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Diario de Oficina & Pensão - Epilogo

 
penultimo capitulo
Domenica, 30 - dois dias para o final de 2018
Havia um pombo morto na esquina da avenida Sarney Filho com a rua 19. Observei-o por alguns instantes, imaginando qual seria a causa-mortis daquele infeliz animal. Aventei várias conjecturas a respeito, mas infelizmente ficou no ar a pergunta. O que o matou? Deixei-o de lado e continuei a minha caminhada em direção a minha humilde "casca de coco". Seu Raimundo, o caminhoneiro aposentado arrumava as mercadorias na calçada do seu estabelecimento e nem deu conta da minha efêmera passagem. Sempre tem alguma pilheria para me contar.
Uma coceira dos diabos na frieira entre os dedos do pé direito, viro-me para a parede para coça-la sutilmente.
As duas heroínas se cruzaram na Atenas de 1946 -uma o ama e a outra quer vingança - uma viagem pelas ilhas gregas por onde o meu mestre Henry Miller visito-as antes da eclosão da segunda guerra a convite de seu amigo, também escritor Durrel.
Ainda há histórias que ainda não posso escrever, esses diários são laboratórios, onde faço diversas experiencias literárias. Tempo fechado. Céu encoberto, uma brisa suave e um pouco fria. tento seguir os conselhos do mestre Anton Tchecov, minimizar ao máximo as frases, evitar os adjetivos e outros que esqueci... Hemingway seguiu a risca e se deu bem com sua linguagem telegráfica, mas Hemingway é Hemingway, e eu sou somente um pobre serralheiro que quer ser escritor. O tempo urge contra mim, tento cronometrar as folhas deste caderno para zera-la amanhã a meia-noite e assim começar o ano de 2019 com caderno novo.
- Francês? Inglês? Português? - ouvi essa pergunta por trás do espaldar da cadeira senhorial - no justo momento que o co-piloto entrega o parceiro para o bilionário patrão grego - fechei o livro e rodopiei a cadeira como Carlinho Browm faz no the voice, custei identificar aquela voz que tirou do meu idílio literário, a luminosidade e a catarata impediram-me. Instintivamente estendi a mão que foi imediatamente apertada efusivamente. Então reconheci o rosto do velho amigo Sansão.
- Português! - respondi-lhe alegremente.
Na pensão rolava uma comemoração no terraço, nem dei trela e fui refugiar-me no fundo quintal. A Sra. Vince ofereceu-me uma lata de Glacial no exato momento que me servia de arroz temperado, farofa, salada de alface, torta de camarão e um bom assado de panela - guardei a lata para depois do lauto almoço. Danielzinho ofereceu uma linguiça assada. aceitei.
No meio da tarde finalizei a leitura prazeirosa "De Outro Lado da Meia-noite". Um bocejo - apenas mais um fast-food. De volta a Joyce e a sua adolescência de Dublin - uma família numerosa, ele era o mais velho, três irmãos e seis irmãs, o velho fanfarrão John Joyce, o patriarca, as mudanças constantes. Irei reler "Retrato do Artista Quando Jovem" é o único livro que tenho dele, quase comprei "Dubliness", mas não tinha troco, quando voltei no outro dia fora vendido, mas em compensação comprei "Pai Goriot" uma das perolas do mestre Balzac que admiro muito. Levanto-me e vou até os meus aposentos, apanho-o na estante, volto e sento-me na cadeira de macarrão, encho o copo com café - Os convidados divertem-se, cada um a sua maneira. Eu vou a Dublin.
A festa acabou e os convidados retiraram-se em grupo e o silencio voltou. O corpo pede descanso - "O Retrato do Poeta Quando Velho e Liso"é um daqueles projetos que nunca decolarão

Saturday, decembre 29, 2018

Passei a noite toda rolando de um lado para outro, cochilei depois das quatro da manhã até as seis. Seu Obina estava em pé em frente ao seu escritório ao ver-me alegrou-se. Suspendi a porta, posicionei a cadeira no seu canto favorito, aproximou-se devagar como um gato desconfiado e sem cerimônia sentou-se. Coloquei as chaves e os dois cadeados, os livros de Sheldon e Brown e o radinho sobre a mesinha do canto atulhada de livros tantos didáticos como de literatura. Segui para o fundo da oficina, enverguei a suja e fedorenta farda, tirei a capa que cobre o transformador de solda, estendi o cabo de força na improvisada tomada, dei a volta até a calçada e liguei o disjuntor. Fiz o teste de todas as manhãs com o alicate de solda batendo na pequena bancada e o clarão inundou o ambiente. Tudo Ok, pronto para mais uma manhã de espera - sentei-me na cadeira senhoria, pensei em pergunta a Seu Obina como foi o encontro, refreie a curiosidade. Ele acendeu um "careta" num gesto automático. Perguntou-me se eu poderia fotografar o "possante", sai pela tangente, alegando que não sabia manusear o smartphone.
- Alô, Raimundão! gritou o velho palhaço Diogo do alto de um trio elétrico, fazendo a propaganda de um sorteio num supermercado qualquer.
Adeus Brown e seus incríveis e inteligentes personagens. A NSA foi salva no ultimo momento bem dramático por um simples numero primo 3 - que é a diferença entre os números da carga do urânio usados nas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Agora vou ao grande Sidney Sheldon em "O Outro Lado da Meia Noite" - tendo como cenário inicial Paris e Chicago. E duas novas e belas heroínas - Noelle francesa de Marselha e Caterina de Chicago.

