Só o leve e o livre voa
Nas mãos
levas o vento.
Enlaça-lo na harmonia
das árvores.
Levas na boca,
o jeito dos trevos.
Numa dimensão avivada.
Ao lugar da memória.
Da palavra que soa.
Com dom de criança.
O silêncio provém.
Só o leve e o livre voa.
vulva
rosa ardente oculta
no nu vaso enfeitado de ninho
rosa alcova
o desejo chama
o namoro primaveril da mão
secreta rosa, flor da noite
a mão cadente o eco das pétalas toca
rosa rubra, flor d`amor
tua seiva talha o instante do gozo
que a mão a jusante doba
Só a árvore e o homem levam o mundo por dentro
Um dia muito longe, sempre
perto de um tempo absorto, entre
gestos e passos.
Sob as árvores, com raízes
que teimam estar sós,
como os dias de cada ano.
Leva-se o olhar, que olha
as múltiplas arestas e frestas,
com um solitário silencioso silêncio.
Olhares das manhãs e das tardes,
em anonimato, de ombro a ombro.
As casas levam o mundo por dentro.
Nunca se conhecem todos os rostos
nem todas as palavras, por
se adensarem esquinas e caminhos.
Nos passos, nos gestos em conspiração.
Tão longe como se fosse perto.
Só a árvore e o homem levam o mundo por dentro.
modo de amar
há contornos
do peito
na palma da tua mão
quando me assaltas a cintura,
sobes
em gomos, talhas a noite
procuras
os lábios com sabor
ao teu nome
estremeces
num sismo
que vem da alma
para rasgar o corpo,
ardes
como lava
e desaguas
num gemido
soltas
lume nas pétalas
no regaço
despido,
cresces
rumo ao pulsar
do silêncio
da seda
galopas
na raiz da vida,
talhas
a seiva,
gota a gota,
a pele
polvilha-a com bagas
d`afago
ofereces
avulso nus beijos
no ventre,
na pele, os dedos
teclam
a ode do corpos,
repousamos
de cúbito, em concha
mar azul cobalto
Fundo de levantes. Abismo em sono
profundo de águas.
De longe, chegam ao cais nas marés
desfeitas em versos.
Poemas calmos como o fundo do mar.
Em mistério, as margens rompem-se e as
águas unem-se como a poesia une olhares
coalhados pelo azul cobalto das palavras
profundas. Sem se cansarem, ondas
inscrevem o belo e o sábio no avesso do
mar, onde aves ébrias pelo silêncio
anunciam maresias de inspiração,
enquanto no pulsar do oceano cintilam
torrentes de sílabas que se aconchegam
em pátios de sílica. Em visita, a
ondulação foragida das cristas
terrestres constrói rotas para as barcas
carregadas de estórias e segredos
temperados. No mar azul cobalto cresce a
imensidão do prado azul e no poema
cresce a pulsão profunda da palavra.
a planície
a planície abre-se em manso estar
no deambular das horas das papoilas
na vagarosa brandura do trigo o restolhar
em grande plano o sol a pique
tinge de amarelo os dias inocentes
e a paisagem pintada no recato do olhar
ergue-se em raízes no meio do vento
abre-se na planície recortada pela noite
o desabrochar da flor em mel
e sob as folhas da azinheira
acordam as cigarras do sono fiel
em contemplo da terra perfumada
de segredos e mistérios enluarados
embala-se a cal que escuta a parede
onde amor brasio desp`amados
nas rodas dos vestidos nascem
seduções no fôlego de um cantar
monotonamente inebriado de saber
ecoa entre louros favos um brilhar
vagarosas as horas aram a paisagem
adubando com candura da existência
de silêncio prenhe a terra d'ourada
semeia na alma o solo da essência
a planície em floração de alfazema
desprende roxas pétalas de saudade
para no pôr de sol alaranjado oferecer
a ternura do amanhecer à bela amada
com a profundeza da planície na palavra
a paisagem n`olhar em companhia risonha
avança o sonho nas asas d`uma cegonha
flores de bem-me-quer
No malmequer a chuva continua miudinha.
Para apanhar a fragância debruço-me na lufada do vento.
Ao vento que desfolha pétalas. Pétalas que adivinham buscas de amor.
Meadas de suspiros. Choros de mansinho.
Ao desnascer o dia, o orvalho rompe as palavras. A voz
mansa dos teus desejos. O lento soprar dos versos com que
ateias o meu ventre. Com que pintas à mão o brilho do meu olhar.
Com que soltas a Primavera na minha boca.
Como a voz que asperges em canto, decompões
no nácar do meu íntimo, também desfolham da sépala
as pétalas com que adornas os meus seios na inclinação
dos lábios cedidos.
Abre-se e fecha-se o malmequer estilhaçando gotas
d`orvalho. Também em nós abre-se e fecha-se o corpo
entumecido no suor do amplexo. A nudez
abre-se e fecha-se. Abre-se...solta o
deleite. Solta o pólen.
Docemente, no outeiro das tuas mãos desabrocham flores…
…flores de bem-me-quer.
cais da ilha
O nevoeiro sorve montes e contornos. Sob o chumbo desfraldado tranças os teus sonhos.
Ilusões de ser pasmado. Sombras. Entre brumas, vem veloz a nostalgia.
Tu partes. Partes em dia cinzento mar. De coração vazio a chorar
a ilha. O lugar da minha tristeza.
Partes incerto e de olhar disperso. Melancólico.
Adensado nas coisas mínimas. No silêncio da chuva.
No pó do sonho. No rugir velado dos dias.
Na mudez dos grilos.
Partes no Inverno.
O Inverno que rumoreja no peito. A estação talhada
na fímbria do mar, onde a indolência
dos céus enfeitiça o coração
submerso em solidão.
Emudeço na rocha fendida.
No cais. Nós de vento compõem ondas
cortadas pela quilha.
No cais a matar saudades é o fim.
Quanto doí amar? É sempre?
Segredo de mãos ausentes nos confins do
mar.
Na ilha.
passo a passo
passos, em passos vão
e em vão passam.
com os primeiros,
o que é longe, a perto chegarão.
se lentos, apressam-se.
em roda
enganam o tempo.
inquieta a alma
vai em passos perdidos.
nas areias, em passos se tropeça.
passos,
não sepultam pedras.
o caminho,
com passos se faz
a cada um, um passo jaz.
passo a passo,
entre passos, caminha-se na vida.
com passos seguros, se vai
sem temor ao dia.
em passos largos,
na noite
vem o comprimento do medo,
no eco da rua ou entre paredes.
do passo atrás, ao
passo em frente,
passos sem fim.
passo a passo
para o passo da liberdade.
meus gomos de toranja
abres-me o corpo com o olhar,
por entre os sulcos
do frondoso pomar
e saboreias os meus gomos de toranja
no intimo pomo agri-doce,
fruto vivo rosáceo, exaltas
a fome inadiável dos teus lábios
carnudos
nacos talhados pelo perfume da pele
sedenta
da polpuda seiva
do corpo
onde a foz dos dedos
encontra o afago ígneo
em torno da flor trémula