Poemas, frases e mensagens de atizviegas68

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de atizviegas68

Só o leve e o livre voa

 
Nas mãos
levas o vento.
Enlaça-lo na harmonia
das árvores.

Levas na boca,
o jeito dos trevos.
Numa dimensão avivada.
Ao lugar da memória.

Da palavra que soa.
Com dom de criança.
O silêncio provém.
Só o leve e o livre voa.  
 
Só o leve e o livre voa

vulva

 
rosa ardente oculta
no nu vaso enfeitado de ninho

rosa alcova
o desejo chama
o namoro primaveril da mão

secreta rosa, flor da noite
a mão cadente o eco das pétalas toca

rosa rubra, flor d`amor
tua seiva talha o instante do gozo
que a mão a jusante doba
 
vulva

Só a árvore e o homem levam o mundo por dentro

 
Um dia muito longe, sempre
perto de um tempo absorto, entre
gestos e passos.
Sob as árvores, com raízes
que teimam estar sós,
como os dias de cada ano.

Leva-se o olhar, que olha
as múltiplas arestas e frestas,
com um solitário silencioso silêncio.
Olhares das manhãs e das tardes,
em anonimato, de ombro a ombro.
As casas levam o mundo por dentro.

Nunca se conhecem todos os rostos
nem todas as palavras, por
se adensarem esquinas e caminhos.
Nos passos, nos gestos em conspiração.
Tão longe como se fosse perto.
Só a árvore e o homem levam o mundo por dentro.
 
Só a árvore e o homem levam o mundo por dentro

modo de amar

 
há contornos
do peito
na palma da tua mão
quando me assaltas a cintura,
sobes
em gomos, talhas a noite
procuras
os lábios com sabor
ao teu nome

estremeces
num sismo
que vem da alma
para rasgar o corpo,
ardes
como lava
e desaguas
num gemido

soltas
lume nas pétalas
no regaço
despido,
cresces
rumo ao pulsar
do silêncio
da seda

galopas
na raiz da vida,
talhas
a seiva,
gota a gota,
a pele
polvilha-a com bagas
d`afago

ofereces
avulso nus beijos
no ventre,
na pele, os dedos
teclam
a ode do corpos,
repousamos
de cúbito, em concha
 
modo de amar

mar azul cobalto

 
Fundo de levantes. Abismo em sono

profundo de águas.

De longe, chegam ao cais nas marés

desfeitas em versos.

Poemas calmos como o fundo do mar.

Em mistério, as margens rompem-se e as

águas unem-se como a poesia une olhares

coalhados pelo azul cobalto das palavras

profundas. Sem se cansarem, ondas

inscrevem o belo e o sábio no avesso do

mar, onde aves ébrias pelo silêncio

anunciam maresias de inspiração,

enquanto no pulsar do oceano cintilam

torrentes de sílabas que se aconchegam

em pátios de sílica. Em visita, a

ondulação foragida das cristas

terrestres constrói rotas para as barcas

carregadas de estórias e segredos

temperados. No mar azul cobalto cresce a

imensidão do prado azul e no poema

cresce a pulsão profunda da palavra.
 
mar azul cobalto

a planície

 
a planície abre-se em manso estar
no deambular das horas das papoilas
na vagarosa brandura do trigo o restolhar

em grande plano o sol a pique
tinge de amarelo os dias inocentes
e a paisagem pintada no recato do olhar
ergue-se em raízes no meio do vento

abre-se na planície recortada pela noite
o desabrochar da flor em mel
e sob as folhas da azinheira
acordam as cigarras do sono fiel

em contemplo da terra perfumada
de segredos e mistérios enluarados
embala-se a cal que escuta a parede
onde amor brasio desp`amados

nas rodas dos vestidos nascem
seduções no fôlego de um cantar
monotonamente inebriado de saber
ecoa entre louros favos um brilhar

vagarosas as horas aram a paisagem
adubando com candura da existência
de silêncio prenhe a terra d'ourada
semeia na alma o solo da essência

a planície em floração de alfazema
desprende roxas pétalas de saudade
para no pôr de sol alaranjado oferecer
a ternura do amanhecer à bela amada

com a profundeza da planície na palavra
a paisagem n`olhar em companhia risonha
avança o sonho nas asas d`uma cegonha
 
a planície

flores de bem-me-quer

 
No malmequer a chuva continua miudinha.

Para apanhar a fragância debruço-me na lufada do vento.

Ao vento que desfolha pétalas. Pétalas que adivinham buscas de amor.

Meadas de suspiros. Choros de mansinho.


Ao desnascer o dia, o orvalho rompe as palavras. A voz

mansa dos teus desejos. O lento soprar dos versos com que

ateias o meu ventre. Com que pintas à mão o brilho do meu olhar.

Com que soltas a Primavera na minha boca.


