Nasci onde a bala reza
e a seca faz procissão.
Não carrego fé no colo,
carrego punhal na mão.
Me chamam de flor do tempo,
mas flor não finca raiz
no terreiro que nos nega
um pão, um nome, um país.
Meu vestido é couro e raiva,
meu cavalo, rebelião.
Amor? Só aquele que não some
quando a fome morde o chão.
Fui mulher antes da hora,
fui mulher sem ser menina.
Nunca pedi por companhia,
dei ordens ao sol, ao sangue e à sina.
Na vereda, fiz abrigo
com o pouco que sobrou.
Minha alma tem cicatriz
que nenhum patrão curou.
Homem fraco me não serve,
homem forte me respeita.
Quem quiser, venha por gosto;
por dever, não me aproveita.
Já enterrei filho e promessa,
já vi santa virar pó.
Não abaixo a cabeça
nem pra reza, nem pra dó.
Sou flor que nasce na pedra,
mandacaru mesmo só.
Nem tudo que fere é ferida. Às vezes, é raiz.