava um sol amarelo
O fundo do mundo, cinzento
Senti derrubar o castelo
Que eu sentia por dentro.
Lembro que eu chamava Marcelo
Que eu previa o futuro
Que eu desenhava nos muros
Quando simples eu cantava
Pelos becos escuros
Em ruas repletas de valas.
E, quando, quedava a madrugada
Apagadas as estrelas
Eu ruminava na areia
Deitado perto da praia.
O mar sussurrava segredos
Que só eu podia ouvir,
Histórias de navegantes perdidos,
Daqueles amores falidos
Descritos por Shakespeare,
E eu, menino com os olhos de festa,
Cria em todos e em tudo,
No vento que trazia promessas,
Nas ondas que serviam escudos,
No céu que se abria em tons de laranja
Quando o sol nascia tímido,
Rompendo a névoa da manhã.
Marcelo, o nome que ecoava
Nas paredes da memória,
Era eu, era outro,
Era o menino que fui,
Que se perdeu no tempo,
Mas que ainda habita
Nos cantos mais escuros
Da minha alma.
E ali, deitado na areia,
Sentia o mundo girar,
Lento, pesado,
Como se carregasse
O peso de todas as lembranças,
De todos os amores não vividos,
De todas as palavras não ditas.
E o vento, sempre o vento,
A cantarolar canções antigas,
A lembrar-me que o tempo
É um rio que não para,
Que arrasta consigo
Tudo o que fomos,
Tudo o que sonhamos,
Tudo o que um dia seremos.
E eu, menino, homem,
Marcelo, quem quer que seja,
Fico aqui, na beira do tempo,
Olhando o horizonte,
Esperando que o sol
Me traga de volta
Aquele dia frio,
Aquele vento,
Aquele rio,
Aquele momento...
Aquele menino.
Gyl Ferrys