Como a voz que asperges em canto, decompões

no nácar do meu íntimo, também desfolham da sépala

as pétalas com que adornas os meus seios na inclinação

dos lábios cedidos.


Abre-se e fecha-se o malmequer estilhaçando gotas

d`orvalho. Também em nós abre-se e fecha-se o corpo

entumecido no suor do amplexo. A nudez

abre-se e fecha-se. Abre-se...solta o

deleite. Solta o pólen.


Docemente, no outeiro das tuas mãos desabrocham flores…

…flores de bem-me-quer.
 
flores de bem-me-quer

cais da ilha

 
O nevoeiro sorve montes e contornos. Sob o chumbo desfraldado tranças os teus sonhos.

Ilusões de ser pasmado. Sombras. Entre brumas, vem veloz a nostalgia.

Tu partes. Partes em dia cinzento mar. De coração vazio a chorar

a ilha. O lugar da minha tristeza.

Partes incerto e de olhar disperso. Melancólico.

Adensado nas coisas mínimas. No silêncio da chuva.

No pó do sonho. No rugir velado dos dias.

Na mudez dos grilos.

Partes no Inverno.

O Inverno que rumoreja no peito. A estação talhada

na fímbria do mar, onde a indolência

dos céus enfeitiça o coração

submerso em solidão.

Emudeço na rocha fendida.

No cais. Nós de vento compõem ondas

cortadas pela quilha.

No cais a matar saudades é o fim.

Quanto doí amar? É sempre?

Segredo de mãos ausentes nos confins do

mar.

Na ilha.
 
cais da ilha

passo a passo

 
passos, em passos vão
e em vão passam.
com os primeiros,
o que é longe, a perto chegarão.

se lentos, apressam-se.
em roda
enganam o tempo.
inquieta a alma
vai em passos perdidos.

nas areias, em passos se tropeça.
passos,
não sepultam pedras.
o caminho,
com passos se faz
a cada um, um passo jaz.

passo a passo,
entre passos, caminha-se na vida.
com passos seguros, se vai
sem temor ao dia.

em passos largos,
na noite
vem o comprimento do medo,
no eco da rua ou entre paredes.

do passo atrás, ao
passo em frente,
passos sem fim.
passo a passo
para o passo da liberdade.
 
passo a passo

meus gomos de toranja

 
abres-me o corpo com o olhar,
por entre os sulcos
do frondoso pomar
e saboreias os meus gomos de toranja

no intimo pomo agri-doce,
fruto vivo rosáceo, exaltas
a fome inadiável dos teus lábios

carnudos
nacos talhados pelo perfume da pele
sedenta
da polpuda seiva
do corpo

onde a foz dos dedos
encontra o afago ígneo
em torno da flor trémula
 
meus gomos de toranja

O tempo e a beleza

 
A beleza contempla-se
com tempo.
Enquanto o tempo,
de modo inútil,
se apressa
a toca-la.
 
O tempo e a beleza

A hipálage

 
Viver entre dois mundos.
Na perdição e no caminho.
Na ponte cabo para a margem.
Estar à frente e no verso do perigo.

Viver entre metáforas.
O verso e a estrofe em dor.
O relógio a (con) viver com o tempo.
A escada a dar passos alados.

O funâmbulo à flor da pele.

Entre dois mundos.
Entre metáforas.
Viver a hipálage,
numa raivosa folha de papel.

A hipálage é uma figura de linguagem que atribui a um ser uma característica pertencente a outro, com o qual mantém uma relação na situação comunicativa. Tal recurso é empregado para gerar determinados efeitos de sentido, tornando o texto mais expressivo.
 
A hipálage

beijos

 
são calmos mares
nas vagas da manhã
o rubor das praias
sabe a sede

são canoas de seiva
que se abrem
em águas fundas

são barcas
entreabertas entre cristais
trazem conchas em febre
que saciam

são soluços de vaivém
entre marés
melodia

são vagas em renque
de mel e gula
em espuma

são velas na maresia
que dançam tango
em ondas rubi

são ilhas
pedaços de chegadas
e partidas

lugares que na boca
se aninham

são andorinhas
em acrobacia

são beijos
 
beijos

poema de consagração

 
dentro de mim, tu és o poema
que nasce na brevidade
do verso
e anuncias a glorificação
numa oração de foice
em lume.

no meu corpo, gizas o ritmo
com labaredas cerzidas
à rima das palavras
incitadas pela licitação
da libido.

nos meus lábios, a cada pausa
recitas coplas
com cada palavra do meu corpo,
sem abuso de prosa,
upamos em sinestesia
como cavalos à solta
num poema de consagração.
 
poema de consagração

O trigo loiro e os fuzis

 
Entre o loiro e ondulante, trigo
Vão mechas perdidas.
Atravessam a espessura dos Homens.
Trespassam meninas (os) como papoilas abandonadas.
Lugares naufragados.
Foram terras [desbravadas],
com a bravura dos arados e das alfaias.

