beijos
são calmos mares
nas vagas da manhã
o rubor das praias
sabe a sede
são canoas de seiva
que se abrem
em águas fundas
são barcas
entreabertas entre cristais
trazem conchas em febre
que saciam
são soluços de vaivém
entre marés
melodia
são vagas em renque
de mel e gula
em espuma
são velas na maresia
que dançam tango
em ondas rubi
são ilhas
pedaços de chegadas
e partidas
lugares que na boca
se aninham
são andorinhas
em acrobacia
são beijos
vulva
rosa ardente oculta
no nu vaso enfeitado de ninho
rosa alcova
o desejo chama
o namoro primaveril da mão
secreta rosa, flor da noite
a mão cadente o eco das pétalas toca
rosa rubra, flor d`amor
tua seiva talha o instante do gozo
que a mão a jusante doba
a planície
a planície abre-se em manso estar
no deambular das horas das papoilas
na vagarosa brandura do trigo o restolhar
em grande plano o sol a pique
tinge de amarelo os dias inocentes
e a paisagem pintada no recato do olhar
ergue-se em raízes no meio do vento
abre-se na planície recortada pela noite
o desabrochar da flor em mel
e sob as folhas da azinheira
acordam as cigarras do sono fiel
em contemplo da terra perfumada
de segredos e mistérios enluarados
embala-se a cal que escuta a parede
onde amor brasio desp`amados
nas rodas dos vestidos nascem
seduções no fôlego de um cantar
monotonamente inebriado de saber
ecoa entre louros favos um brilhar
vagarosas as horas aram a paisagem
adubando com candura da existência
de silêncio prenhe a terra d'ourada
semeia na alma o solo da essência
a planície em floração de alfazema
desprende roxas pétalas de saudade
para no pôr de sol alaranjado oferecer
a ternura do amanhecer à bela amada
com a profundeza da planície na palavra
a paisagem n`olhar em companhia risonha
avança o sonho nas asas d`uma cegonha
passo a passo
passos, em passos vão
e em vão passam.
com os primeiros,
o que é longe, a perto chegarão.
se lentos, apressam-se.
em roda
enganam o tempo.
inquieta a alma
vai em passos perdidos.
nas areias, em passos se tropeça.
passos,
não sepultam pedras.
o caminho,
com passos se faz
a cada um, um passo jaz.
passo a passo,
entre passos, caminha-se na vida.
com passos seguros, se vai
sem temor ao dia.
em passos largos,
na noite
vem o comprimento do medo,
no eco da rua ou entre paredes.
do passo atrás, ao
passo em frente,
passos sem fim.
passo a passo
para o passo da liberdade.
amor enleva-me
amor
acordados os desejos
pinta-me a boca de amor-perfeito
amor
em oração enleva-me a fagulha da intimidade
ao eco do silêncio do corpo
ao suspiro trémulo
para em cada momento descer à senda
que me leva à tua morada:
ao gosto de ti
não te vejo há dias
Não te vejo há dias.
Esperava-te sobre a mesa a jarra com flores.
O chá de jasmim.
O fim de dia no pátio.O canto do melro.
Escrevo-te, enquanto a luz vigia a mão.
Entre o rebuçar das lágrimas no vestido e
o gemido traçado a ópio.
Assomo as tuas fotografias.
Dançávamos sob o esboço da magnólia
com as bocas coladas entre a sua sombra,
no enlace das mãos e sob o colo espreitante.
Lembraste?
Partilhávamos as cicatrizes dos dias.
As errâncias do percurso.
As trovoadas afloradas no peito.
A intimidade da pele.
Se não chegares pela lua
claro, o branco das magnólias
iluminará a prece da mão solitária
entre os sulcos íntimos sob as rendas
tomarei a tua imagem como incêndio
para recortar o meu desejo nos dias
em que te não vejo.
as tuas mãos
Justas à noite as tuas mãos aplainam o
sobrado para desfazerem afagos
na minha ilharga.
Mãos que avançam para o altar
de madre-pérola sobre joelhos
entontecidos e diante do círio alto
crescem preces em espasmos fundos.
Mãos de anjo que rasgam o clarão da
minha boca e me ungem a carne, erguendo
hastes de paixão.
Fazem-me subir ao céu em salto alto e
absinto nas palavras.
Como um voo de pétala, flutuo na noite
pelas tuas mãos.
cais da ilha
O nevoeiro sorve montes e contornos. Sob o chumbo desfraldado tranças os teus sonhos.
Ilusões de ser pasmado. Sombras. Entre brumas, vem veloz a nostalgia.
Tu partes. Partes em dia cinzento mar. De coração vazio a chorar
a ilha. O lugar da minha tristeza.
Partes incerto e de olhar disperso. Melancólico.
Adensado nas coisas mínimas. No silêncio da chuva.
No pó do sonho. No rugir velado dos dias.
Na mudez dos grilos.
Partes no Inverno.
O Inverno que rumoreja no peito. A estação talhada
na fímbria do mar, onde a indolência
dos céus enfeitiça o coração
submerso em solidão.
Emudeço na rocha fendida.
No cais. Nós de vento compõem ondas
cortadas pela quilha.
No cais a matar saudades é o fim.
Quanto doí amar? É sempre?
Segredo de mãos ausentes nos confins do
mar.
Na ilha.
Gozo
As tuas mãos exalam perfume
segregam desejo.
Germina fogo da tua pele.
De braços estendidos ao encontro da noite
trazes a arte do lume.
Fagulhas altas em forma de suspiro
içam os seios intumescidos.
Em corpo alado, lavras a terra molhada
pelos poços secretos onde
florescem rosas e néctar de romã.
No regaço recortado a pétalas
e no ventre tingido a mel
o hálito cose-se
ao bordado do prazer.
Imponente, embainho
a espada na ferida
soltando o grito latejante
sem misericórdia.
Zita Viegas
Poseidon e Anfitrite
Deslumbre para olhos mecânicos
Que varrem toda costa do litoral
Donde emergem os seres titânicos
Pais dos deuses do Bem e do Mal.
De extenso manto cobalto oceânico
Anfitrite sopra feroz na estação hiemal
arqueia seu dorso em furor tirânico
avança feroz à tona d`água do areal
A brisa marítima carregada de sal
As ondas num vai e vem incomum
Netuno tendo o mar como quintal
Reina soberano sem temor algum
Deusa do mar profundo em voz virtual
traz ao alto da onda divinos cânticos
do profundo leito d`azul abissal
epopeias, odes e hinos românticos
Causando inveja a Tupã e a Oxum
Com os cabelos e as barbas azuis
Com seu precioso cargo ad nutum
Com seus olhos radiantes de luz
Traz beleza anídrica e olhos coelum
na pele a espuma, no coração corais
chega à terra de braços em debrum
para contento de todos os seres mortais
À voz de trovão obedece o oceano
Calam-se os seres das profundezas
No mundo marítimo, ano após ano,
Poseidon, supremo, de exímias belezas.
Nereida, ninfa do mar colhe o plano
de Poseidon para casar em grandezas
na maresia é deusa do mar com afano
vive com sete marés nas profundezas
Poema confeccionado a quatro mãos entre Gyl e Zita num momento de descontracção. Obrigada pelo prazer da composição, estimado amigo poeta Gyl!