O calor abafado do começo da tarde deste último sábado do ano. Almocei na antiga casinha dos cães no fundo do quintal. Observei maravilhado um beija-flor pairando sobre um botão da flor da romã e o sugando nervosamente. Divino. Ouço "Marina" do mestre Caimmi na versão de Gilberto Gil, lembrando-me de um domingo distante que passei na casa do poeta Jose Maria do Nascimento e esposa na inauguração do ninho deles no Conjunto Vinhais nos anos 80.

La noche entre mosquitos e releitura da biografia do genial irlandês James Joyce - sonho um dia possuir "Ulisses" e relê-lo bem devagar, sorvendo cada palavra, analisando com exatidão as frases.. Um bom sanduba de rango frito, pepino, cheiro verde, pimenta, vinagre e massa de tomate e um copo de café. Devorei rapidamente mais um capitulo do mestre Sheldon cheio de suspense. O cara é o máximo, deixa-nos sem respiração. Leio um e depois o outro. "Dubliness" foi rejeitado por quarenta editoras e "Retrato do Artista Quando Jovem" por todas que fora enviado, mas Joyce persistiu. Um exemplo para mim, que desisto facilmente dos meus objetivos e caio logo numa depressão. É horrível!

Ultimo dia do ano de 2018

Segunda-feira
- Pois é Seu Raimundo - começou Seu Obina, jogando o toco do cigarro no rego. - Vou tomar um banho e vou no velório de Balão magico.
Seu Raimundo, o caminhoneiro aposentado e pai da bela e apetitosa Janaína confessou-me que não vai e nem gosta de ver defuntos, trauma de infância:
"Quando eu era pequeno á no interior que minha mãe me levava num, a noite eu dava um trabalho danado para ela"
Frederico rasgava violentamente umas sacolas de plástico e as jogavam na churrasqueira da galetaria no canto da Rua 19, onde era o comercio de seu Isidorinho. Iria acendê-la. Uma banda de porco jazia sobre a banca rustica do vendedor, na calçada do trailer de hambúrguer de Zamba.. Debaixo da frondosa mangueira em frente ao mercado, o verdureiro e sua pequena ajudante arrumavam seus produtos sobre umas caixas vazias de bananas
- Deixa eu aqui rapidinho fazer uma fezinha - disse-me Blindex, o garanhão apressado, seguia para a lotérica tentar a sorte na Sena da virada.
"Olha a manga!" - gritou o coletor Seu Daniel empurrando um carro de mão cheio delas.
Todo mundo em atividade. Mano Brown, o serigrafista passou cedo, depois o 'patrão' Zé Caracas carregando umas sacolas de ferramentas. O pintor de paredes Marrones andando devagar acompanhava Seu Ademar, o comerciante ao mercado. É o factótum dele.
Seu Obina manobrava o possante, que não queria pegar, vinha do velório do conterrâneo. E o possante vencido vai descendo de ré parando em frente a mercearia de Seu Cardozo. Mario Jorge desce de uma 'lotação' pela porta traseira com cuidado com a sacola de peixe e o motorista esticou a mão para dar-lhe o troco. A senhora Obina e a filha puxando um carrinho de compra vazio. Meu estomago urra de fome e releio o calhamaço biográfico de James Joyce. Seu Cesar Bude ainda abatido pela perda da mãe, o semblante triste e cabisbaixo, nem demorou muito. Motense e flamenguista doente, não perturbou ninguém, como era o seu costume.
- Eh! seu Raimundo! - saudou-me o pedreiro Gugu da esquina da rua 25.
- Ei seu Antônio Puro - gritei para o negão das polpas de frutas voltando de mais uma manhã de luta no mercado, empurrando seu carrinho de três rodas.
Mano Brown, o serigrafista ficou feliz, presenteei-lhe o livro "Álbum de Família" - o de foto da revolução constitucional de l932 - quando os paulistas pegaram em armas contra o governo de Getúlio Vargas.
Seu Arnold, um mitômano compulsivo, narrou as suas viagens a Caiena e Paramaribo contrabandeando café para lá e trazendo uma carga valiosa de uísque, rádios, discos de Luis Kalaff e outras bugigangas. Tenho lá as minhas dúvidas. É o nosso general Ivolguin - um personagem de Dostoiévski, em "O Idiota"
Gordinho vendeu-me o caderno fiado para iniciar o ano. A Sra. Vince baquiada pelos grodes de ontem dormita pesadamente, até ronca sonoramente na cadeira senhorial e o esposa bêbado como Lorde retorna a base para curar a primeira ressaca

La dernier nuit de l'anné de 2018

Digitei o capitulo XXXII e postei no face. Um moçambicano e um poeta haitiano curtiram de imediato, deixando bastante feliz. Assisti o filme "Dividas de Baden-Baden" - os dois gigantes da literatura russa encontram-se nesta cidade alemã e discutem sobre o destino literário da Rússia. E Dostoiévski deve a Turguêniev um empréstimo de cem talares que até aquele momento ainda não tinha pago.
Sóbrio, recolho-me aos meus humildes aposentos, os mosquitos não dão um tempo. O pernil assado no forno de Seu Eudes, genro de Seu Obina, já foi destrinchado e guardado no fogão. Joyce chega em Paris em 1902 para estudar medicina.

23:40 - Assistia "O Mochileiro das Galáxias". Bocejava sem parar. Banhei-me para espantar o sono, mas não adiantou. O sono me anestesia. No Rio de Janeiro é 2019.
Começa a contagem regressiva e eu tombo nos braços de Morpheus

 
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efemero25
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