A aveia incendiada.
Ceifada pelas balas.
Pombos e cegonhas* de peitos queimados.
O lume vertido nas agulhas dos loiros trigais.
Em braseiro estão as arcas e os prados.
Estão da cor do sangue derramado.

A maldição fermenta entre os loiros trigais.

A maldição cresce entre o trigo.
Com o fermento dos fuzis.
O trigo e as searas são os ninhos,
dos Homens que usam nos Homens, canzis.

* Cegonha (leleka) em ucraniano) é o pássaro oficial e favorito dos ucranianos.
 
O trigo loiro e os fuzis

escultor

 
a voz da pedra para a mão
diz: toma a essência
em curvas de criação

em intima confidência
usa o cinzel
e em vicio, finca no veio
no hábil e ágil magma

na pedra
de fora para dentro
concebe, vastos pomos
seios e ventre cheios
olhos em existir silente
rosa dos ventos
no cabelo

na pedra virgem
esculpe, em assaz desvelo

crava o escopro
em lento amaciar
ama pouco a pouco
a lava, fogo de donzela

abre-a, em espasmo, na pedra
o peito, súbito sangue
fervente, alteia e sonha
a tez inundada

do cru laço da vida
na pedra
armada pela mão, um corpo
uma salaz concubina
adornada a vulcão

Dedicado ao amigo Francisco Cogumbreiro, escultor açoreano.
 
escultor

as tuas mãos

 
Justas à noite as tuas mãos aplainam o

sobrado para desfazerem afagos

na minha ilharga.

Mãos que avançam para o altar

de madre-pérola sobre joelhos

entontecidos e diante do círio alto

crescem preces em espasmos fundos.

Mãos de anjo que rasgam o clarão da

minha boca e me ungem a carne, erguendo

hastes de paixão.

Fazem-me subir ao céu em salto alto e

absinto nas palavras.

Como um voo de pétala, flutuo na noite

pelas tuas mãos.
 
as tuas mãos

Noites são casas onde as mulheres se demoram

 
Há paredes e fustes sitiados com rostos.
Portas e janelas, como rosas vigiadas.
Guardam os segredos da carne.
Noites são casas que têm mulheres dentro. Escadas.
Que os homens sobem, degrau a degrau.
Noites são casas cheias de estrelas. Paradas nos olhos.
Nas faces há luzes rachadas.
Casas são femininas nocturnas.
Onde entram noctívagos.
Casas são noites adornadas com mulheres de carne quebrada.
Com o regaço batido de sono e de fadiga.
Noites são casas caiadas de sonhos.
Adornados com correntes adormecidas no peito.
De prata e pérolas frias.
Casas são noites com mulheres que aguardam amantes.
Que abrem por dentro, as portas e as janelas.
Noites são casas onde chegam amores bárbaros de espada à ilharga.
Falam de países, terras inimigas e cidades longínquas.
Nas noites, nas casas, as mulheres escutam o ressoar do sangue.
Tratam da fome e da palavra. Aspiram feridas.
Noites são casas onde as mulheres se demoram.
Como espelhos no tempo.
 
Noites são casas onde as mulheres se demoram

em silêncio

 
O silêncio liberta-nos de quase tudo
menos de nós.
Por dentro permanecem ecos
de amor.
Falo-te de amor para ressoar por dentro de ti.

Amor é uma palavra. O desejo um corpo.
Leva-a o vento. Ao corpo, o tempo o levará.

Vem
troquemos as vestes pela nudez.
Quero despertar-te por dentro.
Quero ouvir-te amar, de olhos fechados.
Sentir as arestas das tuas veias
pulsantes.
Serpentear sobre o teu ventre.
Entrar no ardor dos teus rasgos.

Tu sorris como uma harpa. Lenta.
Quase em pausa.
Assomas aos meus olhos
para veres o eco de ti, em mim.

Falei-te em silêncio para permanecer com o eco do teu amar.
 
em silêncio

Flores sem segredo

 
Quero prezar a tua flor sonhada.
A rosa com os seus subtis refolhos.
Com bordados da cor do colo.
Detêm a arte e o génio dourados,
que cintilam altos como talha.

Deixa-me entrar.
Para permanecer em ti.
Nos lençóis agarrados à órbita da terra.
Nos dias em que as flores de laranjeira
se vestem rosadas.
Nos momentos, em que as cerejas
se abrem em fogo.

Num movimento purpuro, nasce a nudez.
Sem nome.
Vem num curso d`água.
Nascendo nas mãos, entre os dedos,
acendem-se
para zelar as tardes.
Com leveza.
No toque livre que brilha aberto.
Deixas-me ficar com o lírio negro.
 
Flores sem segredo

Zita Viegas