Poemas : 

A um deus desconhecido

 
eu nunca quis ser assim
esta espécie de existir
de ser ser
viver quase sempre
a tropeçar num carro
velho e sem travões

a dignidade nunca me assistiu
embora estivesse perto
mas
um comboio ultrapassou-me
e ficou com ela

na verdade, não sei
bem o que quero
afinal desta vida
ímpar, impura, imperial
que nada me dá
mas
tira-me tudo

oiço o apito inicial
zero ou infinito
o jogo continua
consumida, prossigo
talvez alguma honra
ou virtude
entre ou saia

talvez alguma sorte
numa vez sem nenhuma
me deem os que mandam
me deem os que sabem
pois eu
não mando nem soube
nunca nada



como vim aqui parar?
onde é a saída?
falta muito para acabar?






I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

"A um deus conhecido" é a tradução portuguesa do livro "To a God Unknown" (1933) do escritor americano John Steinbeck (1902-1968).
 
Autor
Beatrix
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Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 19/09/2025 19:05  Atualizado: 19/09/2025 19:05
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 A um deus desconhecido p/ Beatrix
.
Quem é esse deus desconhecido a quem não oramos, mas que talvez escute um lamento?

Talvez seja esse carro velho ou esse comboio que nos atropela, só velocidade e ruído, sem a possibilidade de paragem e silêncio que, no poema, subtilmente se transformam em honra e virtude.

Tenho pena de não me lembrar de quase nada do livro de Steinbeck. Ficou-me na memória um homem sozinho numa clareira de uma floresta, quase como se estivesse num templo. Parece-me uma boa imagem para responder às questões finais do poema de Beatrix. Procurar o recolhimento dos lugares solitários, nem que seja no nosso interior, e escutar com atenção o seu silêncio.