poema de consagração
dentro de mim, tu és o poema
que nasce na brevidade
do verso
e anuncias a glorificação
numa oração de foice
em lume.
no meu corpo, gizas o ritmo
com labaredas cerzidas
à rima das palavras
incitadas pela licitação
da libido.
nos meus lábios, a cada pausa
recitas coplas
com cada palavra do meu corpo,
sem abuso de prosa,
upamos em sinestesia
como cavalos à solta
num poema de consagração.
modo de amar
há contornos
do peito
na palma da tua mão
quando me assaltas a cintura,
sobes
em gomos, talhas a noite
procuras
os lábios com sabor
ao teu nome
estremeces
num sismo
que vem da alma
para rasgar o corpo,
ardes
como lava
e desaguas
num gemido
soltas
lume nas pétalas
no regaço
despido,
cresces
rumo ao pulsar
do silêncio
da seda
galopas
na raiz da vida,
talhas
a seiva,
gota a gota,
a pele
polvilha-a com bagas
d`afago
ofereces
avulso nus beijos
no ventre,
na pele, os dedos
teclam
a ode do corpos,
repousamos
de cúbito, em concha
escultor
a voz da pedra para a mão
diz: toma a essência
em curvas de criação
em intima confidência
usa o cinzel
e em vicio, finca no veio
no hábil e ágil magma
na pedra
de fora para dentro
concebe, vastos pomos
seios e ventre cheios
olhos em existir silente
rosa dos ventos
no cabelo
na pedra virgem
esculpe, em assaz desvelo
crava o escopro
em lento amaciar
ama pouco a pouco
a lava, fogo de donzela
abre-a, em espasmo, na pedra
o peito, súbito sangue
fervente, alteia e sonha
a tez inundada
do cru laço da vida
na pedra
armada pela mão, um corpo
uma salaz concubina
adornada a vulcão
Dedicado ao amigo Francisco Cogumbreiro, escultor açoreano.
passo a passo
passos, em passos vão
e em vão passam.
com os primeiros,
o que é longe, a perto chegarão.
se lentos, apressam-se.
em roda
enganam o tempo.
inquieta a alma
vai em passos perdidos.
nas areias, em passos se tropeça.
passos,
não sepultam pedras.
o caminho,
com passos se faz
a cada um, um passo jaz.
passo a passo,
entre passos, caminha-se na vida.
com passos seguros, se vai
sem temor ao dia.
em passos largos,
na noite
vem o comprimento do medo,
no eco da rua ou entre paredes.
do passo atrás, ao
passo em frente,
passos sem fim.
passo a passo
para o passo da liberdade.
em silêncio
O silêncio liberta-nos de quase tudo
menos de nós.
Por dentro permanecem ecos
de amor.
Falo-te de amor para ressoar por dentro de ti.
Amor é uma palavra. O desejo um corpo.
Leva-a o vento. Ao corpo, o tempo o levará.
Vem
troquemos as vestes pela nudez.
Quero despertar-te por dentro.
Quero ouvir-te amar, de olhos fechados.
Sentir as arestas das tuas veias
pulsantes.
Serpentear sobre o teu ventre.
Entrar no ardor dos teus rasgos.
Tu sorris como uma harpa. Lenta.
Quase em pausa.
Assomas aos meus olhos
para veres o eco de ti, em mim.
Falei-te em silêncio para permanecer com o eco do teu amar.
não te vejo há dias
Não te vejo há dias.
Esperava-te sobre a mesa a jarra com flores.
O chá de jasmim.
O fim de dia no pátio.O canto do melro.
Escrevo-te, enquanto a luz vigia a mão.
Entre o rebuçar das lágrimas no vestido e
o gemido traçado a ópio.
Assomo as tuas fotografias.
Dançávamos sob o esboço da magnólia
com as bocas coladas entre a sua sombra,
no enlace das mãos e sob o colo espreitante.
Lembraste?
Partilhávamos as cicatrizes dos dias.
As errâncias do percurso.
As trovoadas afloradas no peito.
A intimidade da pele.
Se não chegares pela lua
claro, o branco das magnólias
iluminará a prece da mão solitária
entre os sulcos íntimos sob as rendas
tomarei a tua imagem como incêndio
para recortar o meu desejo nos dias
em que te não vejo.
as tuas mãos
Justas à noite as tuas mãos aplainam o
sobrado para desfazerem afagos
na minha ilharga.
Mãos que avançam para o altar
de madre-pérola sobre joelhos
entontecidos e diante do círio alto
crescem preces em espasmos fundos.
Mãos de anjo que rasgam o clarão da
minha boca e me ungem a carne, erguendo
hastes de paixão.
Fazem-me subir ao céu em salto alto e
absinto nas palavras.
Como um voo de pétala, flutuo na noite
pelas tuas mãos.
sobre a inocência
A chuva perfuma de trevo a tua face e da boca nua destilas seiva carmesim.
onde aplaino o meio do silêncio e nasce ardente o astro com cheiro a terra.
Com cheiro do pudor do teu ventre prenhe de linho âmbar plantado na tua inocência.
A inocência que se desfaz no cálice do tempo e no sulco do espasmo
para entoar no fruto descerrado pelo criptar das veias, enchendo de mosto o cravo cantante.
Procuro enxertar as mãos na tua dança. Na terra do fogo.
os teus lábios. Na raíz do suspiro. No ardor da carne inebriada.
No pedaço extasiado pela delicadeza.
Na varanda da tua mocidade debruço beijos, fios de prata, pétalas embebidas pela lua. Soluço. Amor.
Anjo. Diadema. Permaneço ao cimo do caule do teu abraço.
Leves e sôfregos, os teus olhos fiam esperança.
Asas abrem-se do teu peito, rasgando nos meus dedos
grinaldas de flores. Mansamente adentrando-me na madrugada em seda.
Adentro-me na tua inocência.
mulher, mãe e musa
no regaço
abrigas a felina
que aquieta a caça do enlace
em sangue e em gemido
entregas manso
o inteiro cio
nos teus braços
berços ergues
para infante ninar
e nos montes mansos
tua seiva nutre
tenra boca em prantos
com íntimos matizes
e passos de veludo
inspiras bodas e poesias
és meretriz e secreta deusa
mulher, mãe e musa
meus gomos de toranja
abres-me o corpo com o olhar,
por entre os sulcos
do frondoso pomar
e saboreias os meus gomos de toranja
no intimo pomo agri-doce,
fruto vivo rosáceo, exaltas
a fome inadiável dos teus lábios
carnudos
nacos talhados pelo perfume da pele
sedenta
da polpuda seiva
do corpo
onde a foz dos dedos
encontra o afago ígneo
em torno da flor trémula